O Cenário das Startups no Direito Brasileiro

O Cenário das Startups no Direito Brasileiro

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No final do mês passado, entre os dias 23 e 25 de outubro, Passo Fundo sediou a FEITECH — Feira de Inovação, Tecnologia, Negócios e Conteúdo1 — que, segundo informações do próprio evento, tem como proposta ser “o ponto de encontro entre ideias transformadoras, soluções inovadoras e as mentes que constroem o amanhã”. Embora não pertença especificamente ao setor da tecnologia, o mundo do Direito e da advocacia está se modernizando como nunca, o que torna o evento de relevante expressão.

Passo Fundo é uma cidade situada no norte gaúcho, de grande representatividade no contexto do interior do Rio Grande do Sul. É um município que conta com universidades de excelente padrão, sendo um polo de ensino, saúde e prestação de serviços. Apesar de o Brasil ainda não conseguir se posicionar no centro de uma economia baseada em inovação, isso não significa que os empresários não estejam buscando esse tipo de crescimento, nem que não possam existir movimentos locais.

A FEITECH se dividiu em diversos eventos, painéis e atividades. Entre as propostas, houve um segmento voltado totalmente para o agronegócio — importante setor econômico da região —, palestras com figuras relevantes e o chamado “Palco 360º”, onde ocorreram alguns painéis sobre tecnologia e inovação.

Dentre os diálogos realizados no Palco 360º, na sexta-feira, houve um bate-papo sobre a experiência de três empresários vinculados a startups2 que estavam sendo criadas no UPF Parque,3 um projeto da Universidade de Passo Fundo que envolve a integração da pesquisa acadêmica com soluções inovadoras dotadas de potencial econômico — uma iniciativa muito interessante.

Enquanto o painel se desenrolava, surgiram comentários sobre desafios regulatórios e sobre o cenário de grande insegurança jurídica e econômica que aflige o empresário brasileiro. No setor de tecnologias, em que apostas e ousadia devem ser regra, um sistema legal firme e coerente é mais do que necessário.

O sistema legal brasileiro tem dificuldades em acompanhar avanços sociais. Uma mistura de ranço burocrático, de origem lusitana, combinada com a necessidade de se dar força a um movimento conservador que busca manter um sistema de privilégios, cria desafios para que o país se desprenda de muitas regras e imposições burocráticas, cujos prazos já venceram há muito tempo.

Exemplo disso é a dificuldade em absorver a ideia de empresários individuais. O Brasil criou a EIRELI, um sistema que não funcionou muito bem e não atendeu à demanda existente. Antes, houve a tentativa de criação dos MEIs, que atualmente são mais uma questão cadastral junto à Receita Federal do que, de fato, uma figura empresarial. Hoje, os modelos de sociedade individual ou unipessoal começam a atender melhor à demanda comercial existente no país, após duas tentativas mal-sucedidas.

As startups, por sua vez, representam um modelo de negócio muito peculiar. Primeiro, porque são, por essência, novidades — Uber, iFood e Tinder foram, em algum momento, startups. Assim, ninguém tem plena compreensão do que elas são exatamente antes de se popularizarem. Segundo, são marcadas por inovações tecnológicas, ou seja, envolvem alguma tecnologia aplicada. Terceiro, demandam muita coragem, pois envolvem grandes riscos — ninguém podia ter certeza de que a Uber conseguiria substituir os táxis e se tornar o sucesso internacional que é hoje.

O legislador deve atender às pautas oriundas dos interesses do povo, incluindo o desejo pelo progresso econômico. O Brasil precisa ingressar na arena das startups e da economia baseada em inovação tecnológica. Por isso, eventos como a FEITECH são importantes para difundir esse tipo de trabalho.

Acontece que o Brasil promulgou uma legislação um tanto tímida sobre a temática das startups: a Lei Complementar nº 182/2021,4 que, além de ter demorado muito para surgir, não conseguiu avançar o necessário na regulação da matéria.

Primeiro, destaca-se que a legislação não deu atenção alguma a questões de compliance e ESG, passando ao largo de qualquer disciplina nesse sentido. Por exemplo: a Lei descurou a importância de que as startups busquem soluções inovadoras nas áreas social, ambiental e de desenvolvimento sustentável; apenas reconheceu a importância das startups “como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental”. Não há na legislação disciplina sobre práticas anticorrupção e antilavagem de dinheiro — lembrando que startups são marcadas por expressivo investimento inicial, com retorno a longo prazo, o que cria ambiente propício à lavagem de capitais. A Lei também deu pouca atenção ao papel das universidades na pesquisa e no desenvolvimento tecnológico, especialmente em questões éticas sobre a aproximação entre pesquisa acadêmica e investimento privado, algo ainda tormentoso no Brasil.

