O preço que você paga depende de você: considerações sobre preços personalizados

O preço que você paga depende de você: considerações sobre preços personalizados

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Quem gostaria de pagar menos por determinado produto ou serviço? Acho que todos aqui. Por outro lado, se descobrirmos que pagamos um preço maior do que outra pessoa, nos sentimos injustiçados e vítimas de um sistema desigual. No entanto, essa dinâmica está mais do que presente em nosso dia a dia.

Sexta-feira eu pedi um carro por um aplicativo (muito!) conhecido e o preço era maior do que o preço cobrado de um colega que estava no mesmo local, com o mesmo trajeto. Não foi a primeira vez que algo assim aconteceu. Também não são poucos os cupons que recebo para adquirir determinados produtos ou utilizar certos serviços. Outro exemplo são alguns preços de passagem aérea que mudam a depender de quantas vezes a mesma página foi acessada. Seriam essas escolhas de quem paga mais ou menos aleatórias? Posso garantir que não!

Nos últimos dois anos me dediquei a estudar preços personalizados, que são uma espécie de preços discriminatórios. Os valores decorrentes deste tipo de preços personalizados se alteram a depender do perfil de compra do consumidor, criado por meio do tratamento de seus dados pessoais. Assim, após coletar seus dados e analisar suas preferências, comportamento e histórico, é possível auferir o chamado “preço de reserva” de cada consumidor, isto é, o preço que um indivíduo está disposto a pagar por determinado produto ou serviço.

A doutrina chama essa espécie de preços discriminatórios de primeiro grau ou discriminação de preços perfeita,1 aqui sinônimos de preços personalizados. Ao lado dessa espécie, encontramos preços discriminatórios de segundo e terceiro graus (que também podem ser preços personalizados), que serão mencionados em outro momento.

Voltando aos preços personalizados, vale mencionar que apesar de estarem presentes nas plataformas digitais, e-commerces e aplicativos, como consumidores sequer temos ciência de que eles ocorrem. A prática se dá majoritariamente de forma obscura e só é descoberta se investigada a fundo. Um dos primeiros casos narrados envolveu a gigante Amazon.com no ano de 2000, ao vender DVDs com preços personalizados. Ao ser questionada sobre o tema, alegou se tratar de um teste e devolveu os valores aos consumidores.2

Alguns estudiosos fizeram experimentos em diferentes oportunidades para analisar a existência da prática em alguns e-commerces, testando se o preço seria alterado a depender dos navegadores utilizados, histórico de compras, localização, sistema operacional etc. Como resultado, foram demonstradas alterações de preços de acordo com os dados pessoais coletados dos consumidores.3

No Brasil, um dos casos que se relaciona com o tema envolveu a Decolar.com e as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro: os preços cobrados e as vagas em quartos de hotéis eram diferentes entre argentinos e brasileiros, sendo cobrados valores maiores ou informando a inexistência de vagas para estes.4 Como brasileiros, sabemos bem que uma cerveja no hotel custa caro, então levamos nossa caixinha de isopor, o que provavelmente foi um dos motivos para tornar os argentinos preferidos pela empresa.

A Decolar.com foi investigada tanto em âmbito administrativo (pela SENACON) como judicial (pelo Ministério Público do Rio de Janeiro). A ação civil pública ainda está em curso, sob o n° 0018051-27.2018.8.19.0001, distribuída à 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Em 2020, a fundação Procon de São Paulo também multou a empresa por prática de atos abusivos e violação dos artigos 39 e 51 do Código de Defesa do Consumidor.

Acreditamos que se o fato ocorresse hoje, com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o possível ilícito também seria investigado pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

No entanto, não é sempre que a prática é considerada ilícita: os efeitos da precificação personalizada podem ser considerados benéficos em diversas circunstâncias.5 Para isso, precisamos falar sobre cada um deles.

