Metaverso como prova de anterioridade de direito autoral no Brasil

Metaverso como prova de anterioridade de direito autoral no Brasil

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O metaverso trata-se de um ambiente virtual que surge em razão do avanço das tecnologias da informação, em especial da Internet. Em teoria, em tal ambiente será possível realizar tudo o que já é realizado no mundo real, inclusive expressar (produzir) obras intelectuais.

Portanto, o objetivo do presente trabalho é demonstrar o uso do metaverso como prova de anterioridade de direito autoral no Brasil. Nesse sentido, questiona-se: pode o metaverso ser utilizado como prova de anterioridade de direito autoral no Brasil? Tem-se como hipótese que o metaverso pode ser utilizado como prova de anterioridade, vez que o ordenamento pátrio não exige nenhum registro para proteção do direito do autor, cabendo ao mesmo apenas comprovar sua autoria por meio do critério da anterioridade, ou seja, comprovar que foi o primeiro a publicar determinada obra.

No tocante a metodologia, será utilizado o método lógico dedutivo a partir da revisão bibliográfica, buscando conceitos técnicos tanto da tecnologia quanto do Direito.

O direito autoral no Brasil encontra proteção constitucional no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, nos incisos XXVII e XXVIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas.1 

A respeito da supramencionada previsão constitucional, Alexandre Pires Vieira esclarece que o constituinte avançou na terminologia ao incluir o termo “publicação” no texto, bem como por utilizar da palavra “obras”, que expressa um sentido amplo, garantindo ampla proteção e não limitando sua égide apenas as obras literárias artísticas ou científicas.2

Nesse sentido, cabe compreender quais seriam as obras protegidas pelo direito autoral, cabendo citar o art. 7º da Lei 9.610/98 que diz que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro[…]”.3

A respeito de tal disposição legal, Leonardo Macedo Poli leciona que “[…] tudo o que é produzido pelo intelecto humano é obra intelectual, mas nem toda obra intelectual poderia ser considerada uma criação de espirito”. Isto posto, só recebe tutela autoral as obras que puderem ser consideradas criações do espírito.4

Ademais, cabe destacar a frase “[…] expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro[…]”.5 Tal trecho do texto legal trata-se da conexão dos direitos autorais com o metaverso, de forma que mesmo o metaverso sendo um ambiente inovador, as obras intelectuais expressas nele estarão sob proteção autoral.

Nesse sentido, cabe frisar que a Lei 9.610/98 aduz que “[…] a proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.6  Ou seja, o autor que produzir tais obras obtém proteção (para exercer seus direitos de autor) independentemente de qualquer registro.

Carolina Panzolini e Silvana Demartini esclarecem que “[…] o direito autoral nasce no momento que o autor exterioriza o pensamento, não se exigindo que registre a obra para ter reconhecida a autoria e poder pleitear direitos sobre a criação.” 7

Por este motivo, um eventual registro de direito autoral serviria apenas para comprovar a anterioridade, ou seja, seria apenas um registro meramente declaratório. Mas ainda assim, recomenda-se um registro, pois este “[…]constitui como prova sobre a anterioridade e autoria da obra[…].” 8

Adentrando ao metaverso, cabe mencionar que ainda não há uma definição clara a respeito do termo “metaverso”, todavia, Matthew Ball traz que quando pensamos no metaverso estamos diante das seguintes características: um universo digital (3D); com uma experiência persistente (as alterações feitas se mantêm salvas); sincronizada e ao vivo para todos (de forma que não seja possível pausar o metaverso); sem limites de usuários simultâneos (tornando-se possível a participação de todos de forma irrestrita); com uma economia funcional; interoperável (fazendo com que aplicativos possam existir dentro do metaverso e que tais aplicativos se comuniquem entre si); e  que os conteúdos da plataforma (metaverso) sejam criados pela própria comunidade (tal como a Wikipédia).9

Compreendido o metaverso, cabe uma distinção entre metaverso centralizado e metaverso descentralizado. O metaverso centralizado trata-se de um ambiente controlado por uma única entidade, que governa toda a rede com servidores internos e com regras unilaterais configuradas para regulamentar tal mundo digital.10  Já o metaverso descentralizado opera por meio de um sistema com código aberto aos usuários, de forma que as regras e políticas da plataforma (metaverso) sejam criadas e tenham a participação da comunidade (tal como uma democracia direta), viabilizada pela tecnologia da blockchain.11

A blockchain pode ser compreendida como um livro razão público, compartilhado e imutável que facilita o processo de registro de transações e rastreamento de ativos em uma rede descentralizada de negócios.12  A respeito de seu funcionamento, este ocorre por meio da inserção de dados organizados em blocos, que posteriormente são integrados a algo semelhante a um livro-razão, denominado de blockchain. Tais blocos são organizados de uma forma que o bloco posterior dependa do bloco anterior, ou seja, há uma conexão entre os blocos em forma de cadeia, tal conexão faz com que um dado ao ser armazenado não possa ser excluído/alterado, sendo possível auditar sua existência identificando a exata data de sua inserção.13

