O que é uma Constituição? [Parte 1]

O que é uma Constituição? [Parte 1]

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Este é um texto dividido em quatro partes, a primeira introduz o tema e dá panoramas gerais, a segunda traz as classificações das constituições, a terceira traça uma linha histórica acerca das principais constituições no mundo, enquanto a quarta introduz o conceito de supremacia da Constituição e conclui sua definição. Recomenda-se uma leitura conjunta dos capítulos, que serão publicados sucessivamente e disponibilizados de forma gratuita. Boa leitura!

Ao começar a estudar qualquer assunto, como pontapé inicial, o ser humano precisa de definições. O dicionário cumpre este papel de maneira exímia, conceitua qualquer palavra com sinônimos que elucidam contexto semelhante ao conteúdo estudado, fornece, nesse sentido, uma fórmula de tradução do vocábulo para outros termos já conhecidos. O conceito de Constituição, no entanto, não é pacífico entre os juristas e não pode ser definido pelo dicionário, porque depende de uma compreensão prévia de premissas, além do estudo do momento social – da época – no qual o debate está inserido.

Como explica o filósofo do Direito Herbert Hart:

“Mesmo a definição de um triângulo como uma figura rectilínea de três lados, ou a definição de um elefante como quadrúpede distinto dos outros pela posse de uma pele grossa, presas e tromba elucida-nos de uma forma modesta, quer quanto ao uso padrão destas palavras, quer quanto às coisas a que as palavras se aplicam. Uma definição deste tipo familiar faz duas coisas de imediato. Simultaneamente fornece um código ou fórmula de tradução da palavra para outros termos bem conhecidos e localiza-nos a espécie de coisa para cuja referência a palavra é utilizada, através da indicação dos aspectos que partilha em comum com uma família mais vasta de coisas e dos que a distinguem de outras da mesma família. (…) Usamos um conhecimento aguçado das palavras para aguçar nossa percepção dos fenómenos.”1 

Os estudiosos de primeira viagem, especialmente estudantes dos primeiros períodos dos cursos de graduação em Direito, muitas vezes cometem o equívoco de decorar conceitos, sem nenhuma reflexão crítica ou base teórica. Não o fazem por mal, mas porque ainda não amadureceram os caminhos que devem levar ao conceito, e já são pressionados a memorizar definições que dizem respeitos às concepções das Constituições. O objetivo deste texto será resolver esse problema de maneira didática, concisa e simples, contextualizará o Direito Constitucional, e, em seguida, aprenderemos juntos o que é uma Constituição.

Partimos do pressuposto universal de que todo Estado tem uma Constituição, e vice-versa, ou seja, um não pode existir sem o outro. Essa noção existe há muito tempo, Aristóteles concluiu em seus estudos sobre política que a Politeia (cuja tradução pode ser: Constituição) é sinônimo do modo de ser de uma comunidade, sociedade ou Estado, isto é, a partir do momento em que existe Constituição também já estão presentes, sinonimamente, as comunidades, sociedades ou os Estados.2 Essa é atualmente a mesma definição que juristas modernos e pós-modernos atribuem à Constituição material.

Sempre existiu Constituição no mundo, enquanto há sociedade vige uma Constituição que representa seu modo de ser. Por conta disso, especialistas tratam sua definição material de real: “Portanto, a conclusão é que todos os países (Estados ou mesmo comunidades) possuíram em todos os momentos de sua história Constituições reais e efetivas à luz (…) a Constituição material, num primeiro momento, é entendida como Constituição real.”3 . Desse modo, a função da Constituição, sob o ponto de vista material, é o de determinar os exatos contornos do Estado, definir sua estrutura e impor limites a atuação dos poderes.

Isso nos leva aos dois principais sentidos da Constituição, o formal e o material. Este depende do conteúdo da norma para definir o caráter efetivamente constitucional, será “(…) aquela norma que defina e trate das regras estruturais da sociedade, de seus alicerces fundamentais (formas de Estado, governo, seus órgãos etc.) Trata-se do que Schmitt chamou de Constituição.”4 As normas materialmente constitucionais, a grosso modo, dizem respeito a estrutura do Estado e dos poderes, além de preverem os direitos mais básicos dos cidadãos, os direitos e garantias fundamentais.

Por conseguinte, uma vez definido o Estado seu poder será soberano, recebe-se então o atributo de reunir juristas e todos os tipos de profissionais que possam contribuir para a formação de um poder constituinte. Todas as normas então introduzidas na Constituição promulgada serão tidas como formalmente constitucionais, não porque detêm conteúdo de Direito Constitucional, mas somente porque foram introduzidas na Constituição pelo Estado, isto é, porque estão formalmente na Constituição. Portanto, as normas materialmente constitucionais tratam de matéria/conteúdo constitucional, enquanto as formalmente podem abordar qualquer assunto, mas serão constitucionais só por estarem na Constituição.

Um bom exemplo para entender essa dicotomia se encontra no art. 242, §2º, da Constituição da República do Brasil de 1988. Ele trata da organização de um colégio brasileiro muito famoso e de inequívoca importância, o Colégio Pedro II, todos os brasileiros deveriam conhecer!  Não seria por menos, se a própria Constituição se refere a ele com prestígio, ela mesma lhe confere publicidade: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.”5

Ora, é notório que este dispositivo não possui conteúdo de norma constitucional, não delineia a organização do Estado, nem limita a atuação dos poderes, tampouco confere direitos e garantias fundamentais à população. Todavia, é norma constitucional, logo, faz parte do conceito de Constituição, uma vez que é norma formalmente constitucional. Reitera-se que se está previsto na Constituição é norma constitucional, ao menos em sua forma.

No próximo capítulo continuaremos a tratar do assunto, abordaremos as classificações das constituições. A disponibilização será de forma gratuita e pelos mesmos meios.

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Jordano Paiva Rogério

 

Referências

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1. HART, Herbert Lionel Adolphus. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 19.

2. ARISTÓTELES. A política. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

3. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 30-31.

4. LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 24ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 85.

5. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 242, §2º, da CF/88. Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

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