“As primeiras preocupações do mundo jurídico com questões envolvendo a voz datam do final do século XIX e XX. A despreocupação com o tema até então se deve, muito provavelmente, ao fato que o som dispersava-se no ar e não podia permanecer senão na lembrança de quem havia desfrutado”.1
A primeira gravação da voz humana ocorreu em 8 de abril de 1860, por intermédio de um aparelho fonoautógrafo, cujo conteúdo da gravação parecia ser a voz de uma garota cantando a canção, Au clair de la lune.2
A gravação foi descoberta em 2008, por Patrick Feaster, e David Giovannoni, que a princípio pensaram ser a gravação da voz de uma garota, mas seis meses depois da descoberta, ao tocar a gravação com o dobro da velocidade descobriram que se tratava da voz do próprio criador do referido aparelho, Édouard-Léon Scott de Martinvil.3
A demora na descoberta da gravação deu-se porque o fonoautógrafo utilizava-se do seguinte procedimento, um som gerava uma vibração em um fio de pelo de javali, que por sua vez gerava marcações em folhas de papel cobertas de fuligem. Assim o método era hábil a possibilitar a gravação, e não a reprodução, por esse motivo o inventor, nunca reproduziu a gravação, nem sequer o tentou. A reprodução só ocorreu mais de um século depois através de Patrick Feaster, e David Giovannoni que descobriram a gravação, os quais utilizaram de um computador para tanto.4
A referida primeira gravação ocorrera 28 anos antes de Thomas Edson, a quem por muito tempo foi atribuído o papel de primeira pessoa a gravar a voz humana, uma vez que em 1888 realizou uma gravação por meio do fonógrafo de cilindro de cera, e diante de testemunhas.5 Todavia, o aparelho criado por Edson foi o primeiro capaz de gravar e reproduzir sons.
Em 1888, Emile Berliner patenteia a criação do disco plano, através do qual se gravava o som, e se reproduzia através de um aparelho denominado gramofone. Os discos experimentaram uma evolução em relação ao material que eram compostos: em 1910 eram de goma-laca; e na década de 1940 de vinil.6
Salienta-se que vitrola era a marca registrada do gramofone da Victor Talking Machine Co, nome que acabou se popularizando no Brasil
Em 1920, Fritz Pfleumer patenteia as fitas magnéticas, que foram revolucionárias em razão da facilidade de transporte, e que culminaram em 1970 na fita cassete, que trazia dois rolos de fita e um mecanismo que as movia, dentro de uma pequena caixa plástica.7
O áudio experimentou uma revolução digital, com o lançamento do CD em meados 19808 . Atualmente, o próprio CD caiu em desuso, na medida que o som digital é acessado virtualmente através da internet.
Para além da possibilidade da gravação da voz humana propriamente dita, outras tecnologias que influenciaram a evolução legislativa da tutela da voz, em razão da facilitação da difusão da voz, como a radiodifusão e a passagem do cinema mudo para o cinema sonoro.
Consequentemente a muitos desses métodos de gravação da voz humana começaram a surgir legislações com fito de tutelar juridicamente a voz.
Primeiramente houve o Decreto 544 de 1962, que apenas afirmou que os direitos dos intérpretes seriam regulados pela legislação de direito do autor. Posteriormente houve a edição da Lei 4.944 de 1966, que tratava da proteção a artistas, assim, na falta de consentimento do artista, impedia-se a gravação e transmissão pelos organismos de radiodifusão de interpretações e execuções9. Em 1973 a Lei 5.988 regulou sistematicamente os direitos do autor e os que lhe são conexos10. Posteriormente, o tema foi regulado em 1988 pela Lei 9.610 (Lei de Direito Autoral)11. A tutela passa a ser inclusive constitucional, já que o art. 5º, XXVIII, a, CF assegura “a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.12
Outro diploma que tratou do tema foi o o Código Civil de 2002 que elencou expressamente alguns direitos da personalidade, como integridade física (art. 13 – 15, CC), nome (art. 16 – 19, CC), imagem (art. 20, CC), privacidade (art. 21, CC).13. E “apesar de não mencionado expressamente, o direito à voz encontra-se implícito no art. 20, por meio da expressão transmissão da palavra”14.
