Pacto antenupcial e contrato de namoro: uma análise dos Instrumentos nas relações afetivas

Pacto antenupcial e contrato de namoro: uma análise dos Instrumentos nas relações afetivas

Contrato de Namoro

Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo analisar comparativamente o pacto antenupcial e o contrato de namoro como instrumentos de expressão da autonomia privada1 nas relações afetivas contemporâneas. Embora ambos busquem oferecer segurança jurídica e proteção patrimonial, diferem quanto à natureza jurídica, efeitos e formalidades. O pacto antenupcial, previsto no Código Civil, é instrumento prévio ao casamento que define o regime de bens dos cônjuges. Já o contrato de namoro, visa afastar a caracterização da união estável, delimitando as intenções patrimoniais dos parceiros. De caráter qualitativo e exploratório, a pesquisa fundamenta-se em uma revisão bibliográfica, com o objetivo de identificar os limites entre afeto e patrimônio e avaliar esses instrumentos do Direito de Família Brasileiro.

Palavras-chave: Direito de Família; autonomia privada; pacto antenupcial; contrato de namoro; proteção patrimonial.

Introdução

O Direito de Família Brasileiro, historicamente pautado por valores tradicionais, tem acompanhado as transformações sociais e culturais que redefinem o conceito de afeto, convivência e patrimônio. A crescente valorização da autonomia privada nas relações afetivas trouxe novos instrumentos de regulação, entre os quais se destacam o pacto antenupcial e o contrato de namoro. O pacto antenupcial, disciplinado nos artigos 1.653 e seguintes do

Código Civil, é o meio legal pelo qual os nubentes2 podem escolher o regime de bens a ser adotado durante o casamento. Trata-se de um instrumento formal, de efeitos reconhecidos, que traduz a liberdade patrimonial dos cônjuges antes da união.

O contrato de namoro, por sua vez, surge como uma inovação da prática jurídica contemporânea, entretanto, ausente de previsão legal, seu objetivo é afastar a presunção de união estável e seus efeitos patrimoniais, deixando registrado que o relacionamento não possui caráter familiar.

O problema de pesquisa, portanto, consiste em compreender quais são as diferenças jurídicas e práticas entre o contrato de namoro e o pacto antenupcial enquanto instrumentos de proteção patrimonial, observando até que ponto ambos se mostram eficazes na prevenção de litígios e na expressão da autonomia da vontade.

A relevância do estudo reside no fato de que o Direito de Família, ao mesmo tempo em que tutela relações afetivas, precisa garantir segurança jurídica às partes e proteger o patrimônio individual diante de novas formas de convivência. Assim, o trabalho propõe uma análise crítica acerca desses dois institutos, para identificar seus limites e potencialidades no contexto atual.

Este trabalho se estrutura, primeiramente, com uma análise individual acerca do pacto antenupcial. Em seguida, aprofunda-se na análise individual do contrato de namoro. Por fim, é feita uma comparação crítica entre ambos, destacando as implicações jurídicas e práticas de sua utilização como formas de proteção patrimonial.

Pacto antenupcial

Entende-se por pacto antenupcial um contrato conjugal3 que é realizado antes do casamento pelo qual as partes pactuam o regime dos bens que vigorará no casamento. A sua composição deve levar em consideração a apresentação das partes, ou seja, seu RG, CPF, comprovante de residência, profissão, entre outros dados relevantes para descrever cada um deles. O pacto deverá ser feito antes do casamento. Se for depois, o casal precisará de autorização judicial para alterar o regime de bens. Via de regra, o contrato é destinado a casais que vão se casar e desejam escolher ou ajustar o regime de bens conforme suas necessidades e deverá ser feito antes do casamento.

