A coluna deste mês busca analisar um litígio ocorrido entre duas redes de fast food pelo direito ao uso exclusivo da marca, o ocorrido e consequentemente o julgamento aconteceu na União Europeia, de maneira que a análise será com base na legislação europeia, bem como, a partir de conceitos, doutrinas e princípios aceitos na União Europeia. A fim de aproximar o caso em análise do ordenamento jurídico brasileiro, serão realizados breves apontamentos e comparações sobre os dois sistemas.
Os acontecimentos ocorridos com a McDonald’s em 2019 mostram a necessidade e a importância do uso sério da marca registrada. Mas quais foram esses acontecimentos? Em 2019 a gigante rede de fast food perdeu, na União Europeia, os direitos de exclusividade do uso da marca “BIG MAC” (em caixa alta) após uma decisão do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) contra uma disputa judicial com a sociedade empresária irlandesa de fast food – Supermac.1
A batalha judicial surgiu quando a Supermac decidiu expandir sua rede de fast food para outros países da União Europeia e foi impedida pela McDonald’s sob o fundamento de que o nome da rival poderia causar confusão nos seus clientes. Prática não permitida pela legislação europeia.
Após essa barreira criada pela empresa americana, a Supermac pleiteou a anulação da decisão e do registro da marca BIG MAC na União Europeia, sob o argumento de concorrência desleal e monopólio injusto de marcas nunca usadas. Ela utilizou desse argumento pois apesar da marca ter sido registrada em 1998 ela nunca foi utilizada nem em restaurantes, nem em produtos alimentícios.
A empresa irlandesa alegou que a McDonald’s registra diversas marcas sem a intenção verdadeira de uso apenas para coibir outras empresas, especialmente sociedades empresárias menores e familiares, de registrarem e utilizarem essas possíveis marcas, um “sufocamento da concorrência através do registro de marca”.
A decisão da EUIPO foi favorável a empresa irlandesa, pois considerou que a McDonald’s não teve um uso efetivo da marca registrada e que a prática revela um abuso do direito de exclusivo. Nesse sentido, foi revogado o direito de exclusivo da marca BIG MAC em todo território da União Europeia, de forma que tanto a empresa vencedora da disputa, quanto qualquer outra poderiam usar este nome em seus restaurantes e cardápios.
A repercussão foi tão grande que para demonstrar os efeitos da decisão judicial e “alfinetar” seu concorrente em uma ação de marketing, a Burguer King, outra multinacional alimentícia, mudou o seu cardápio temporariamente para “BIC MAC”:2
Essa ação de marketing dos restaurantes Burguer King na Europa, explícita a possibilidade de qualquer empresa utilizar o nome “BIC MAC”, consequência da perda do exclusivo da marca. Mas, com todos esses acontecimentos e litígios o que é possível compreender da briga entre McDonald’s vs. Supermac?
Afinal, se formos levar em consideração apenas os requisitos para registro de marca, conforme dispõe o professor Luís M. Couto Gonçalves em seus ensinamentos sobre marca, para ela ser passível de registro precisa ser um sinal distintivo, suscetível de representação gráfica ou possuir clareza e objetividade de forma a identificar o objeto a ser protegido,3 nesse sentido, o direito ao uso exclusivo seria da empresa americana.
Contudo, há na propriedade industrial o instituto do uso sério da marca. Ele consiste em provar que a marca “[…] tem sido utilizada publicamente, da forma como se encontra registada ou apenas com a modificação de pormenores que não alteram o seu caráter distintivo”,4 a pedidos de terceiros, durante a vigência de um registro, sob pena de caducidade do registro, ou seja, ele para de valer.
Esse foi o fator fundamental para que o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia retirasse o direito de uso exclusivo da marca em questão, pois apesar das provas apresentadas pela McDonald’s que havia uso eventual em alguns países da Europa, como por exemplo a Alemanha, isso não foi considerado suficiente para comprovar o uso efetivo do nome. Uma vez que em pelo menos cinco anos a marca não foi utilizada nenhuma vez.
A EUIPO ainda acolheu o entendimento de concorrência desleal por parte da multinacional americana, pois o acúmulo de marcas sem a intenção de usá-la, ainda que futuramente, prejudica o crescimento orgânico e a livre concorrência entre as sociedades empresárias.
Apesar de ser um caso da União Europeia, a legislação brasileira e sua doutrina segue o mesmo entendimento, com afirma João da Gama Cerqueira:
Por outro lado, a obrigatoriedade do uso das marcas registradas justifica-se como meio de evitar o abuso das chamadas marcas defensivas e de reserva ou de obstrução, as quais, além de sobrecarregarem inutilmente os arquivos das repartições de registro, redundam em prejuízo dos concorrentes, tornando mais restrito o campo em que podem livremente escolher suas marcas.5
A partir dessa afirmação, verifica-se o uso da marca é necessário, e caso esse litígio ocorresse no Brasil, seria provável que o entendimento fosse o mesmo. No ordenamento brasileiro o registro desnecessário de marcas que nunca tiveram qualquer uso é vedado, e consequentemente, a validade desse registro deixa de existir. O mesmo está disposto na nota técnica n.º 01/2018 do INPI brasileiro,6 no qual em um processo de análise de caducidade da marca, qualquer prova do seu uso em cinco anos durante o processo de investigação elimina a caducidade.
Portanto, é possível compreender que sendo uma sociedade empresária poderosa ou um pequeno negócio, é necessário estar alinhado aos fatores da concorrência legítima e procurar utilizar efetivamente todas as suas marcas registradas, para que a validade do registro não caduque e seja perdido o direito ao exclusivo daquela marca, um dos objetivos principais de registro e proteção da marca.
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Victoria Emily da Silva Oliveira Castro
Referências
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1. Para informações completas sobre o caso, número do processo julgado pela EUIPO: R0484/2016-1. Disponível em: https://bit.ly/3t985qF.
2. THE GUARDIAN. ‘Like a Big Mac But Juicier’: Burger King renames sandwiches to troll McDonald’s. Disponível em: https://bit.ly/3t9IUEq.
3. GONÇALVES, Luís M. Couto. Manual de Direito Industrial: Propriedade industrial e concorrência desleal. 5ªed. Revista e atualizada. Coimbra: Almedina. 2014.
4. PORTUGAL, Apresentar prova de uso de uma marca. Disponível em: https://bit.ly/3Q3C7pE.
5. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, Vol. II, Tomo II, Parte III, Ed. Revista Forense, 1956.
6. INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Nota técnica n.º 01/2018. Disponível em: https://bit.ly/3wRm6u4.