O uso de medicamento off label por pessoas economicamente frágeis

O uso de medicamento off label por pessoas economicamente frágeis

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De acordo com o que tem sido estudado na coluna de Direito Constitucional Popularizado,1 compete ao Estado garantir o direito à saúde, por meio de “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.2  Por isso, é obrigação do Estado fornecer todos os medicamentos necessários à promoção da saúde enquanto direito social. Se algum cidadão brasileiro não tiver acesso a algum medicamento indispensável ao tratamento de sua doença, poderá exigir do Poder Executivo, diretamente ou por intermédio do Poder Judiciário, o fornecimento do remédio e o respectivo tratamento.

Para tanto, deverão ser cumpridos os seguintes requisitos:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.3 

Ocorre que a atual medicina tem utilizado, cada vez mais, a busca de medicamentos off label para o tratamento de doenças. Em outras palavras, tem sido comum que os médicos receitem algum remédio que não foi desenvolvido diretamente com a finalidade de tratar a doença do paciente, a esse tipo de uso de medicamento se atribui o nome de off label.  O nome vem de uma expressão em inglês, que em tradução literal quer dizer: fora de indicação.

Todos os medicamentos são planejados com determinada finalidade, para o tratamento de doenças específicas; ocorre que, em alguns casos, quando em contato com o organismo humano as substâncias acabam por trazer outros benefícios não anteriormente considerados. Esse efeito pode não ter sido previsto pela pesquisa farmacêutica, no entanto, com o passar dos anos, é possível que os médicos passem a receitar aquele medicamento para outras finalidades, por considerar benefícios que vão além da indicação inicialmente considerada. Assim, off label é o medicamento prescrito pelo médico para uma finalidade que não consta expressamente na bula.

Sabe-se que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Aliás, é proibido o comércio, a importação a produção nacional e a entrega, ainda que de forma gratuita, de medicamentos não aprovados pelo Ministério da Saúde.4 Como então proceder diante de uma situação na qual o paciente precisa de um medicamento que não foi aprovado para tratar especificamente a sua doença? É permitido o uso do medicamento off label?

Pode o Poder Judiciário obrigar o Estado a fornecer medicamento off label?

Não é permitido o uso de medicamento off label. Também não pode o Estado fornecê-lo! Pelo menos na maior parte dos casos.

Um dos papeis da ANVISA5 é promover o registro e aprovação de medicamentos, antes que sejam comercializados no âmbito nacional brasileiro. Para tanto, são considerados estudos sobre o medicamento, que atestem, dentre outras circunstâncias, a segurança, a qualidade, os efeitos colaterais e a eficácia das substâncias nos tratamentos para os quais foram concebidas. O registro do medicamento é sempre subordinado às indicações de uso pretendidas.

Pode, no entanto, com o decorrer da prática médica, a ANVISA ser provocada a fim de emitir autorização para que o medicamento seja utilizado para outros fins. Nessa circunstância poderá ser o Estado compelido a fornecer o tratamento necessitado por um paciente que faz uso de medicamento off label. Conforme diz o art. 21 do Decreto n.º 8.077/2013:

Mediante solicitação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – Conitec, a Anvisa poderá emitir autorização de uso para fornecimento, pelo SUS, de medicamentos ou de produtos registrados nos casos em que a indicação de uso pretendida seja distinta daquela aprovada no registro, desde que demonstradas pela Conitec as evidências científicas sobre a eficácia, acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento ou do produto para o uso pretendido na solicitação.6 

Portanto, o medicamento off label só é permitido se o uso para o qual se pretende tiver sido registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Uma vez registrado para aquele tipo de tratamento, caso algum paciente não tenha condições de acesso poderá procurar o Poder Judiciário, para que seja determinado ao Estado o fornecimento gratuito do medicamento.

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Jordano Paiva Rogério

 

Referências

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1. ROGÉRIO, Jordano Paiva. A obrigação do Estado de fornecer medicamento. Direito Constitucional Popularizado. Belo Horizonte: Magis Portal Jurídico, 2022. Disponível em: <https://magis.agej.com.br/a-obrigacao-do-estado-de-fornecer-medicamento/>. Acesso em: 06 mar. 2022.

2. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de jurisprudência n.º 717, de 16 de novembro de 2021. Disponível em: https://bit.ly/3JYs4i6. Acesso em: 30 mar. 2022.

4. BRASIL. Lei 6.360/76, de 23 de setembro de 1976. Dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e Outros Produtos, e dá outras Providências. Disponível em: <https://bit.ly/3wTm46s>. Acesso em: 25 mar. 2022.

5. BRASIL. Lei 9.782/99, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Disponível em: https://bit.ly/38jBneD. Acesso em: 25 mar. 2022.

6. BRASIL. Decreto 8.077/13, de 14 de agosto de 2013. Regulamenta as condições para o funcionamento de empresas sujeitas ao licenciamento sanitário, e o registro, controle e monitoramento, no âmbito da vigilância sanitária, dos produtos de que trata a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, e dá outras providências. Disponível em: https://bit.ly/3JZwCF0. Acesso em: 28 mar. 2022.

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