No entanto, o pacto também acolhe outras temáticas além do regime de bens como a repartição de tarefas cotidianas, conforme explica a Professora Mariana Almirão: “Longe de ser um documento estritamente patrimonial, ele pode ser utilizado para regrar dia-a-dia do casal, eximir o cumprimento de deveres matrimoniais”4, ainda complementa explicando que:

No tocante ao dia-a-dia do casal seria possível estipular quem seria responsável por determinados afazeres domésticos (quem lava a louça, vai ao supermercado, passeia com o cachorro), cuidado com a prole, regras do que seria proibido fazer no lar conjugal (fumar, andar de sapatos pela casa, deixar roupa espalhada pelo chão).5

Após sua elaboração, o instrumento deverá ser reconhecido em Tabelionato de Notas, com posterior registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, a fim de produzir efeitos perante terceiros. Para fins patrimoniais, recomenda-se também o registro no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do casal. Caso o pacto contenha disposições de natureza empresarial ou societária, deverá ainda ser averbado na Junta Comercial competente6.  Ressalta-se que o pacto antenupcial somente terá validade se o casamento for celebrado dentro do prazo de 90 dias contados de sua lavratura em cartório7.

Entre as cláusulas que podem ser estipuladas, destaca-se a cláusula de traição, que busca impor consequências à infidelidade, mas que, na prática, só tem validade jurídica, se as atitudes forem especificadas e consequentemente quantificadas, sem esse feito, não será possível executar essa cláusula8. A cláusula de trabalho, por sua vez, pode prever a forma de contribuição de cada parte nas despesas domésticas e no sustento mútuo, sendo válida desde que preserve a igualdade entre os parceiros9.

Por fim, ressalta-se que cláusulas que tratam de direitos indisponíveis, como religião ou guarda unilateral de filhos, são nulas, pois violam normas constitucionais e princípios de ordem pública10. Da mesma forma, cláusulas consideradas óbvias11, como as que apenas reafirmam direitos já garantidos por lei, por exemplo, a guarda após a dissolução da união, são irrelevantes. Por razões éticas e de decoro, cláusulas de natureza sexual também não devem ser incluídas, pois são majoritariamente impossíveis de execução.

Contrato de namoro

Do outro lado, temos o contrato de namoro que nada mais é do que um acordo expresso entre as partes que tem por finalidade declarar que a relação entre o casal é apenas um namoro, sem intenção atual de constituir família ou união estável, ou conforme define Maria Berenice Dias são, “pactos por meio dos quais casais de namorados passaram a estabelecer convencionalmente a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade de seus respectivos patrimônios”.12

O objetivo principal do contrato de namoro é declarar a inexistência de intenção de constituir família, diferenciando o namoro da união estável e evitando efeitos patrimoniais indevidos. Como explica Maria Berenice Dias, “passou a ser decantada a necessidade de o casal de namorados firmar um contrato para assegurar a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade presente e futura do patrimônio.”13

Assim como no pacto antenupcial, é necessário conter a apresentação das partes, ou seja, seu RG, CPF, comprovante de residência, profissão, entre outros dados relevantes para descrever cada um deles. No restante do documento, teremos a declaração da vontade das partes que deverá ser divida por cláusulas e essas são em primeiro lugar a cláusula de reconhecimento da natureza da relação entre as partes, que trata-se de um namoro e que não há intenção de constituir uma família no momento da assinatura.

Assim como no pacto antenupcial, o contrato de namoro deve ser elaborado de forma particular ou por escritura pública, sendo necessário conter a apresentação das partes, ou seja, seu RG, CPF, comprovante de residência, profissão, entre outros dados relevantes para descrever cada um deles. No restante do documento, teremos  a declaração expressa de que o relacionamento é de namoro, sem intenção de constituir família; a previsão de incomunicabilidade patrimonial e eventualmente, uma cláusula de evolução, denominada cláusula darwiniana, que prevê que caso haja uma evolução do relacionamento passando a se configurar como união estável, as partes já estipularam livremente qual regime de bens pretendem adotar para o futuro14.

O momento ideal para a celebração do contrato de namoro é quando o casal inicia um relacionamento mais sério, mas ainda sem a intenção de constituir família.

