A possibilidade de responsabilização por danos morais causados a outrem é algo consolidado no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, sua origem não é tão antiga quanto parece. Apesar de a responsabilidade civil ser um instrumento que remonta o direito romano, a tutela de direitos extrapatrimoniais somente veio com a ampliação do conceito do direito à vida e à dignidade da pessoa humana, que passou a abranger a intimidade e a honra dos sujeitos de direitos.
A primeira menção expressa a possibilidade de responsabilização por danos morais apareceu no art. 5º, V e X, da Constituição da República:1
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; […]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Contudo, o Código Civil, ainda de 1916, não tinha uma estrutura jurídica clara com relação à possibilidade de indenizações por danos morais sofridos por alguém, cabendo a jurisprudência alinhar algumas questões conceituais, para atender à nova previsão constitucional. Somente com o advento do Código Civil, que foi formulada uma estrutura jurídica para a tutela dos danos morais.
A legislação optou por separar o “ato ilícito” da mensuração do dano, trazendo nos arts. 186 e 187, do Código Civil de 2001,2 a possibilidade expressa de indenização por danos morais, equiparando o abuso de direito a um ato ilícito:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
As regras da responsabilidade civil, bem como a mensuração dos danos, foram relegadas aos arts. 927 a 954, do Código Civil, merecendo destaque a redação do art. 944: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”
Dessa forma, a legislação carece de critérios objetivos para definir, exatamente, o que é o dano moral e como medir uma indenização justa. No tocante à definição das condutas que podem caracterizar dano moral, recebeu muito destaque a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho:3
(…) só deve ser reputado como dano moral, a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.
Assim, existe uma discussão na jurisprudência, até meio rançosa, do que seria um “mero dissabor” versus um ato ilícito relevante, a ponto de ensejar reparação moral.
Porém, o importante no quesito de danos morais é a existência de um ato ilícito, um abalo à moral da vítima, e o nexo de causalidade entre o ato e o dano. Dentro do ato ilícito, deve ser apurado o grau de dolo ou culpa do agente causador. Assim, uma vez havendo um ato ilícito que causa dano moral, por culpa ou dolo de alguém, contra outrem, exsurge o dever de indenizar. O valor da reparação moral decorre do bom senso do julgador, que levará em consideração alguns critérios objetivos como o grau de culpa e a capacidade econômica do agente, bem como o dano causado à vítima e o caráter reparador e educativo da indenização.
Sobre a mensuração do dano, ainda existem uma questão pendente, que é a prova do dano. Considerando que o dano moral é algo que abala a honra subjetiva de uma pessoa, causando-lhe prejuízos íntimos, sempre é difícil provar a extensão do dano. Uma ofensa pode ser considera piada por um grupo de pessoas, mas para uma pessoa pode realmente magoar, mudar o senso de si.
Essa prova subjetiva é extremamente difícil e, em alguns casos, o dano moral é tão óbvio, que dispensa prova. Nesse caso, está-se diante do dano moral in re ipsa, que decorre do próprio ato ilícito, gerando uma presunção de que determinada conduta gera dano moral presumido. O exemplo mais clássico é a reparação do dano moral da mãe, que perdeu um filho: obviamente que a dor da perda do filho existe e é imensurável, uma mãe não precisa provar que se abalou com a morte de sua prole.
Essas são, em linhas gerais, a fórmula dos danos morais no direito civil brasileiro. A reparação por danos extrapatrimoniais encontra vários exemplos: atendimento de má qualidade ao consumidor (atraso de voos, demora em atender a garantia de determinados produtos, cobranças indevidas); restrição ao crédito, ou seja, a inscrição de dívida em órgão de proteção ao crédito ou protesto de dívida, indevidos; questões vinculadas à saúde da pessoa; ofensas em redes sociais; consequências de crimes, como o familiar da vítima assassinada, e assim por diante.
As relações de trabalho também estão sujeitas a práticas de ato ilícito, aptos a gerar dano moral indenizável. Até a Reforma Trabalhista, a Lei n. 13.467/2017, a jurisprudência que organizou a forma de tratamento da reparação moral na esfera laboral, adaptando os parâmetros do direito civil, para o direito do trabalho. Todavia, a partir de 2017, foi inserido na CLT o “Título II-A – Do dano extrapatrimonial”, que vai dos arts. 223-A a 223-G,4 em que ficou disciplinado o dano moral na Justiça do Trabalho.
