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O que fazer quando há uma denúncia interna na empresa?

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Os canais éticos, tema da coluna Foco no Trabalho do mês de maio de 2022, são considerados o “coração da empresa”,1 sendo que através dessa ferramenta fundamental do compliance é possível sanar desvios, condutas impróprias, procedimentos que ferem o código de ética da empresa, propiciando um ambiente de trabalho sadio.

Não obstante a vantagem acima especificada, o aspecto reputacional da empresa se altera consideravelmente, sendo que a empresa será enquadrada dentro dos padrões éticos, sobressaindo-se em relação aos seus concorrentes, o que por óbvio, lhe gerará aumento de faturamento.

Através das denúncias nos referidos canais (0800, e-mails, aplicativos, empresa terceirizada ou até mesmo uma caixa chaveada) os objetivos do compliance, ou seja, a adequação às normas e legislações, além da gestão do risco, passam a ser alcançados.2

Mas, o que fazer quando houver uma denúncia através desses canais? Antes de adentrarmos no procedimento a ser adotado é importante ressaltar que todas as denúncias devem ser apuradas, até mesmo para que o canal ético adquira a confiança dos funcionários, sem essa, o sistema será fracassado.

Se a investigação for seletiva em pouco tempo o canal de denúncia não será utilizado pelos empregados, e sua finalidade não será atingida.

O primeiro passo para iniciar a investigação é a constituição de um comitê interno, por óbvio, em empresas de pequeno porte, não será possível a referida formação, cabendo a investigação à uma pessoa determinada ou a contratação de uma empresa terceirizada.

O comitê deverá ser formado, ao menos, por três pessoas, sempre observando o número ímpar até mesmo em caso de discordância de procedimento. Porém, há que se observar que essas pessoas, além de não terem qualquer relação com o investigado, o que geraria suspensão do membro do comitê, devem ser de setores e hierarquias distintas.

Outro aspecto importante a ser observado se refere à presença de um membro com mais maturidade, não apenas de idade, mas também de tempo de empresa, permitindo assim uma análise sob outra ótica.

Com a constituição do comitê, é de extrema importância que haja uma política de não retaliação, além de uma cláusula de sigilo, garantindo a segurança dos membros do comitê, assim como a segurança do denunciante e das testemunhas.

A empresa não deverá divulgar quem são os membros desse grupo, a fim de evitar retaliações ou até mesmo perseguição pelos colegas e superiores hierárquicos.

Com a formação do comitê inicia-se a fase de investigação interna com a análise de provas, a fim de apurar a veracidade das informações passadas através dos canais de comunicação.

Dependendo da natureza da denúncia há procedimentos distintos a serem adotados.

O denunciante, se houver identificação, pode ser ouvido, assim como eventuais testemunhas e até mesmo o denunciado.

Importante que durante a investigação tanto o denunciado, como as testemunhas não sejam pressionadas, não devendo o investigador demonstrar, precocemente, a contradição entre as informações e depoimentos. O comitê deve esclarecer que eles não são obrigados a prestar qualquer informação, podendo se retirar da sala quando quiserem, entretanto, orientado que seria prudente esclarecerem os fatos.

Provas materiais, como documentos, registros em computadores, e-mails corporativos(desde que haja uma política de privacidade), imagens de câmeras, constituição de um histórico em empregos anteriores, podem ser analisados e constituir a investigação interna.3

Se houver necessidade, a empresa poderá contratar terceiros especializados em analisar determinadas provas, como empresas de tecnologia, peritos grafotécnicos, dentre outras.

Após a análise de todas as provas há que se verificar de forma objetiva se os fatos narrados geraram impacto financeiro ou impacto de imagem, a fim de analisar qual sanção será aplicada.

O resultado da denúncia por ser:

  1. Arquivamento – por falta de prova de materialidade, por falta de provas ou por inveracidade
  2. Aplicação de sanções previstas em normas internas ou até mesmo sugerida pela equipe do Comitê.

Antes da aplicação das penalidades, dependendo do fato apurado, a empresa poderá, inclusive, propor a mediação, desde que vítima e agressor (no caso de assédio moral) concordem com essa tentativa. 4

Caso não haja uma solução através desse instrumento, o Comitê irá emitir um relatório contendo todas as provas produzidas e a conclusão, não cabendo a este indicar qual a penalidade a ser aplicada, sendo aquela, decisão exclusiva da alta gestão.

A existência da boa fé e a avaliação dos danos causados são requisitos importantíssimos na aplicação da penalidade, entretanto, não podem ser minimizados perante o ocorrido, até mesmo para não banalizar os canais de comunicação e denúncias.

No aspecto de denúncia relacionada a corrupção, que atingem, especialmente as empresas da administração pública, será deflagrada a apuração preliminar, o Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) ou mesmo o arquivamento.

O “PAR” está previsto no artigo 8º a 15º da Lei Anticorrupção assim como no Decreto 8420/2015 artigos 2 a 4.

O Comitê ou comissão, no relatório conclusivo, se entender que houve a realização do ato pela pessoa jurídica em questão e que esses foram lesivos conforme previsão legal, poderá sugerir as sanções cabíveis ao caso inclusive descrevendo a dosimetria utilizada para o cálculo da multa a ser aplicada. Por outro lado, se a comissão entender que o denunciado não praticou qualquer ato lesivo poderá sugerir o arquivamento à autoridade julgadora.

Com a elaboração desse relatório final a autoridade competente intimará a pessoa jurídica para querendo, manifeste-se no prazo de 10 dias, sendo que encerrado esse prazo este relatório será enviado à autoridade competente para julgamento, devendo ser precedido de manifestação jurídica, elaborada pelo órgão de assistência jurídica competente.

A autoridade julgadora aplicará as sanções ou arquivará o processo, sendo que a pessoa jurídica condenada terá o prazo de 30 dias para cumprir as penalidades impostas.

Na investigação interna, durante a colheita de todas as provas (testemunhal, documental, perícia, dentre outros) é fundamental que haja lisura para a constatação da denúncia, assim como para sanar o fato ilícito ou ilegal ocorrido dentro da empresa, garantindo a integridade do sistema de  compliance e da reputação da empresa perante ao mercado e aos funcionários.

 

Referências

____________________

1. MELO, Luisa. O que a Siemens faz para (tentar) evitar fraudes na empresa. In; Exame. Publicado em:06.09.2016. Disponível em: https://bit.ly/3Fw8Xfm. Acesso em:17.03.2021.

2. SIBILLE, Daniel; SERPA, Alexandre. Os Pilares do Programa de Compliance– Uma breve discussão. Disponível em: https://bit.ly/3FtnAAf. Acesso em: 19.04.2019.

3. SILVA, Fabrício Lima; PINHEIRO, Iuri; BONFIM, Vólia. Manual do Compliance Trabalhista – Teoria e Prática, 2. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2021.

4. TEODORO, Maria Cecília Máximo; ANDRADE, Karin Bhering; BITARÃES, Ana Cecília de Oliveira; ANDRADE, Iris Soier d Nascimento de. Compliance e Direito do Trabalho. 1.ed.Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019.

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