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Novidade no sistema internacional anticorrupção: Foreign Extortion Prevention Act (FEPA)

corrupção

No final do ano de 2023, mais precisamente em 22 de dezembro, o Presidente dos Estados Unidos da América assinou uma nova lei denominada Foreign Extortion Prevention Act (FEPA), que em tradução livre significa Lei de Prevenção à Extorsão Estrangeira.1

Alguns autores estão tratando essa nova legislação como o outro lado do FCPA – Foreign Corrupt Practices Act, que é uma legislação com mais de cinquenta anos, muito focada em punir pessoas físicas ou jurídicas que corrompem autoridades estatais estrangeiras, priorizando então a punição na figura do corruptor, não do corrompido.

Com efeito, o FCPA tem uma série de mecanismos legais para punir empresas que paguem suborno, ou propinas, a autoridades de países estrangeiros, em busca de privilégios de mercado. Essa legislação se tornou famosa durante a Operação Lava-Jato, porque ela foi utilizada para punir empresas envolvidas no maior escândalo de corrupção da história Brasil, e que operassem no mercado estadunidense, realidade de grande parte das empreiteiras implicadas na investigação e da própria Petrobrás.

Em relação ao FEPA, o que chama a atenção é que a legislação privilegia a posição de vítima que algumas grandes corporações alegam ter sido postas em países estrangeiros, quando acusadas de corrupção. Com efeito, muitas multinacionais, implicadas em grandes casos de corrupção em países estrangeiros e subdesenvolvidos, alegaram que, caso não pagassem as propinas exigidas pelas autoridades estatais estrangeiras, não poderiam manter a operação local.

Essa é uma tese de defesa que vai e volta em grandes casos de corrupção. No ordenamento jurídico brasileiro existe a figura típica da concussão: “ Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.”. O tipo penal engloba a hipótese em que o agente público (em sentido amplo) exija vantagem indevida, para praticar ato a que já seria obrigado a fazer, ou cujo benefício é direito da parte.

A figura legal diferencia-se um pouco da corrupção passiva,2 porque nessa última acontece a mera solicitação de vantagem indevida (troca de privilégios), enquanto no crime de concussão, o agente público efetivamente de coação, tirando a vontade da vítima. Então, para acontecer o crime de corrupção passiva, sempre será necessária a acusação do crime de corrupção ativa3 (alguém disposto a pagar a propina em busca de vantagem indevida). Enquanto isso, no caso da concussão, quem pagar o valor exigido será considerado uma vítima de coação.

Existe, na realidade, uma tese de que há uma corrupção sistêmica em alguns países. Diante disso, toda e qualquer operação que envolva o Poder Público, acaba sendo maculada por pedidos de suborno e propina. Isso, inclusive, esteve presente na defesa de Marcelo Odebrecht, no curso da Operação Lava-Jato,4 no sentido que todos os grandes contratos com a Petrobrás envolviam algum tipo de pagamento de suborno, sob pena de perder o negócio.

Então, sensível a essa realidade, os Estados Unidos da América do Norte promulga o FEPA, com a intenção de proteger as corporações norte-americanas de possível extorsão (concussão), por autoridades estrangeiras. Com efeito, os EUA estão usando da sua influência global hegemônica, para proteger suas multinacionais da ganância de integrantes de governos de outros países.

Somente o tempo dirá como essa legislação se efetivará. Segundo artigo publicado pela Hunton Andrews Kurth,5 o FEPA representa o preenchimento de uma lacuna existente no FCPA, porquanto esse último não pune quem demanda a propina, somente quem a paga. Dessa forma, as empresas norte-americanas ganham um reforço para argumentar contra autoridades públicas estrangeiras ao negar o pagamento de subornos, sob a ameaça do FEPA.

Por outro lado, as grandes corporações ganharam de brinde uma nova linha de defesa para acusações sob o FCPA. Agora, as multinacionais americanas poderão alegar que foram extorquidas para o pagamento da propina, o que beneficia e isenta grandes corporações de responsabilidade criminal.

A extraterritorialidade da legislação será um desafio a ser vencido. Porém, a legislação pune as seguintes condutas:

(1) OFENSA LEGAL. – Será ilegal para qualquer funcionário estrangeiro ou pessoa selecionada para ser um funcionário estrangeiro exigir, buscar, receber, aceitar ou concordar de forma corrupta em receber ou aceitar, direta ou indiretamente, qualquer coisa de valor pessoalmente ou para qualquer outra pessoa ou entidade não governamental, fazendo uso de correspondências ou qualquer meio ou instrumento de comércio interestadual, de qualquer pessoa (conforme definido na seção 104A da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior de 1977 (15 U.S.C. 78dd–3), exceto aquela definição será aplicado independentemente de a pessoa ser um infrator) enquanto estiver no território dos Estados Unidos, de um emissor (conforme definido na seção 3 (a) do Securities Exchange Act de 1934 (15 U.S.C. 78c (a))) , ou de uma empresa nacional (conforme definido na seção 104 da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior de 1977 (15 U.S.C. 78dd–2)), em troca de— (A) ser influenciado na prática de qualquer ato oficial; (B) ser induzido a praticar ou omitir qualquer ato que viole o dever oficial de tal funcionário ou pessoa estrangeira; ou (C) conferir qualquer vantagem indevida.

As penas previstas para as condutas elencadas são de US$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares) de multa, ou até três vezes o valor do dano, além da possibilidade de cumulação com pena de prisão não superior a quinze anos.

Um dos focos da legislação, segundo a Transparência Internacional,6 é tentar alcançar as figuras políticas estrangeiras, que solicitam propinas e muitas vezes escapam impunes de grandes casos de corrupção.

Embora seja uma realidade que as apurações de grandes esquemas de corrupção acabam deixando escapar alguns receptadores do suborno, o FEPA pode se transformar numa verdadeira “porta dos fundos”, para megacorporações estadunidenses. Isso porque, a partir de agora, as empresas sempre poderão alegar que foram vítimas de extorsão, e invocar a proteção da FEPA, tornando a legislação quase que uma excludente de ilicitude para o crime de corrupção de autoridade públicas estrangeiras.

O poder geopolítico estadunidense tem a capacidade de ditar o ritmo de punições em outros países. Além disso, instituições de cunho internacional, tais como autoridades financeiras na forma do Banco Mundial e do FMI estão sob o guarda-chuva dos interesses norte-americanos. Esse poderio geopolítico norte-americano pode ser definitivo sobre a aplicação do FEPA.

Com efeito, ao que parece, grandes multinacionais ganharam uma saída para quando corromperem autoridades públicas em outros países, e assim saírem ilesas. Será muito fácil para algumas grandes corporações pagarem grandes quantidades de suborno, depois escaparem de quaisquer punições, alegando que foram extorquidas. Claro que somente o tempo dirá como a legislação irá funcionar, mas já existe essa sombra no FEPA.

Por enquanto, caberá às empresas adequarem os seus respectivos programas de compliance, para que detectem essas tentativas de extorsão e produzam provas, para eventual defesa sob a proteção do FEPA.

 

Referências

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1. Disponível em: link.

2. Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

3. Art. 333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

4. CARAZZA, Bruno. Dinheiro, eleições e poder: as engrenagens do sistema político brasileiro. 1 ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. P. 38.

5. Disponível em: link.

6. Disponível em: link.

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