NFTs e Direitos Autorais: como proteger?

NFTs e Direitos Autorais: como proteger?

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O mercado de NFTs cresceu exponencialmente nos últimos dois anos, principalmente para tokens não fungíveis relacionados à arte. Seu conteúdo pode conter podem ser de diversos tipos, como digitais, fotográficas, animadas, generativas – ou seja, criadas apenas por computador, ou pintadas.

No entanto, com sua comercialização em alta escala em plataformas digitais que extrapolam barreiras geográficas, e com uma movimentação financeira de altos valores, alguns pontos passam a chamar a atenção em termos jurídicos.

Primeiramente, insta esclarecer o que é obra de arte. De acordo com as disposições do artigo 7º da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), obras são criações do espírito humano, apresentadas nos incisos decorrentes do referido artigo em rol exemplificativo.

Entre os tipos existentes, as obras podem ser textos de obras literárias, artísticas ou científicas; conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; obras dramáticas e dramático-musicais; obras coreográficas e pantomímicas; composições musicais; obras audiovisuais, inclusive as cinematográficas; obras fotográficas; desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; programas de computador; coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras que constituam uma criação intelectual.

Também vale esclarecer o que não deve ser considerado obra de arte. Nesse sentido, o artigo 8º da referida lei exclui da proteção de direitos autorais ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções; textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais; informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; nomes e títulos isolados; aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.

Diante desse breve panorama, cabe esclarecer a característica híbrida do Direito de Autor, que não são considerados apenas Direitos Reais, pois, se assim o fosse, revestir-se-ia apenas de direitos patrimoniais, nem de Direitos de Personalidade, nos quais estão os direitos morais de autor. No entanto, tais direitos estão intimamente ligados, não podendo se enquadrar em apenas uma das categorias, mas compondo uma nova modalidade de direitos privados. É por esse motivo que se fala em direitos sui generis quando categorizamos os direitos autorais.

Explica Chinellato que sua natureza jurídica é controversa, havendo três correntes predominantes: (i) monista, (ii) dualista e (iii) direito de propriedade. A corrente monista afirma que o Direito de Autor é uno, mas com duas vertentes – direitos morais e direitos patrimoniais. Desse modo, quando é violado um direito moral há violação patrimonial e vice e versa.

A segunda corrente afirma que se trata de direito dúplice, com duas naturezas: direitos morais e patrimoniais. Já a terceira afirma ser direito de propriedade, o que não se aplica.

Direito de Autor se difere do direito de propriedade em diversos aspectos, como em relação ao seu objeto, pois o Direito de Autor dispõe sobre criações intelectuais, que são bens incorpóreos. Já a propriedade tutela um bem corpório. O modo de aquisição dos direitos autorais para direitos de propriedade é completamente distinto, não sendo necessário registro – a obra é protegida desde o momento da sua criação. Por fim, é nítida a distinção da atribuição no regime de bens no casamento. Há, inclusive, a Súmula 228 do STJ que dispõe ser inadmissível o interdito proibitório, utilizado em relação à propriedade, para proteção do direito autoral.

Diante disso, explica Chinellato sobre os desafios para a definição da natureza jurídica de direitos autorais e as três correntes existentes:

É controversa a natureza jurídica do Direito de autor, embora haja três correntes predominantes. A primeira sustenta ser um direito de propriedade; a segunda é a corrente monista que repudia a tese da propriedade, sustentando ser direito uno, embora com duas vertentes, pois além de direitos pessoais direitos morais há a do direito patrimonial; a terceira corrente, denominada dualista sustenta trata se de direito híbrido, misto ou dúplice, com duas origens ou naturezas a de direitos morais e a de direitos patrimoniais.1

Portanto, há de se falar em natureza sui generis dos Direitos Autorais. Nesse sentido, esclarece Bittar:

Com efeito, os Direitos Autorais não se cingem nem à categoria dos Direitos Reais, de que se revestem apenas os direitos denominados patrimoniais, nem à dos direitos pessoais, em que se alojam os direitos morais. Exatamente porque se bipartem nos dois citados feixes de direitos, mas que, em análise de fundo, estão, por sua natureza e sua finalidade, intimamente ligados, em conjunto incindível não podem os direitos autorais se enquadrar nesta ou naquela das categorias citadas, mas constituem nova modalidade de direitos privados. São direitos de cunho intelectual, que realizam a defesa dos vínculos, tanto pessoais quanto patrimoniais, do autor com sua obra, de índole especial, própria, ou sui generis, a justificar a regência específica que recebem nos ordenamentos jurídicos do mundo atual, também considerado o interesse cultural que se deposita sobre a obra de espírito.2

Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis, como direitos de personalidade, prolongamentos e projeções da própria pessoa. Já os direitos patrimoniais são relacionados à propriedade da obra, podendo ser cedidos ou licenciados a terceiros.

Entre os direitos morais do autor, também apresentados em rol taxativo no art. 24 da Lei de Direitos Autorais, encontram-se o direito de reivindicar a autoria da obra; de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado na utilização de sua obra; de conservar a obra inédita; de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que possam atingi-lo em sua reputação ou honra; de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de preservar sua memória. Já como direitos patrimoniais, estão o direito de usar, gozar, fruir e dispor da obra, o que inclui a reprodução parcial ou integral, por exemplo.

Posto isso, Direitos Autorais são um ramo do Direito Privado com autonomia científica, ao possuir objeto próprio, princípios específicos, normas especiais, conceitos e figuras próprias, conforme esclarece Bittar.3

Também vale esclarecer que a proteção das obras pelo Direito Autoral não depende de registro, mas ocorre desde a sua concepção. O registro, portanto, é facultativo e declarativo, nos termos do art. 19 da Lei de Direitos Autorais. Existem alguns órgãos que realizam esse registro, como a Biblioteca Nacional e a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro.

Com a tecnologia, algumas empresas disponibilizam a possibilidade de o registro ser feito via blockchain, certificando a anterioridade e a titularidade da obra. É nesse contexto que surgem os NFTs, não se relacionando com o registro de obras existentes, mas a criação de ativos digitais em tais redes de blockchain.

No próximo artigo, exploraremos mais esse universo de NFTs e sua proteção pelos Direitos Autorais.

 

Referências

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1. CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Direito de autor e direitos da personalidade reflexões à luz do Código Civil. Tese de concurso para Professor Titular Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008. p. 67.

2. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 7 ª ed. revista, ampliada e atualizada conforme a Lei 9 610 de 19 de fevereiro de 1998 (com as alterações da Lei 12.853/2013 por Eduardo Carlos Bianca Bittar). Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2019. p. 29.

3. BITTAR, Carlos Alberto. Autonomia científica do direito de autor. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 89, 87-98.

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