Os aspectos subjetivos das ações judiciais e a relação cliente advogado

Os aspectos subjetivos das ações judiciais e a relação cliente advogado

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O contato com o público para auxílio e solução de demandas jurídicas evidencia que o envolvimento dos sujeitos com o processo vai muito além das questões jurídicas propriamente ditas e atinge esferas individuais profundas.  Enquanto o operador do direito tem mais facilidade em observar a frieza da lei, esse exercício aparenta ser muito mais complexo para a parte que está diretamente envolvida com a ação.

O muro da vizinha que invade o lote não é apenas umas ameaça estrutural ao imóvel ou uma infração aos deveres legais, mas também uma afronta, ou uma invasão, do espaço subjetivo que o indivíduo chama de casa. A disputa pela guarda muitas vezes não é sobre filho, o divórcio não é sobre a separação de corpos e a partilha não é sobre bens. O conflito surge na falta de um consenso harmônico entre a vontade das partes ou, mais frequentemente, pela dificuldade na comunicação, e acaba tocando em ponto sensíveis e acionando diversos mecanismos de defesa que dificultam a sua resolução.

Diante do impasse, tanto por desacordo ou por problemas de comunicação, uma alternativa que se apresenta é a terceirização da resolução da demanda para um terceiro, teoricamente imparcial e justo, e que faça a valer a Lei.

As partes sempre dizem que só querem os seus direitos, mas têm sempre o sentimento de que foram lesadas e que estão perdendo algo. O processo é utilizado, muitas vezes inconscientemente, como instrumento de reparação de perdas que se traduzem e aparecem em forma de reivindicação de guarda de filhos, pensão alimentícia etc. Na verdade, o que se perdeu, e o que ficou para trás, é o sonho, a estrutura conjugal, que serve, inclusive, para tamponar a falta e o desamparo estrutural do ser humano. 1

Assim, ainda nos estágios iniciais da relação cliente-advogado é habitual que o cliente desloque a sua angustia para esse terceiro, repassando a esse a responsabilidade pelo seu próprio desejo. Apesar de não constituir uma obrigação de fim e sim um meio para execução da finalidade, os serviços jurídicos prestados são comumente utilizados nesse processo e os advogados responsabilizados por eventuais frustrações das expectativas iniciais do cliente.

Nesse sentido, a consultora jurídica Priscila Zinczynszyn alerta que isso ocorre também em razão da ocorrência do fenômeno psicológico da transferência, comum dentro da clínica psicanalítica, que também pode ocorrer na relação cliente advogado, “a transferência também está presente na relação advogado-cliente e igualmente oferece um perigo quando o profissional se deixar reduzir a objeto da afetividade do cliente”.

A transferência, conforme os ensinamentos de Freud, é uma condição para a realização da análise na qual o paciente atribui ao analista sentimentos, positivos ou negativos, que experimentou em relação a outras pessoas de seu meio ambiente, especialmente os pais. A ocorrência pode ser positiva, auxiliando na construção de uma relação de confiança em decorrência do reconhecimento e identificação, mas também pode ser negativa em razão do tipo de sentimento e expectativa depositada na relação.

Sentimentos de dependência ou de terceirização do desejo são negativos quando a possibilidade do alcance do desejo é frustrada e o sujeito tem dificuldades de assumir responsabilidade e lidar com essa frustração, alocando-a para o advogado, o juiz ou a justiça.

Ter a percepção da possibilidade de transferência e saber reconhecer essa formação é fundamental para formação de uma boa relação cliente-advogado, além de auxiliar o profissional a criar estratégias para manter a relação saudável. O advogado que consegue entender qual o tipo de expectativa nutrida e construir um diálogo com o cliente a fim de conscientiza-lo sobre as possibilidades e limitações do processo judicial tem uma vantagem para atuação no ramo e diminui consideravelmente a possibilidade de conflitos com seu próprio cliente.

Além de tecnicamente preparados, os advogados são frequentemente convidados a ter uma escuta disponível para compreender os mais diversos tipos de clientes, sem deixar de estar atento para o fato de que diante de si há um outro humano, mas com sutileza suficiente para não se comprometer subjetivamente.

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Andressa Souza Oliveira

 

Referências

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1. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 545.

PERRONI, Bravo Godoy. O Poder Judiciário resolve a lide, mas não acaba com o conflito. BGPADV, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3Ngy9s5. Acesso em: 23 mar. 2022.

VIDOTTO, Letícia Trombini; LION, Camila Martins. Práticas restaurativas e os conflitos cotidianos. Nova perspect. sist.,  São Paulo ,  v. 29, n. 66, p. 49-59, abr.  2020 .   Disponível em: https://bit.ly/3qyIlm7. Acesso em:  23  mar.  2022.

ZINCZYNSZYN, Priscila. A importância do Conceito de transferência e seus desdobramentos na relação advogado e cliente. 2015. Disponível em: https://bit.ly/3Ns9263. Acesso em:  23  mar.  2022.

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