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O Consumo da Reputação

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Em 2019, a AMO Strategic Advisors, consultoria especializada em fusões e aquisições, realizou um estudo1 em 1.611 empresas imersas nos 15 maiores mercados financeiros mundiais, incluindo a S&P 500 (EUA), a FTSE 100 (Reino Unido) e até a nossa B3. Essas empresas juntas tinham valor de mercado de US$ 47,5 trilhões. Essa análise mostrou que a reputação das marcas é responsável por nada menos do que 35,3% de seu valor de mercado (nesse caso, US$ 16,7 trilhões).

A Reputação pode ser entendida como o vínculo de confiança estabelecido entre uma pessoa e outra, produto da esfera cognitiva e racional, costuma-se dizer que a reputação é o que as pessoas falam de você quando você não está na sala.

Mas até que ponto a reputação (a aprovação de outras pessoas) é realmente importante e até onde vai o seu impacto no mundo dos negócios?

Para responder a essa pergunta, é preciso voltar uns bons passos no tempo.

No século XVI, Montaigne tinha uma receita para lidar com o incômodo problema da aprovação. Ele questionava a importância dada à fama e se as pessoas tinham mesmo que lidar com a aprovação dos outros. Ele afirmava que isto era supérfluo e que as pessoas tinham que se preocupar com o essencial e renunciar à aprovação do outro. Assim, a solução dele passou a ser o isolamento, abrindo mão da fama.

Bem depois, Hume2 (século XVIII) definiu a fama como uma das vaidades humanas, provocadora do orgulho e da humildade. Segundo ele, as pessoas até podem abrir mão da aprovação do outro, mas a natureza humana é outra e todos precisam da aprovação para as coisas fazerem sentido.

Nesse passado distante, na era das corporações de ofício, eram apenas as pessoas naturais que tinham reputação, não as empresas, representadas por suas. Assim é que apenas as pessoas eram quem eram boas ou más, defendiam ideais ou promoviam causas, as empresas jamais.

Lá atrás, onde o escambo foi substituído pela moeda e produtos passaram a ter valor simbólico atribuído a eles pela lei da oferta e da procura, a aquisição dos bens era feita baseada na necessidade de quem os comprava. Assim, não havia uma “decisão” de consumir, já que a compra de um produto era motivada exclusivamente pela própria subsistência do consumidor (alimentos, roupas, mobílias). Gradativamente o consumo foi-se voltando a itens de maior “sofisticação” que guardavam relação com o conceito de supérfluo (alguns poucos artigos de luxo, especiarias, etc..) e, com a ascensão da burguesia, esses itens mais requintados saíram dos castelos e ganharam a sociedade, chegaram ao povo.

Essa transição do essencial para o confortável, para o prazeroso, rapidamente começou a significar também chancela de status e condição social. Essa mudança, recentemente, passou a incorporar também uma exigência dos consumidores, a quem não mais bastava ser aquele carro “o mais veloz”, ou aquele lençol “o mais confortável”, tornou-se necessário que as empresas fabricantes dos produtos também adotassem posições sobre questões das mais diversas, desde causas ecológicas, até diversidade de gênero e raça, entre outras.

Aliado a isso, a segunda década do século XXI trouxe inúmeras mudanças relevantíssimas a essa relação empresa/consumidor. Com a conectividade global, houve um deslocamento do centro da informação das mídias tradicionais para os bilhões consumidores espalhados pelo mundo.

É impensável, hoje em dia, a ideia de um único canal de comunicação do fabricante com o comprador de seu produto. Foi-se o tempo em que o SAC era a única via para reclamar do que se tinha colhido na gôndola.

A criação de inúmeros pontos de contato entre consumidor e empresa e mesmo entre consumidores (redes sociais, QR codes, e-mail marketing, mensagens digitais, chatbots, números de Wahtsapp, sites para avaliação de serviços e reclamações), trouxe também a necessidade de se manter, mais do que uma posição, mas uma comunicação clara e consistente para que os valores da empresa não se percam em ruídos e acabem por destruir uma reputação construída duramente ao longo de anos de esforço mas que, como se sabe, é tão simples de ser derrubada.

Esse fator relacional passou a ser o mais importante para a reputação de uma marca. No entanto, a construção dessa imagem é feita em um campo minado com algumas armadilhas.

Não se pode edificar apenas paredes, sem qualquer conteúdo. Ou seja, é necessário que realmente haja o “walk the talk”, que se pratique o que se divulga, que se divulgue unicamente o que se pratica, que as causas defendidas em campanhas sejam realmente implementadas internamente. Do contrário, a vidraça pode quebrar e gerar um prejuízo reputacional ainda maior. De outro lado, atualmente, esquivar-se de temas polêmicos também não é recomendado na medida em que a neutralidade é percebida como fator negativo pelos consumidores.

A marca não pode ser vista apenas como uma representação do seu produto ou serviço, mas como um conjunto de valores do negócio em si. Para as novas gerações não é suficiente comer um bom hamburger, é, antes de mais nada, importante ver a cozinha e checar de onde vem os produtos e como são tratados os colaboradores. Essa nova geração apelidada por muitos de “label readers” se preocupa com tudo, até mesmo com as letras miúdas e, portanto, tudo é relevante para a decisão de consumo.

Dados do Relatório de Relações Públicas Mundial 2020 da ICCO (International Communications Consultancy Organization indicam que sustentabilidade e mudanças climáticas, Diversidade e Inclusão (D&I) e Educação estão em primeiro lugar entre os objetivos e as questões sociais que as empresas procuram em suas ações de divulgação perante o público.

Em tempos de “cancelamento” e de códigos de comportamento voláteis, qualquer escorregão que atinja o lema em voga à época pode significar a queda da empresa na avaliação de seu consumidor, o que reflete diretamente em suas vendas e, portanto, em seu valor de mercado.

Se antes só havia uma intuição de que os consumidores só compravam produtos e utilizavam serviços de empresas com boa reputação (ou com uma reputação ligada a valores que ele, consumidor, considerava importantes), agora, isso é uma constatação. Há incontáveis estudos que apontam para essa conclusão e tornam clara a diretriz de que não investir nesse intangível reputacional é uma falta de governança.

Como se sabe, reputação não é um conceito inovador, no entanto, nunca na história teve tanta importância. A nossa nova economia vinda dos meios digitais e que pulverizou a distância entre as empresas e o consumidor constatou, com lições por vezes duras, a queda do Príncipe de Maquiavel e que boa reputação é bom para os negócios, por outro lado, reputação ruim dói no bolso.

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Fabiano Cardoso Zakhour

 

Referências

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1. What price reputation? Corporate Reputation Value Drivers: A Global Report by AMO. AMO Strategic Advisors. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3v4KOI5. Acesso em: 21 fev. 2022.

2. Hume, D. Of the Dignity or Meanness of Human Nature, p. 85-6

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