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(Over)sharenting e os influenciadores mirins

constelação familiar

Os influenciadores digitais, personalidades do momento, são definidos como indivíduos que exercem grande influência sobre determinado público-alvo, possuindo a habilidade de criar e moldar opiniões, bem como conceber padrões comportamentais por meio de diálogos diretos com seus seguidores.

Com massiva presença nas mídias sociais mais relevantes, como o TikTok, YouTube e Instagram, tais personalidades garantem seu espaço no meio tecnológico, através da produção de conteúdo, interação com terceiros (seguidores), e atrelando sua imagem, fama e nome a determinados produtos e serviços, por meio do marketing de influência.

Forçoso salientar, nesse sentido, a expressiva e notável presença nas plataformas digitais dos chamados “influencers mirins”, crianças e adolescentes que, por meio das mídias sociais, adquirem enorme poder de influência sobre o público infantojuvenil, ao atuarem como produtores de conteúdo promovendo entretenimento, destacando acontecimentos do dia a dia e, também, divulgando novos produtos e serviços, em sua maioria relacionados ao setor de brinquedos e games.

Cada vez mais os jovens desejam se tornar influenciadores digitais, conquistando a relevância digital de seus “novos ídolos”, como demonstram dados de pesquisa realizada no ano de 2019 pela Morning Consult:

But young people don’t only trust influencers, they want to be them: 86% of Gen Z and millennials surveyed would post sponsored content for money, and 54% would become an influencer given the opportunity, according to the report by research firm Morning Consult, which surveyed 2,000 Americans ages 13 to 38 about influencer culture.1 

Em alguns casos, os pais (ou tutores/responsáveis legais) monitoram as atividades dos menores nas redes sociais – gerenciando o conteúdo –, e, em outras situações, os jovens assumem conteúdo próprio, inclusive se emancipando. A sistemática não é linear, sendo que os influenciadores mirins podem tomar frente total ou parcial na criação do conteúdo e gerência de suas redes sociais. Entretanto, não podem, por exemplo, fechar parcerias com marcas sem a autorização de seus genitores, representando-os legalmente.

Nesse sentido, convém salientar que alguns pais e responsáveis visualizam em seus filhos verdadeiras “minas de ouro”, e, com objetivo exclusivamente financeiro, colocam os menores em situações vexatórias ou superexpositivas sem o consentimento desses, buscando o alcance da fama por meio da exposição do menor nas redes sociais. Em outras palavras, existe uma incansável busca dos pais em “forçarem” seus filhos a virarem celebridades digitais.

Assim, se verifica um exercício abusivo da autoridade parental, que se perfectibiliza pela massiva exposição das crianças e adolescentes em ambiente virtal, por meio de difusão excessiva de diversos direitos da personalidade dos infantes com intuito lucrativo, com evidentes prejuízos à saúde, discernimento e desenvolvimento psicológico do público infantojuvenil, a partir do momento em que são colocados em situações que perpassam o limite do mero entretenimento legal.2

Constata-se que o referido fenômeno possui implicações diretas com os direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Portanto, se faz necessário compatibilizar o exercício da autoridade parental de compartilhamento dos aspectos e elementos da vida dos com a imprescindível proteção dos direitos da personalidade da criança e do adolescente, notadamente, seu nome, imagem, privacidade e intimidade.

Exemplificativamente, tem-se casos notórios de celebridades mirins (não confundir com influenciadores mirins) que em decorrência de sua excessiva exposição ao longo de seu crescimento sofreram uma série de abalos psicológicos e financeiros, como nos noticiados casos de Jennette McCurdy, Lindsay Lohan, Britney Spears e Demi Lovato, dentre outros, que repercutem ainda hoje na mídia.

Nos últimos anos, chamaram atenção da mídia dois casos envolvendo ex-estrelas mirins, Britney Spears e Jennette McCurdy. Em 2021 foi amplamente noticiado o fim da curatela sob a qual Britney Spears vivia desde 2008, bem como a decorrência da batalha judicial que travou com seu pai. E, em 2022, Jennette McCurdy destacou, em sua autobiografia, os abusos psicológicos da mãe, que chegou até a burlar o preenchimento da ”Coogan Account”, de forma que o percentual de 15% garantido por lei nunca chegou até a atriz de ”iCarly”.

No Brasil, o caso mais emblemático relacionado a temática em estudo diz respeito ao canal do YouTube “Bel”, outrora denominado “Bel para Meninas” que conta atualmente com mais de 7 milhões de inscritos.

