Os efeitos ético-políticos da representatividade

Os efeitos ético-políticos da representatividade

Juhlia Santos

Dedico esse texto à Juhlia Santos, travesti negra e quilombola, eleita vereadora pela cidade de Belo Horizonte. A sua candidatura traduz uma esperança política que se apresenta na insubordinação, na recusa do destino fabricado pelas estruturas hegemônicas que não só montam “o outro”, mas fazem questão de encobrir a sua presença e de esfacelar todos os seus vestígios, a fim de intensificar uma geografia de poder que delimita o centro e a margem.

As políticas discriminatórias criam espaços para corpos fora do padrão, para que as violências sejam justificadas. O não-lugar é uma fabricação tecno-política que intensifica a gestão do corpo. Trata-se de uma gestão que se nutre da intensificação de modelos de compreensão, de relacionalidade e de ocupação dos espaços político-sociais através da métrica que define o sujeito moderno: a destruição. A racionalidade, a técnica, a moralidade, bem como outros sistemas acoplados à lógica de dominação moderna e contemporânea, inauguram sujeitos que localizam a si, que afirmam a sua existência a partir do aniquilamento de todo corpo que escapa à norma. Assim, enquanto teóricos defendem o sujeito moderno, por exemplo, enquanto racional, simbólico, técnico, signatário de contratos sociais, é possível observar, à luz das críticas contra-coloniais, que, na verdade, o sujeito moderno é designado pela ocupação, imoralidade, genocídio e tipificação de corpos a partir das normas que ele produz. Logo, o sujeito moderno destrói tudo aquilo que ele posiciona como “o outro”. Esse imperativo de aniquilamento se infiltra na contemporaneidade, atualizando as formas de justificar e banalizar a execução de sujeitos marginalizados.

A margem traduz as políticas de guerra acionadas pelos enquadramentos que restringem a possibilidade de reconhecimento de vidas lançadas às fronteiras da humanidade. Assim, as reflexões éticas que se aportam na responsabilidade, cuidado e alteridade, devem ser atravessadas pela crítica política, a fim de que não se confunda o reconhecimento com uma presença anunciada, pois o rosto do outro pode ser apresentado como inumano, como uma humanidade incompleta que, à distância dos paradigmas que circunscrevem uma vida legitima — raça, gênero, sexualidade, território, capacidade e demais sistemas discriminatórios — pode ser brutalizada.  Para Butler (2015, p.59), “a teoria moral deve se converter em crítica social se quiser conhecer o seu objeto e atuar sobre ele”.

Nessa interface entre a filosofia moral e as perspectivas políticas, observamos a necessidade de construir novos paradigmas de coabitação. Para essa construção não podemos cair na armadilha da representação, ou seja, na autoridade discursiva requerida por grupos hegemônicos que dissimulam o seu interesse destrutivo, enquanto memória colonial. Ao recusar a representação, bem como o esvaziamento que ela intencionalmente propõe, ingressamos numa disputa de poder que não naturaliza o apagamento de corpos anunciados como vítimas, pois esses mesmos corpos quebram o silêncio imposto como um destino e denunciam os sistemas projetados para regulamentar vida e morte. Nesses termos, Juhlia Santos — assim como todos os corpos insubordinados que desmontam as estruturas de poder e o seu fetiche colonial — é a primavera de uma política da vida.

 

Referências

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BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

TEIXEIRA, Thiago. Políticas de descontinuidade: ética e subversão. São Paulo: Editora Devires, 2024.

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