Portanto, ao que diz respeito ao armazenamento de informações, o metaverso descentralizado teria informações transparentes e armazenadas de maneira distribuída, ou seja, os dados seriam salvos por meio da blockchain (com código público) e disseminado a diversos pares (peers) espalhados ao longo da Internet. Cabendo destacar que, qualquer pessoa poderia se tornar um “par”, ou seja, qualquer pessoa poderia fazer parte rede da blockchain, vez que se trata de uma rede pública, distribuída “par a par”.14

Nesse sentido, ao contrário do metaverso centralizado, o metaverso descentralizado não possui uma autoridade central capaz de excluir ou alterar dados, isto pois, o ambiente descentralizado se baseia na tecnologia da blockchain, que garante extrema confiabilidade em razão de sua transparência. Isto posto, gera-se uma grande confiabilidade para os usuários de tal plataforma, sendo possível auditar tais dados, garantindo ao usuário que seus dados construídos no metaverso não vão ser excluídos ou alterados, haja vista que a blockchain é imutável.

É mister destacar que, no metaverso centralizado os conteúdos poderiam ser alterados ou excluídos pela autoridade central. Tal situação, do ponto de vista do direito autoral, representa um grande risco para uma eventual prova de autoria (por meio de anterioridade), isto pois, um autor que eventualmente tenha suas obras único e exclusivamente postadas no metaverso centralizado poderia perder sua prova de anterioridade (seu conteúdo postado).

Ao longo da investigação a hipótese se mostrou verdadeira sendo possível utilizar o metaverso como prova de anterioridade, haja vista que a lei 9.610/98 aduz que as obras expressas por qualquer meio, seja ele tangível ou intangível ou até mesmo desconhecido (que se invente no futuro) recebem proteção autoral. Logo, o metaverso estaria abarcado como um meio intangível no qual o autor poderia se utilizar para expressar suas obras.

Ademais, cabe ressaltar que em razão da lei 9.610/98 dispor que a proteção dos direitos do autor independe de registro (bastando que a obra seja expressa em algum meio), faz-se possível vislumbrar o metaverso sendo utilizado como uma prova de autoria, com base no critério da anterioridade.

Portanto, respondendo ao questionamento inicial, o metaverso pode ser utilizado como prova de anterioridade de direito autoral no Brasil. Todavia, especialmente no metaverso centralizado há o temor da obra se perder, seja pela falência da empresa (dona do metaverso), ou por uma eventual exclusão ou alteração de um determinado conteúdo (obra).

Nesse sentido, o metaverso descentralizado aparenta ser uma melhor opção a ser usada para quem almeja usar a plataforma do metaverso como prova de anterioridade, vez que o ambiente descentralizado continuará existindo até que o último par (peer) deixe de existir.

Além disso, por conta do metaverso descentralizado se utilizar da blockchain, pressupõe-se uma maior confiabilidade nas informações, isto pois, uma vez que os dados (que representam a obra) sejam salvos na blockchain não se é possível excluir e ou alterar.

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Pedro Alberto Alves Maciel Filho

 

Referências

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1. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 de maio de 2022.

2. VIEIRA, Alexandre Pires. Direito autoral na sociedade digital. 1. ed. São Paulo: Monte Cristo, 2011.

3. BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República [1998]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 19 de maio de 2022.

4. POLI, Leonardo Macedo. Direito autoral: parte geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p.107

5. BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República [1998]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 19 de maio de 2022.

6. BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República [1998]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 19 de maio de 2022.

7. PANZOLINI, Carolina; DEMARTINI, Silvana. Manual de Direitos Autorais. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2020 p. 37

8. PANZOLINI, Carolina; DEMARTINI, Silvana. Manual de Direitos Autorais. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2020. p. 37

9. BALL, Matthew. The Metaverse: What It Is, Where to Find it, and Who Will Build It. 2020. Disponível em: https://www.matthewball.vc/all/themetaverse. Acesso em: 19 de maio de 2022.

10. LEDGER. Your guide to the metaverse. 2021. Disponível em: https://www.ledger.com/academy/your-guide-to-the-metaverse. Acesso em: 19 de maio de 2022.

11. LEDGER. Your guide to the metaverse. 2021. Disponível em: https://www.ledger.com/academy/your-guide-to-the-metaverse. Acesso em: 19 de maio de 2022.

12. RODECK, David; CURRY, Benjamin. What is Blockchain. 2022. Disponível em: https://www.forbes.com/advisor/investing/cryptocurrency/what-is-blockchain/. Acesso em: 19 de maio de 2022.

13. CALDAS, Rômulo Inácio da Silva. Oferta inicial de “criptomoedas” no Brasil: tokens como valores mobiliários. In: FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de (Coord.). Tecnologia jurídica & direito digital: II Congresso Internacional de Direito, Governo e Tecnologia – 2018. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 241 – 248.

14. ULRICH, Fernando. A moeda na Era Digital. São Paulo: Mises Brasil, 2014.

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