A prática do sharenting é usual no cenário dos influenciadores digitais mirins, pois, muitos responsáveis se utilizam das crianças e adolescentes para a criação de conteúdo para suas redes sociais ou para as redes sociais dos infantes, com a finalidade de angariar seguidores, adquirir engajamento e, desse modo, auferir lucro por meio de publicidades no ambiente digital.

O termo sharenting refere-se a uma exposição excessiva por parte dos pais, de fotos, vídeos, notícias e demais formas de conteúdo sobre seus filhos nas redes sociais.3 Filipe José Medon Affonso preleciona que o “neologismo vem da junção das palavras de língua inglesa share (compartilhar) e parenting (cuidar, exercer a autoridade parental)”,4 e que a referida prática não se restringe aos pais, de forma que tios, amigos e pessoas próximas também podem ser “expositores”. 5

A exposição dos filhos por meio das mídias sociais – sharenting – é uma prática que se estabelece dentro dos limites da autoridade parental e, geralmente, não ofende o direito ao nome, imagem, privacidade ou intimidade das crianças e adolescentes. Isso porque, as postagens são esporádicas e inexiste qualquer expressão de vontade da criança ou do adolescente no sentido de proibir a publicação nas redes sociais. Lado outro, o (over)sharenting pode ser compreendido como um exercício abusivo da autoridade parental, uma vez que se caracteriza por meio da superexposição dos infantes em plataformas digitais.6

O limite entre o sharenting e o (over)sharenting é muitas vezes tênue, existindo uma área cinzenta que dificulta sua identificação. Entretanto, diante das circunstâncias do caso concreto, a análise do impacto psicológico nos infantes e sua vontade em ter, ou não, sua imagem exposta na internet, devem ser os fatores preponderantes no deslinde da controvérsia.

Em breve síntese, o (over)sharenting representaria, assim, o abuso de direito no tocante ao exercício da autoridade parental, podendo, em casos extremos, repercutir na possibilidade de perda da autoridade parental e de imputação de responsabilidade civil pelos danos e violações causados as crianças e adolescentes pela veiculação inadequada de seus direitos da personalidade, notadamente, o nome, imagem, privacidade e intimidade, com a finalidade de se preservar o adequado desenvolvimento físico e psicológico das crianças e adolescentes no ambiente virtual.

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Caio César do Nascimento Barbosa

 

Referências

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1. Tradução nossa: Mas os jovens não confiam apenas nos influenciadores, eles querem ser eles: 86% da Geração Z e da geração do milênio pesquisados ​​postariam conteúdo patrocinado por dinheiro, e 54% se tornariam um influenciador se tivessem a oportunidade, de acordo com o relatório da empresa de pesquisas Morning Consult, que pesquisou 2.000 americanos com idades entre 13 e 38 anos sobre a cultura do influenciador. (LOCKE, Taylor. 86% of young people say They want to post social media content for money. CNBC. 2019. Disponível em: https://cnb.cx/3DIpcpq. Acesso em: 21 maio 2021).

2. Acerca da temática recomenda-se a leitura de: MENEZES, Joyceane Bezerra de; MORAES, Maria Celina Bodin de. Autoridade parental e privacidade do filho menor: o desafio de cuidar para emancipar. Revista Novos Estudos Jurídicos. v. 20, n. 2, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3dsp5mY. Acesso em: 01 ago. 2021.

3. STEINBERG, Stacey B. Sharenting: Children’s Privacy in the Age of Social Media. Emory Law Journal, v.66, i.4, 2017, p.839-884. Disponível em: https://scholarship.law.ufl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1796&context=facultypub. Acesso em: 18 maio 2021. Nesse mesmo sentido, o dicionário Collins da língua inglesa define sharenting como “o uso habitual das redes sociais para compartilhar notícias, imagens, etc. dos filhos”. No original: “the habitual use of social media to share news, images, etc of one’s children.” (COLLINS DICTIONARY. Sharenting. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3BDVejM. Acesso em: 19 maio 2021).

4. AFFONSO, Filipe José Medon.  Little Brother Brasil: pais quarentenados, filhos expostos e vigiados. JotaInfo. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3qWySoG. Acesso em: 18 maio 2021.

5. AFFONSO, Filipe José Medon. (Over)sharenting: a superexposição da imagem e dos dados da criança na internet e o papel da autoridade parental. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado Teixeira; DADALTO, Luciana. Autoridade Parental: dilemas e desafios contemporâneos. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2021. [E-book]

6. AFFONSO, Filipe José Medon. (Over)sharenting: a superexposição da imagem e dos dados da criança na internet e o papel da autoridade parental. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado Teixeira; DADALTO, Luciana. Autoridade Parental: dilemas e desafios contemporâneos. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2021. [E-book]

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