A lógica tal como a conhecemos hoje, enquanto disciplina específica que muito contribui para a matemática, e mais contemporaneamente para os estudos acerca da inteligência artificial, nem sempre se restringiu a âmbitos tão afetos às ciências exatas.
Ao nos voltarmos para a história e mais especificamente a história da filosofia, é possível reconhecer já nos gregos a importância do raciocínio, ou melhor dizendo, do pensamento lógico para a argumentação.
Nas obras do grande Platão a lógica já se apresentava como método de perscrutar o discurso a fim de encontrar a sua validade. Ainda que se os usos de um sistema argumentativo preciso, visto que Platão se utilizou de diálogos para apresentar sua filosofia, não é forçoso já verificar indícios de uma consciente necessidade sobre a coerência argumentativa entre premissas e conclusão.
Contudo, é com o célebre estagirita Aristóteles que a lógica ganha contornos para além da confrontação de discursos e indo em direção ao critério de validade (MORTARI, p. 47, 2016).
Com sua teoria dos silogismos, muito difundida e aceita como a única até meados do séc. XIX, Aristóteles propôs não apenas uma forma de estruturar o discurso, mas precisar como a partir de duas premissas é possível depreender uma consequência, ou em outros termos, uma conclusão lógica.
Fazendo uso das chamadas proposições categóricas, o também lembrado como preceptor de Alexandre o Grande, pôde conceber raciocínios tais como o seguinte: A: Todo ser humano é mortal – B: Sócrates é um ser humano – C: Sócrates é mortal.
Sob esse jogo de inferências, partindo de uma ideia universal para uma particular, Aristóteles demonstra a ideia de um raciocínio (argumento) válido, ou seja, a partir da inferência que se faz das premissas é possível admitir a conclusão como consequência necessária.
Ainda que a teoria do silogismo tenha perseverado até o momento presente sendo uma motivação para iniciar muitos estudantes no ensino de lógica, na Grécia Antiga, outras formas lógicas surgiram como por exemplo a epicurista proposta por Crísipo, fundamental para a chamada lógica proposicional. (MORTARI, p. 49, 2016).
Sob essa perspectiva denota-se que a lógica em que pese hoje estar intuitivamente associada uma concepção de pensamento matemático, desde os primórdios da civilização participa do nosso cotidiano, em especial quando se trata da construção do discurso.
Nesse sentido, sendo o Direito uma ciência social aplicada que se alimenta e se mantém pelo discurso e pela dedicação do uso da linguagem em linhas minimamente objetivas, a lógica para com ele não seria indiferente.
Atento a isso, o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 330, parágrafo 1º, inc. III, e art. 473, parágrafo 1º, buscou trazer luz a necessidade de uma estruturação lógico argumentativa quando da elaboração das peças processuais, em especial a petição inicial (peça na qual se leva a juízo discussões que importam ao Direito) e o laudo pericial.
Conforme assinala o primeiro dispositivo, a petição inicial será considerada inepta quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão. Por mais que o termo logicamente implique em uma visão genérica do que é ser lógico, visto que o texto da lei carece de explicitação a esse respeito, é possível suscitar o entendimento de que a conclusão deve guardar coerência causal e argumentativa com os fatos e fundamentos jurídicos.
Visto de maneira ainda mais pormenorizada, é preciso que os fatos antes mesmo de se dirigirem a conclusão, possam ser subsumidos aos fundamentos jurídicos. O mesmo vale para os fundamentos jurídicos, não podendo estes serem dissonantes e alheios ao que foi previamente narrado, sob pena de ilogicidade.
Nessa mesma linha, a norma processual preconizou em seu art. 473, parágrafo 1º a importância de o laudo pericial abordar e fundamentar o tema analisado de forma simples e com coerência lógica. Percebe-se aqui, uma certa acuidade conceitual, haja vista o termo coerência ter sido predicado a ideia de lógica.
Isso nos leva a demarcar, a partir de uma perspectiva sistêmica do Código, que a noção de lógica dentro do texto processual se ateve a uma concepção de linearidade semântica e argumentativa (no sentido da forma como deve se dispor os argumentos) a qual os destinatários da norma não podem se afastar.
Mesmo assim o texto legal carece de precisão de sentido, não podendo valer-se de pressuposições arbitrárias, mas devendo de assentar em conceitos comunitários sedimentados em discussões alinhadas ao espírito democrático e porque não ao interesse lógico-argumentativo.
É, pois, tendo em vista esse horizonte que será possível entender o Direito como disciplina participante da lógica.
Referências
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MORTARI, Cezar A. Introdução à Lógica. 2 ed. São Paulo: Editora Unesp. 2016
BRASIL. Código de Processo Civil de 2015. Acesso em 03/04/2024: link