Peço licença aos estimados leitores para que possa abrir esta coluna com a singeleza e complexidade que são características do direito político. E para tal me valho das palavras do jurista Louis Antoinem Macarel
“Assim como o direito das gentes não he outra cousa sinão a lei natural applicada às naçõens entre si, assim também o direito público, ou político, não he outra coisa sinão o direito da natureza applicado à organisação particular, e interior de cada sociedade civil.”
A atenção do direito político, para a complexidade de princípios que regem a organização e participação social no processo político, evidencia a sua finalidade na transformação da política em lei – esta entendida como ato organizado (que deriva da vontade e soberania popular) e racional (quando faz parte de uma instituição representativa do poder político), tornando-se ciência que define o que é o direito do homem e o que é o direito do cidadão.
Essa demarcação de direitos, consolidada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, inaugurou a percepção dos direitos e garantias individuais e esferas de liberdade de ação independente da figura do Estado e ainda a exigência de um agir social e de compartilhamento do exercício do poder político.1
Tornou-se claro que os direitos individuais, direitos civis, liberdades públicas, direitos de liberdade ou direitos negativos referiam-se, todos eles, à esfera de liberdade que todo ser humano detém independentemente de sua nacionalidade, esfera de liberdade individual em que o Estado não poderia intervir.2 Por sua vez os direitos do cidadão, direitos políticos, liberdades de participação não eram atribuídos a todos os seres humanos, mas apenas àqueles que tinham um vínculo especial com o Estado, qualificando o indivíduo a participar da vida política daquela sociedade.3
A Declaração contribuiu para a positivação dos direitos e serviu de inspiração para outras que vieram posteriormente, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos- DUDH, em 1948.4
Formulada pela Organização das Nações Unidas, a DUDH articulou os valores da liberdade e da igualdade, o discurso liberal dos direitos civis e políticos e o discurso social dos direitos econômicos e sociais, reconhecendo-se a dignidade de toda pessoa e tratando os direitos nela contidos como um ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações.5
Sendo condição para a existência e efetivação dos demais direitos, a Declaração, proclamou a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos. Entendendo-se a universalidade sob a perspectiva de que os direitos ali proclamados são inerentes a todos os seres humanos, independentemente do Estado ou da Nação a que pertençam; e a indivisibilidade referindo-se à negação de qualquer ruptura entre direitos civis, direitos políticos, direitos econômicos, direitos sociais e direitos culturais.6 Pela primeira vez, evidenciou-se a necessidade de criação de uma ordem internacional capaz de proteger os direitos humanos de modo integral.
A DUDH consolida a ideia de que é condição de dignidade a participação do homem no governo de seu país e que esse direito é indissociável dos demais direitos ali elencados, que todos têm o direito de tomar parte na direção da administração pública, na formação da lei, seja direta ou indiretamente, e que é dever do Estado se adequar à vontade do povo.7
Eis a missão do direito político, que no estudo de suas especificidades, tem o objetivo de elucidar qual é o significado desse conjunto de direitos que viabiliza a existência da democracia nos Estados contemporâneos e, sem os quais, todos os demais direitos ficam ameaçados. Os direitos políticos significam portanto
“una participación directa en las decisiones del poder político y se les configura como una ‘libertad’, en cuanto representan una capacidad de elección sobre la organización misma del poder, las personas que han de ejércelo o las decisiones misma del poder, las personas que han de ejércelo o las decisiones mismas que este adopta.”8
Os direitos políticos, consolidados em uma democracia, se referem, portanto, ao poder atribuído aos membros de uma nação (sociedade política organizada) de formar a sua vontade coletiva e impô-la ao Estado, de forma que essa vontade seja indispensável para o funcionamento daquele. Se debruça na proteção e consolidação dos direitos vinculados à política, que por sua vez, refere-se à vontade coletiva – processo de organização da sociedade em torno de ideias e de projetos políticos, que consolida os bens comuns dos cidadãos e a subordinação do Estado a eles.
E é sobre essa relação dos bens comuns dos cidadãos – vontade coletiva – e o Estado que, eu e você, estimado leitor, nos dedicaremos na coluna: “Politiké: os bens comuns dos cidadãos”, aqui na plataforma do Portal Jurídico Magis. Fique conosco e boa leitura.
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Lucas Estevão Ribeiro Da Silva
Referências
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1. Quando se analisa os termos do art. 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, percebe-se a reserva de que todos os cidadãos teriam o direito de concorrer, pessoalmente ou por meio de mandatários, para a formação da leis. “Art.6º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.” (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Paris. Disponível em: https://bit.ly/3k6yW2l. Acesso em: 13 set. 2021)
2. Gomes Canotilho, J.J., Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Almedina, 2017, p. 370-371.
3. Gomes Canotilho, J.J., Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Almedina, 2017, p. 371.
4. FERREIRA FILHO, MANOEL G. ET. ALLI. In Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid. Universidad Complutense, 1973. Liberdades Públicas São Paulo, Ed. Saraiva, 1978. Disponível em: https://bit.ly/3Egjc51. Acesso em: 13 set. 2021.
5. ARZABE, Patrícia Helena Massa; GRACIANO, Potiguara Gildoassu. “A Declaração Universal dos Direitos do Humanos – 50 anos” in Direitos Humanos: Construção da Liberdade e da Igualdade. Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1998. p.252.
6. É verificada uma dependência entre os direitos consolidados.
7. Art.21 – “1. Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade do voto.” (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Paris. Disponível em: https://bit.ly/3k6yW2l. Acesso em: 13 set. 2021)
8. AGESTA, Luiz Sanchez. Sistema político de la Constitución española de 1978. Madrid: Nacional, 1980, p. 150.