Porém, o Supremo Tribunal Federal procedeu pela interpretação conforme a constituição de alguns artigos, conforme decidido na ADI 6.050:
Ações diretas de inconstitucionalidade. 2. Reforma Trabalhista. Artigos 223-A e 223-G, §§ 1º e 2º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017. Parâmetros para a fixação do quantum indenizatório dos danos extrapatrimoniais. 3. Ações conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que: 3.1. As redações conferidas aos art. 223-A e 223-B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; 3.2. Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e §1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superior aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade. (ADI 6050, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26-06-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 17-08-2023 PUBLIC 18-08-2023)
Com o Título II-A, da CLT, mais entendimentos jurisprudenciais consolidados, é justo afirmar que existe um “microssistema da responsabilidade civil, por dano moral, no direito do trabalho”. Esse microssistema, tem algumas peculiaridades. Primeiro, somente se aplica à relações de emprego, ou equiparadas; segundo, é imprescindível que seja interpretado conforme à Constituição, em especial, no quesito que culpa, ou dolo, pelo dano moral causado, pode ser presumido em alguns casos, realidade rara na Justiça Comum e no direito civil.
Ademais, pelo papel dignificante/explorador do trabalho na contemporaneidade, existem muitos casos de dano moral presumido, por exemplo:
– Em caso de acidente de trabalho e/ou doença ocupacional, o dano moral é in re ipsa, via de regra, ou seja: provada a ocorrência do acidente de trabalho e a culpa do empregador (muitas vezes presumida), haverá condenação à reparação pelos danos morais;
– Na hipótese de atraso de pagamentos de salário, o dano moral é igualmente presumido, bastando a prova da ausência da remuneração em dia, geralmente documental (contracheque e comprovante de pagamento);
– A exigência de certidão de antecedentes criminais, fora de hipóteses legais de profissões em que se obriga a exigência do documento, gera dano moral in re ipsa (Precedente Vinculante n. 1);5
– O empregado, não especializado na área de segurança, que realizar o transporte de valores, tem o direito ao dano moral in re ipsa (Precedente Vinculante n. 61);
– A reversão da dispensa por justa causa baseada em alegação de ato de improbidade (CLT, art. 482, “a”) que se revela judicialmente infundada ou não comprovada enseja reparação civil, in re ipsa, por dano moral (Precedente Vinculante n. 62);
– Impedir o empregado de retomar o posto de trabalho, após a alta previdenciária enseja dano moral in re ipsa (Precedente Vinculante n. 88);
– Reter injustificadamente a CTPS, gera dano moral in re ipsa (Precedente Vinculante n. 192) – com o uso recorrente da CTPS Digital, esse risco está cada vez menor;
Por outro lado, tem alguns entendimentos em que certas condutas ilícitas não gera dano moral in re ipsa:
– A reversão da justa causa, por si só, não gera o dever de indenização por danos morais, devendo o dano ser comprovado;
– A realização de revista em pertences de empregados, sem contato físico e sem causar vexame, não gera dano moral in re ipsa, devendo ser comprovado (Precedente Vinculante n. 58);
– A simples ausência de anotação de vínculo de emprego na CTPS, não gera o dever de indenizar, devendo o abalo moral ser provado (Precedente Vinculante n. 60);
– A simples ausência ou atraso na quitação das verbas rescisórias, não configura dano moral, sendo imprescindível a comprovação de lesão aos direitos de personalidade do trabalhador (Precedente Vinculante n. 143);
Procurou-se trazer as teses mais consolidadas no tocante ao dano moral, nas relações de trabalho. Contudo, no contexto tão agitado e mutável contemporâneo, tem muitas situações que podem gerar danos morais: postagens inapropriadas em redes sociais; exposição de casos extraconjugais no local de trabalho; racismo; assédio moral; assédio sexual; despedida discriminatória (Súmula 443, do TST). Esses exemplos são realmente complicados, pois demandam prova do tanto do ato ilícito, quanto do abalo moral.
Portanto, é fundamental que os setores de governança corporativa das empresas, estejam sempre atentos, tanto ao dia-a-dia dos setores e comportamento dos líderes de equipe, bem como às rotinas burocráticas trabalhistas. Alguns casos, como elencados acima, basta apontar a situação em Juízo, que uma condenação evitável virá, com certeza.
Referências
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3. Programa de Responsabilidade Civil, 5 ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 98