Além disso, alguns aspectos legais deixaram a desejar. A startup é uma empresa muito específica, porque é baseada na expectativa de que o produto em desenvolvimento seja um sucesso absoluto. De certa maneira, toda empresa é assim; contudo, na startup tudo é novo — às vezes, o próprio problema foi inventado, não apenas a solução —, de modo que o cenário de incerteza é muito grande.

Entretanto, na definição de startup, esse risco não foi considerado. Basicamente, para ser uma empresa desse tipo, são necessários dois requisitos: receita bruta de até R$ 16.000.000,00 no ano anterior e até dez anos de inscrição no CNPJ. Todavia, uma coisa não tem relação direta com a outra. Faturamento e prazo de inscrição no CNPJ são requisitos simplórios para uma atividade tão complexa e cheia de desafios.

Por honestidade, o art. 4º da LC 182/2021 traz outros requisitos complementares, como segue:

Art. 4º São enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.

1º Para fins de aplicação desta Lei Complementar, são elegíveis para o enquadramento na modalidade de tratamento especial destinada ao fomento de startup o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples:

I – com receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, independentemente da forma societária adotada;

II – com até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; e

III – que atendam a um dos seguintes requisitos, no mínimo:

a) declaração em seu ato constitutivo ou alterador de utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, nos termos do inciso IV do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004; ou

b) enquadramento no regime especial Inova Simples, nos termos do art. 65-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

A proposta desta coluna é um convite para que tanto a pesquisa jurídica quanto o legislador embarquem em um debate mais profundo sobre as startups e ofereçam um cenário jurídico mais seguro e adaptado às necessidades do setor. O progresso econômico de uma nação passa pelo avanço da tecnologia, que somente pode ocorrer em um ambiente provido de segurança jurídica.

Assim, o marco legal das startups poderia atentar para mais questões, como, por exemplo: uma figura empresarial própria e específica para o modelo de negócio, que leve em conta o risco e o alto volume de investimento inicial; um regime de licitações específico para o fomento à pesquisa e aproximação com universidades; um regime anticorrupção e antilavagem de capitais; e regras aprimoradas para patentes e proteção da propriedade intelectual.

 

SOBRE A OPERAÇÃO NO COMPLEXO DE FAVELAS DO ALEMÃO REALIZADA EM 28/10/2025

 Apesar de esse fato fugir ao escopo da presente coluna, focada em temáticas vinculadas ao direito penal econômico, é impossível não criticar os assassinatos cometidos no dia 28/10/2025, em uma violenta operação realizada no Complexo de Favelas do Alemão, situado no Rio de Janeiro.5

Hannah Arendt afirmou que onde há o exercício da violência há ausência de Estado. Assim, a violência não é demonstração de força estatal, mas de pura fraqueza — fraqueza em solucionar os problemas reais, como acesso à saúde, educação, saneamento básico, moradia e outros direitos fundamentais; fraqueza em resolver conflitos por meio do diálogo e da diplomacia.

Quando o Estado apela para operações violentas a fim de combater o crime, ele não demonstra força, mas fraqueza. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, não demonstrou força, mas fraqueza. Os exemplos se espalham mundo afora.

Portanto, a operação que resultou em 121 mortes é uma vergonha para o Estado brasileiro — uma verdadeira necropolítica. Isso não significa que não existam problemas reais na periferia carioca e em outras metrópoles do Brasil, mas não é tolerável comemorar a morte de pessoas ou dizer que a operação foi um sucesso. Isso é inadmissível. Celebrar mortes nos torna menos humanos, apenas isso.

Por um debate mais racional, que preze pelos direitos humanos em torno da segurança pública.

 

Referências

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1. site

2. O painel que se refere é o “DEEP TECHS NO BRASIL E NO SUL: CENÁRIOS E DESAFIOS PARA TRAÇÃO NO MERCADO”, realizado por volta das 15h. Para informações sobre os participantes, segue o link: site.

3. site

4. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp182.htm

5. site

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