Ao consideramos o processo como um procedimento em contraditório, notamos que aquele se manifesta por uma série de atos processuais praticados pelos sujeitos do processo, sendo estes todas e quaisquer partes que integrem e interfiram na relação processual, inclusive o juízo, cujos atos manifestam a autoridade jurisdicional pela sentença, pela decisão interlocutória e pelo despacho.
Conforme a disposição expressa do art. 203 e parágrafos do Código de Processo Civil, enquanto a sentença é definida por ser o pronunciamento decisório que encerra uma fase processual, seja de conhecimento ou de execução, é considerada decisão interlocutória todo pronunciamento jurisdicional com natureza decisória, que não possa ser considerado sentença, ou seja, que não encerre uma fase processual.
Os despachos, por sua vez, constituem os pronunciamentos do juiz no decorrer do processo que não detém caráter decisório, sendo utilizados geralmente para conduzir o andamento processual. Assim, como conclusão lógica deduzimos que para a codificação processual brasileira os atos praticados pelo juízo são distinguidos pelo seu conteúdo, e não pelo nome que lhe é dado pelo magistrado quando profere o ato.
Desta forma, considerando o que dispõe o Código de Processo Civil brasileiro, via de regra, os despachos, ou seja, aqueles pronunciamentos judiciais utilizados pelo magistrado para dar seguimento ao andar processual não admitem recurso, dada a ausência de previsão legal de meio de impugnação para este ato, ao contrário da sentença, da qual cabe apelação, e da decisão interlocutória, para a qual é possível interpor agravo de instrumento.
No entanto, tal tópico foi submetido a controvérsia, ocasião em que, durante o julgamento do RESP nº 1.219.082, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que para que seja recorrível, basta que o ato judicial tenha caráter decisório capaz de causar prejuízo as partes, independentemente da nomenclatura adotada pelo juiz ao proferi-lo.
O art. 1.015 do Código de Processo Civil/15, lista as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, recurso que pode ser manejado contra decisões interlocutórias que versarem sobre os temas previstos no referido dispositivo, tais quais, tutelas provisórias; mérito do processo; incidente de desconsideração da personalidade jurídica; rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros, dentre outros.
Ocorre que, na prática, é possível se deparar com pronunciamentos judiciais, com teor decisório não compreendido pelo art. 1.015 do Código de Processo Civil, como por exemplo, as decisões que definem a competência, ou não, do juízo para processar e julgar o feito. Ou mesmo a decisão que defere ou não a produção de um determinado tipo de prova.
Para estas hipóteses, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos REsp 1.696.396 e REsp 1.704.520, no âmbito do Tema Repetitivo 988, firmou a tese taxatividade mitigada do rol contido no art. 1.015 do Código de Processo Civil.
Em seu voto, a relatora, Ministra Nancy Andrighi defendeu que “A tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo – a urgência, que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação -, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito da urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações”.
Admitindo o exemplo do ato que declara a incompetência do juízo para julgar e processar o feito, entende-se pela inutilidade do julgamento da questão somente no recurso de apelação, pois neste momento, o processo já teria tramitado integralmente num juízo que incompetente para julgamento do feito.
De igual forma é a hipótese de indeferimento da produção de determinado meio de prova durante a fase instrutória da demanda, dado que seria inútil sua impugnação somente quando do recurso de apelação, visto o fim da fase de conhecimento, quando o processo já teve todo o seu andamento sem a produção da prova entendida essencial para solução da controvérsia.
A mesma lógica se aplicaria, portanto, aos pronunciamentos proferidos pelo juízo como despachos, que, detendo conteúdo decisório não elencado no rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil, seriam passíveis de recorribilidade imediata por meio de interposição de agravo de instrumento, desde que presente o requisito objetivo da urgência, pela inutilidade de julgamento da questão em recuso de apelação, conforme a tese da taxatividade mitigada do rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos REsp 1.696.396 e REsp 1.704.520.
Referências
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BRASIL. Lei nº 13105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. [S. l.], 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1.219.082. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. DESPACHO MERO EXPEDIENTE. CONTEÚDO DECISÓRIO. GRAVAME À PARTE. AGRAVO. CABIMENTO. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Relator (a): Ministra Nancy Andrighi. Data de julgamento: 02/04/2013. Data da Publicação: 10/04/2013. Disponível em: https://bit.ly/3KyEnmO.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.696.396 e Recurso Especial nº 1.704.520. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Relator (a): Ministra Nancy Andrighi. Data de julgamento: 05/12/2018. Data da Publicação: 19/12/2018. Disponível em: https://bit.ly/4186Mr0.
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 5. ed. [S. l.: s. n.], 2009.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. [S. l.: s. n.], 2017.
LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais. [S. l.: s. n.], 2021.