Durante grande parte da história humana o padrão de beleza esteve relacionado a um corpo volumoso, com curvas acentuadas e traços redondos marcantes. A pintura de 1632 é um bom exemplo desse sentimento: representa as deusas Minerva, Juno e Venus com corpos protuberantes e rechonchudos. Isso prova o clamor dos homens por uma aparência corpulenta, evidente na representação das deusas (padrão do que houve de mais perfeito em qualquer natureza e em todos os sentidos) com corpos levemente cevados.1
Em contrapartida, com o desenrolar dos séculos XIX e XX alimentos robustos passaram a ser cada vez mais acessíveis. A industrialização e a massificação dos meios de produção transformaram os alimentos naturais em comidas com grandes quantidades de óleo e açúcar. Antes se comia o que era plantado, caçado ou criado, agora um gigantesco número de alimentos processados estão disponíveis para qualquer pessoa, todos os dias: batatas fritas, embutidos, biscoitos e bolachas recheados, doces, pizzas, hambúrgueres, refrigerantes (…) são talvez os alimentos mais desejados do século XXI.
Isso proporcionou uma inversão no contorno social, o problema da fome e escassez de alimentos foi gradativamente dando lugar à luta contra a obesidade e o sobrepeso. Dessa forma, o formato de corpo difícil de se atingir foi de bem nutrido para magro; inclusive, é interessante dizer que a palavra balofo hoje em dia já tem uma conotação pejorativa. Assim, o atual ideal de beleza perseguido é o mais magro possível.
Ter um corpo magro num mundo repleto de alimentos prazerosos e altamente calóricos é um sentimento de quase exclusividade. É exatamente por isso que a indústria farmacêutica cria e desenvolve muitos remédios de emagrecimento, que inibem o apetite, os chamados anorexígenos. A grande promessa dos comprimidos é uma forma fácil de perder peso e atingir o corpo perfeito, um sonho quase inatingível.
Todavia, muito distante da realidade, tomar um comprimido para perda de muitos quilos em poucas semanas pode ser além de perigoso, contra a natureza humana. Se o ideal de beleza foi por muito tempo um corpo bem nutrido, ter um corpo magro e malnutrido pode não ser o melhor caminho. Esse é um dos motivos pelos quais existe e atua a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), responsável por proteger a saúde da população brasileira.
Conforme entendido pela ANVISA, os medicamentos anorexígenos podem gerar fortes efeitos colaterais, como aumento da pressão arterial, dependência, problemas psiquiátricos, danos ao sistema cardiovascular e ao cérebro. Por conta disso, após estudos na área, foi editada em 2011 a RDC nº 52, que proibiu o comércio dos medicamentos emagrecedores mais problemáticos, os que contêm anfepramona, femproporex e manzidol. Restaram permitidos somente os medicamentos à base de sibutramina:
Dispõe sobre a proibição do uso das substâncias anfepramona, femproporex e mazindol, seus sais e isômeros, bem como intermediários e medidas de controle da prescrição e dispensação de medicamentos que contenham a substância sibutramina, seus sais e isômeros, bem como intermediários e dá outras providências.2
Em contrassenso, alguns setores discordaram da proibição. Como consequência, pressionado por demandas sociais e econômicas o Congresso Nacional editou, no ano de 2017, a Lei nº 13.454, que “Autoriza a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica, dos anorexígenos sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol”.3 Esse fato possibilitou a venda de dezenas, talvez centenas, de medicamentos proibidos no Brasil, desde que sob orientação médica. O problema passou então a ser como comprar medicamentos proibidos no país, com prescrição médica.
A queda de braços entre o Congresso Nacional e a ANVISA criou uma situação delicada, que colocou uma lacuna perdurável por anos. Foi instaurado um procedimento judicial para discutir a constitucionalidade da lei editada pelo Congresso Nacional, por iniciativa da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).4 Até que em outubro de 2021 o Supremo Tribunal Federeal se pronunciou, proibiu novamente o uso das substâncias anfepramona, femproporex e manzidol, mas sem adentrar no mérito da discussão, somente deu voz à ANVISA: “É incompatível com a Constituição Federal (CF) ato normativo que, ao dispor sobre a comercialização de medicamentos anorexígenos, dispense o respectivo registro sanitário e as demais ações de vigilância sanitária.”5
Portanto, por determinação da ANVISA e confirmação do Supremo Tribunal Federal, exceto os medicamentos feitos à partir da substância sibutramina, todos os medicamentos anorexígenos são proibidos. Porque todos os remédios para emagrecer devem ser previamente registrados, para depois serem comercializados, os medicamentos dessa natureza podem trazer graves danos à saúde se não submetidos a estudo e vigilância sanitária. Ninguém pode comprar um remédio que não tenha registro sanitário, sob pena de emagrecimento de risco e perda dos nutrientes necessários à vida e à saúde, o médico também não pode prescrevê-los.
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Referências
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1. RUBENS, Peter Paul. The Judgement of Paris. Antuérpia, 1632-1635. Disponível em: https://bit.ly/3mKk0b9. Acesso em: 28 dez. 2021.
2. BRASIL. Resolução – RDC nº 52, de 6 de outubro de 2011. Disponível em: https://bit.ly/32QdOY8. Acesso em: 30 dez. 2021.
3. BRASIL. Lei nº 13.454, de 23 de junho de 2017. Disponível em: https://bit.ly/3quN47C. Acesso em: 30 dez. 2021.
4. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.779/DF. Relator: Nunes Marques. Diário de Justiça Eletrônico, 14 de nov. de 2021. Disponível em: https://bit.ly/3Hukavn. Acesso em: 30 dez. 2021.
5. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 1034. Diário de Justiça Eletrônico, 22 out. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3FIKyRC. Acesso em: 30 dez. 2021.