O primeiro é o efeito da apropriação, que permite que uma empresa se aproprie do excedente de um consumidor, culminando no segundo efeito, nomeado efeito da expansão, pois o excedente pode ser utilizado para expandir a comercialização para um consumidor que não poderia pagar o valor original. Além disso, existem os efeitos da intensificação da competição e do comprometimento das empresas, abaixando e/ou mantendo preços para não perder suas vendas para terceiros.

Vamos supor que uma geladeira custe R$ 1.000 e o indivíduo A tenha como seu preço de reserva (ou seja, o preço que ele pretende pagar pela geladeira) o valor de R$ 1.200. A empresa X se apropria do excedente (R$ 200) e pode vender a mesma geladeira por R$ 800 para o consumidor B que não poderia pagar os R$ 1.000. Além disso, para não perder suas vendas para uma empresa que vende por preço mais barato a mesma geladeira, a empresa X manterá ou diminuirá o preço por saber quanto o consumidor está disposto a pagar.

Vale mencionar que as pesquisas realizadas para compreender a percepção e recepção dos consumidores sobre o tema foram inconclusivas, a exemplo de experimento realizado pela Comissão Europeia publicado em 2018.6 Ao serem questionados, indivíduos informaram que se sentiram injustiçados ao descobrir que pagaram um valor diferente pelo menos produto ou serviço. Demonstrou-se também que a maioria dos consumidores sequer sabia da ocorrência da prática e se sentiria mais à vontade caso houvesse maior transparência sobre o tratamento de seus dados pessoais. Por outro lado, alguns consumidores identificaram melhores condições de compra quando submetidos à prática, como uma diminuição de preços dos produtos e serviços comprados. Em suma, o experimento mencionado permitiu concluir que existem malefícios e benefícios atribuídos à precificação personalizada.

Mas como o Direito pode regular tudo isso? A precificação personalizada é um ilícito per se? Para a segunda pergunta, a resposta é não, justificada pela primeira. A precificação personalizada envolve, sem dúvidas, diferentes áreas jurídicas, como o Direito Constitucional, ao discutir igualdade e livre iniciativa; o Direito Concorrencial, ao discutir abuso de poder dominante e barreiras de entrada; o Direito do Consumidor, ao discutir práticas abusivas; e a Lei Geral de Proteção de Dados, diante do maciço tratamento que ocorre com dados pessoais dos indivíduos. Em outros artigos, aprofundaremos um pouco mais sobre o tema.

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Pietra Daneluzzi Quinelato

 

Referências

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1. PIGOU, A. C. The Economics of Welfare. London: Macmillan. 1920.

2. VALENTINO-DEVRIES, Jennifer; SINGER-VINE, Jeremy; SOLTANI, Ashkan. et al. Websites Vary Prices, Deals Based on Users’ Information. 2012. apud EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 90.

3. MINISTÈRE DE L´ÉCONOMIE ET DES FINANCES. IP Tracking: conclusions de l’enquête conjointe menée par la CNIL et la DGCCRF. Comission Nationale de L’Informatique et des Libertés, Paris, 27 jan. 2014. Disponível em: https://bit.ly/3zIDkcw. Acesso em: 17 set. 2021; MIKIANS, Jakub et al. Detecting price and search discrimination on the Internet. In: Proceedings of the 11th ACM Workshop on Hot Topics in Networks, Redmond, p. 79-84, out. 2012.

4. Em outro momento, discutiremos o geoblocking e o geopricing de forma mais detalhada que não necessariamente envolvem dados pessoais. Recomendo a leitura de FRAZÃO, Ana. Geopricing e geoblocking: as novas formas de discriminação de consumidores: os desafios para o seu enfrentamento. Jota, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3CUSOfC. Acesso em 07 ago. 2021.

5. OFFICE OF FAIR TRADING – OFT. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Londres: Crown Copyright, p. 30, maio 2013.

6. EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation through personalised pricing/offers in the European Union. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, p. 168-170, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3AOqTNy. Acesso em 16 set. 2021.

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