Recentemente, está no foco de muitos profissionais o tema das demandas predatórias ou abusivas.
Os Tribunais têm dispensado maior atenção ao assunto, as empresas que constantemente são vítimas desse tipo de prática também estão aumentando sua atuação para afastar esse tipo de conduta e, mesmo assim, o número de ações predatórias está em crescimento exponencial.
A questão é complexa e envolve diversos temas que devem ser sopesados para que não sejam prejudicados direitos existentes, ao mesmo tempo em que pessoas jurídicas não sejam responsabilizadas por fatos inexistentes e, também, para que os Tribunais não tenham que lidar com uma quantidade sobre-humana de trabalho e gastos, o que acaba por prejudicar não somente os Juízes e servidores, mas todos aqueles que dependem da tutela jurisdicional.
Para esclarecer a magnitude do problema, é importante notar que poucos agentes causam prejuízos ao Poder Judiciário, estimados em aproximadamente 20% de seus recursos.
O primeiro problema que precisamos resolver é entender o que realmente é uma demanda predatória, também conhecida como litigância abusiva.
Para melhor entender o conceito, no entanto, devemos diferenciar a litigância predatória ou abusiva de outros institutos.
A primeira diferenciação que devemos fazer consiste em separar a litigância predatória da judicialização predatória. A Recomendação 127/2022 do Conselho Nacional de Justiça conceitua a judicialização predatória como “o ajuizamento em massa em território nacional de ações com pedido e causa de pedir semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas, a fim de inibir a plena liberdade de expressão” (art. 2º). A judicialização predatória, portanto, tem maior relação com o uso do Poder Judiciário para reduzir ou afetar a válida liberdade de expressão de um indivíduo. Também é um tema de extrema relevância, até mesmo em razão da existência de inúmeras ações com esse perfil em vários graus de jurisdição, mas não é o foco do estudo de hoje.
Também é importante diferenciar a litigância abusiva ou predatória da advocacia em massa. A advocacia em massa consiste apenas no critério quantitativo, mas que decorre da origem lícita. Ou seja, as empresas que costumeiramente são muito acionadas judicialmente e se defendem em juízo, utilizam da advocacia em massa para dar conta de todos os processos. Como mencionado na Nota Técnica 04/2024 do Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de São Paulo “o número de ações, por si só, não é elemento suficiente para caracterizar a litigiosidade predatória (se assim fosse, aliás, toda demanda repetitiva assim poderia ser caracterizada)”.1
Feitas as principais distinções, segundo a Recomendação 159/2024 do Conselho Nacional de Justiça, a litigância abusiva pode ser conceituada como aquelas que se refiram a “condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória”.
Embora o Conselho Nacional de Justiça forneça elementos concretos para tentar identificar uma demanda predatória, dentre os próprios pesquisadores do tema não há consenso sobre o seu conceito.
Por isso, nessa coluna eu proponho um conceito bem definido para que seja possível identificar uma demanda predatória e, com base na correta classificação, haja a atuação judicial para prevenção e repressão desse tipo de prática.
A litigância predatória existe quando reúne dois critérios: o primeiro é quantitativo e o segundo é o caráter ilícito envolvido. Não basta a repetição de ações para que a demanda seja considerada ilícita, conforme já pontuado. Deve-se acrescentar ao critério quantitativo, portanto, a existência de um caráter ilícito.
A ilicitude a que me refiro pode ser tanto a criação de documentos para ajuizamento de uma ação que o suposto autor sequer conhece, quanto a captação pelo advogado, através da violação de dados pessoais de potenciais clientes ou mediante a violação dos deveres éticos previstos no Estatuto de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil. Outra situação que caracteriza o mencionado ilícito é a divisão do problema único de um cliente em diversas ações, violando os preceitos Constitucionais do processo, apenas para ganho próprio do advogado, que visa receber mais honorários de sucumbência.
Aqui, faço menção sobre apenas parte dos ilícitos que costumeiramente ocorrem, mas trata-se de mero rol exemplificativo de circunstâncias.
A junção do critério quantitativo com a origem ilícita possibilita a identificação da litigância predatória, fenômeno que ganha relevância a cada dia no cotidiano forense.
É muito importante conseguir identificar quando uma demanda realmente pode ser considerada abusiva ou predatória, a fim de que não sejam penalizadas pessoas cujos direitos foram violados e que procuram licitamente o exercício da jurisdição para que a vontade do Estado garanta a efetividade da legislação, ao mesmo tempo em que aqueles que pretendem utilizar o Judiciário para um ganho indevido sejam responsabilizados pela sua conduta.
Referências
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1. CENTRO DE INTELIGÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Nota Técnica 04/2024. TJSP. Disponível em: link. Acesso em 11 de dezembro de 2024.