Desse modo, vê-se que há em relação a tutela jurídica da voz, há: a) direitos conexos aos de autor: direitos do artista intérprete e executante decorrente de sua intervenção original e criativa em uma obra autoral. Insta salientar que os direitos conexos aos de autor não se confundem com direito de autor, ainda que sejam protegidos pelo mesmo diploma, Lei n. 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais); b) direito da personalidade, que embora esses tratem de nossos atributos fundamentais, não se afasta a possibilidade da exploração econômica destes, assim é admissível um negócio jurídico que tenha por objeto a gravação de voz, desde que com autorização do seu titular e observado os limites contratuais15.
Referências
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1. LEONARDI, Fernanda Stinchi Pascal. Tutela Civil da Voz. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 58. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-08072011-134359/publico/FSPL_DISSERTACAO_INTEGRAL.pdf. Acesso em: 03 mar. 2024.
2. BBC. Primeira gravação da voz humana com fonoautógrafo em 1860, versão rápida. BBC. 2021. Disponível em: site. Acesso em: 29 fev. 2024.
3. VENTURA, Dalia. O mistério das gravações de voz humana feitas 3 décadas antes de Thomas Edison. BBC. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-56403105. Acesso em: 01 mar. 2024
4. VENTURA, Dalia. O mistério das gravações de voz humana feitas 3 décadas antes de Thomas Edison. BBC. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-56403105. Acesso em: 01 mar. 2024
5. VENTURA, Dalia. O mistério das gravações de voz humana feitas 3 décadas antes de Thomas Edison. BBC. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-56403105. Acesso em: 01 mar. 2024
6. SABOTA, Guilherme. Evolução: A tecnologia da reprodução e gravação de sons até o LP. Terra. 2019. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/musica/evolucao-a-tecnologia-da-reproducao-e-gravacao-de-sons-ate-o-lp,645fcfe2cd9a63c60b7747915f349173qwggf4oo.html. Acesso em: 01 mar. 2024.
7. VASCONCELLOS, Lucas. Do fonógrafo ao streaming: A evolução dos aparelhos musicais. Recreio. 2021. Disponível em: https://recreio.uol.com.br/noticias/viva-a-historia/do-fonografo-ao-streaming-a-evolucao-dos-aparelhos-musicais.phtml. Acesso em: 01 mar. 2024.
8. VASCONCELLOS, Lucas. Do fonógrafo ao streaming: A evolução dos aparelhos musicais. Recreio. 2021. Disponível em: https://recreio.uol.com.br/noticias/viva-a-historia/do-fonografo-ao-streaming-a-evolucao-dos-aparelhos-musicais.phtml. Acesso em: 01 mar. 2024.
9. BRASIL. Lei 4.944. 1966. Disponível em: site. Acesso em: 08 mar. 2024.
10. BRASIL. Lei 5.988. 1973. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5988.htm. Acesso em: 19 mar. 2024.
11. BRASIL. Lei de Direito Autoral. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 19 mar. 2024.
12. BRASIL. Constituição Federal. 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 mar. 2024.
13 BRASIL. Código Civil. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 18 mar. 2024.
14. MORATO, Antonio Carlos. Direito à voz: reflexões sobre sua proteção no âmbito da sociedade de informação. In. PAESANE, Liliana Minardi (Coord. O Direito na Sociedade da Informação. São Paulo: Atlas. 2007. p. 164
15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1630851/SP. Voto do Min. Paulo de Tarso Sanseverino. 2014. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201403080659&dt_publicacao=22/06/2017. Acesso em: 18 mar. 2024.