O impacto da modernidade líquida na privacidade

O impacto da modernidade líquida na privacidade

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A sociedade de informação é a nova Era, na qual as transmissões de informação ocorrem em velocidade e quantidade significativas, facilitando a disseminação do conhecimento. O fenômeno tem como lado negativo o uso quase irrestrito de comunicação através da internet, que pode fazer com que informações particulares ou de caráter restrito sejam expostas ao público.

Como aponta Zygmunt Bauman, um dos danos colaterais da modernidade líquida, além da transformação de toda pessoa em um consumidor em potencial, tem sido a progressiva eliminação da linha divisória entre as esferas pública e privada. Com essa supressão passa-se a uma sociedade confessional, muito parecida com a imaginada por George Orwell, em que sentimentos e expressões antes eram secretos tornam-se a alvo de debates públicos – muitas vezes, a revelia da autorização do próprio titular.

Com intuito de proteger a privacidade, devem-se ser sopesados princípios do Direito, sendo o tema principal incrustado em torno da discussão entre o interesse público e o direito à intimidade. Seguindo o princípio da proporcionalidade que, segundo Dworkin, seria “um estândar que tem de ser observado, não porque favoreça ou assegure uma realização econômica, política ou social que se considere desejável, senão porque é uma exigência da justiça, da equidade ou de alguma outra dimensão da moralidade”.1

Deve-se ressaltar que a Constituição Federal preconiza a proteção da pessoa humana, em detrimento de outros princípios, garantindo que o homem seja tratado como sujeito cujo valor supera ao de todas as coisas criadas por ele próprio, como o mercado e até mesmo o Estado, edificando um núcleo intangível de proteção oponível erga omnes, circunstância que legitima, em uma ponderação de valores constitucionalmente protegidos, sempre em vista os parâmetros da proporcionalidade e razoabilidade, que algum sacrifício possa ser suportado, caso a caso, pelos titulares de outros bens e direitos.

No mesmo sentido Fábio Henrique Podestá sustenta que:

A revolução que se instala com os efeitos decorrentes da era da informática impõe certa preocupação já que, pela primeira vez, se verifica uma interação quase instantânea entre a realidade e o direito, sendo que ao mesmo tempo em que se estabelece a regra do jogo e se reconhece novo valor, para os proteger e fazer respeitar, processa-se um diálogo entre o legislador e o objeto a regular que intervém fatores anteriormente desconhecidos.”2 

Nesse contexto de corrida por dados, revivendo uma nova forma de guerra fria, em que de um lado estão governos e corporações e de outro a sociedade, é possível inverter as regras do jogo para que a sociedade possa controlar mais o estado, evoluindo quiçá para uma democracia cibernética, assim aponta Bruno Miragem que:

O maior nível de informação estimula e qualifica, igualmente a participação da população nos processos de conhecimento e decisão, por intermédio da Internet. Trata-se, em última análise, do surgimento de uma democracia informacional, caracterizada pela redução da distância entre a Administração Pública e o administrado em face, especificamente, da menor complexidade e maior acessibilidade do cidadão em sua interlocução com o Poder Público.3 

Mesmo que em um primeiro momento pareça vantajoso realizar a coleta do maior número de dados possível, um advogado empresarial tem que sempre sopesar os riscos daquela operação. Agir com boa-fé, preservando a transparência, Lei Geral de Proteção de Dados e o consentimento dos envolvidos deve sempre ser uma prioridade. Inclusive, acima de qualquer lucro.

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Mariana Almirão de Sousa

 

Referências

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1. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

2. PODESTÁ, Fábio Henrique. Direito à intimidade em ambiente da internet. In: LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto (Orgs.). Direito & Internet – Aspectos Jurídicos Relevantes. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

3. MIRAGEM, Bruno. A nova administração pública e o direito administrativo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

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