Conforme afirma Maria Berenice Dias, o contrato de namoro é:

Para aqueles que namoram e admitem a possibilidade de que, um dia, seu relacionamento se torne uma união estável, mas não desejam se submeter às regras do regime da comunhão parcial de bens, é possível, como estratégia de planejamento patrimonial, firmar contrato de namoro com caráter de pacto anteconvivencial, fazendo a escolha pelo regime da separação de bens.15

Quanto ao local de formalização, o contrato pode ser feito em cartório de notas, por escritura pública, o que confere maior validade e segurança jurídica, especialmente se houver previsão de regime de bens ou casamento futuro. Maria Berenice Dias ainda acrescenta que, “firmado o contrato de namoro por escritura pública, havendo previsão de eventual casamento, com eleição do regime de bens, o documento assume a figura de pacto antenupcial.”16. Ou seja, caso haja estipulado no contrato sobre, o contrato de namoro poderá futuramente servir como pacto antenupcial para o futuro casal de noivos.

 

Conclusão

Diante do objetivo geral da pesquisa, que consistiu em compreender as diferenças jurídicas e práticas entre o pacto antenupcial e o contrato de namoro enquanto instrumentos de proteção patrimonial e expressão da autonomia privada nas relações afetivas, foi possível constatar que, embora ambos se fundamentam no princípio da liberdade contratual, possuem naturezas, finalidades e efeitos jurídicos distintos.

O pacto antenupcial, por ser formal e dotado de previsão legal expressa nos artigos 1.653 e seguintes do Código Civil, é reconhecido como instrumento legítimo para a estipulação do regime de bens no casamento, conferindo segurança jurídica aos cônjuges e eficácia perante terceiros. Já o contrato de namoro, de caráter atípico e sem previsão normativa específica, apresenta natureza meramente declaratória, voltada a afastar a presunção de união estável, sem, contudo, possuir a mesma força vinculante ou eficácia protetiva em relação ao patrimônio das partes.

Durante a pesquisa, observou-se que o contrato de namoro, apesar de refletir a autonomia privada e o desejo de individualização das relações contemporâneas, encontra limites na realidade fática, quando, a convivência preenche os requisitos do artigo 1.723 do Código Civil, a declaração de vontade das partes não é suficiente para afastar o reconhecimento da união estável e seus efeitos. Assim, sua validade dependerá da coerência entre o que é pactuado e o comportamento efetivo dos envolvidos.

Conclui-se, portanto, que embora ambos constituam expressões da autonomia privada, o pacto antenupcial tem por finalidade disciplinar os efeitos patrimoniais do casamento, ao passo que o contrato de namoro busca prevenir a configuração de uma união estável, delimitando a natureza afetiva da relação sem gerar efeitos jurídicos típicos dessa entidade familiar. Enquanto o primeiro se mostra consolidado como instrumento formal de organização patrimonial no casamento, o segundo ainda carece de reconhecimento uniforme, sendo mais uma manifestação preventiva da vontade do que uma garantia efetiva.

A principal contribuição deste estudo reside em demonstrar que a autonomia privada, embora amplamente valorizada, deve ser exercida dentro dos limites do ordenamento jurídico e em consonância com os princípios da boa-fé, da função social dos contratos e da proteção da dignidade das partes. Para pesquisas futuras, recomenda-se o aprofundamento da análise jurisprudencial sobre a aplicação prática do contrato de namoro, de modo a verificar como os tribunais têm interpretado sua validade diante de situações concretas.

 

Notas e Referências

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1. A autonomia privada é o poder conferido aos particulares para reger livremente seus próprios interesses, dentro dos limites estabelecidos pela lei.

2. Entende-se por nubentes as pessoas que estão prestes a se casar, ou seja, os noivos antes da celebração do casamento.

3.  DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 725.

4.  SOUSA, Mariana Almirão de. Pacto antenupcial. Magis – Portal Jurídico, 11 ago. 2022.

5. SOUSA, Mariana Almirão de. Pacto antenupcial. Magis – Portal Jurídico, 11 ago. 2022.

6. SOUSA, Mariana Almirão de. Pacto antenupcial. Magis – Portal Jurídico, 11 ago. 2022.

7. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 928.

8. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 730.

9. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 729.

10. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 729.

11.  Entende-se por uma cláusula óbvia, uma cláusula que reforça algo que, logicamente e legalmente, já se aplicaria à relação jurídica estabelecida entre as partes.

12. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 624

13. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 623

14. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 625

15. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 623

16. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2025. p. 625

 

Qualificação

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Isabella Bochenek Gonçalves

Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

João Victor Amaro Dinho

Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

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