No dia 26/04/2022 o Senado aprovou (em votação simbólica) um Projeto de Lei – PL apresentado pelo Relator Senador Inajá que uniu alguns dispositivos do Projeto de Lei no 3.825, de 2019,1 que disciplina os serviços referentes a operações realizadas com criptoativos em plataformas eletrônicas de negociação; com o Projeto de Lei nº 4.401, de 2021,2 que dispõe sobre a prestadora de serviços de ativos virtuais.
Destaca-se que embora tenha ocorrido uma união de dispositivos legais dos Projeto de Lei mencionados anteriormente, o projeto se manteve com o título de PL nº 4.401/21, e encontra-se disponível no Parecer nº 126, de 2022.3
Além da supramencionada união de dispositivos, o Projeto de Lei também incorporou as ideias de outros projetos, como é o caso do PL 3.949/2019,4 do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), e o PL 4.207/2020,5 da senadora Soraya Thronicke (União-MS).
Isto posto, após as alterações realizadas pela união entre projetos (que constam no Parecer nº 126, de 2022) o material legislativo segue para votação na Câmara dos Deputados, possuindo um grande potencial de se tornar a primeira Lei a versar sobre a regulamentação de criptoativos no Brasil.6 Por este motivo, o presente texto pretende analisar de forma crítica os principais pontos do Projeto de nº 4.401/2021 cujo texto foi alterado pelo Parecer nº 126, de 2022.
Inicialmente, o parágrafo único do art. 1º do PL traz que o disposto na Lei “[…] não se aplica aos ativos representativos de valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e não altera nenhuma competência da Comissão de Valores Mobiliários”.7 Todavia, cabe questionar se os ativos tokenizados (como é o caso da Vórtx QR Tokenizadora) estarão incluídos em tal regulamentação, vez que os mesmos já se encontram em operação com licença provisória concedida pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.8
Em seguida, o art. 2º do PL em análise dispõe que as prestadoras de serviço de ativos virtuais somente poderão funcionar com a autorização prévia de órgão ou de entidade administrativa a ser indicada pelo Poder Executivo. Deste modo, no presente momento não é possível vislumbrar qual órgão será o responsável, e nem mesmo quais as hipóteses e os parâmetros as prestadoras de serviço de ativos virtuais deverão seguir para conseguir a autorização de funcionamento no Brasil.
Cabe destacar que no art. 3º do PL que consta no parecer faz-se possível visualizar uma situação problemática, vez que tal artigo conceitua ativo virtual como uma representação digital de valor “[…]que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento, não incluídos: I – moeda nacional e moedas estrangeiras.”9
Nesse sentido, menciona-se que a Bitcoin (que é a criptomoeda precursora e com mais valor de mercado) na contemporaneidade se trata de uma moeda de curso forçado em El Salvador e na República Centro-Africana, portanto, podendo ser considerada como uma moeda estrangeira.10 Destarte, na interpretação literal do dispositivo, faz-se possível concluir que tal criptomoeda (a Bitcoin) ficaria excluída da égide do Projeto de Lei.
Ademais, o art. 4º do documento em análise cria diretrizes que deverão ser observadas pelas prestadoras de serviço, cabendo destacar: a segurança da informação e proteção de dados (inc. IV do art. 4º do PL); proteção e defesa de consumidores e usuários (inc. V do art. 4º do PL); e a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais (inc. VIII do art. 4º do PL).11
Por sua vez, o art. 5º (do PL) conceitua o prestador de serviços de ativos virtuais, como sendo a pessoa jurídica que:
[…] executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como: I – troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira; II – troca entre um ou mais ativos virtuais; III – transferência de ativos virtuais; IV – custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou V – participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.12
Já o art. 7º dispõe sobre as competências do órgão ou entidade reguladora (que deverá ser indicada em ato do Poder Executivo Federal), ressaltando que tal órgão irá:
I – autorizar funcionamento, transferência de controle, fusão, cisão e incorporação da prestadora de serviço de ativos virtuais. II – estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em prestadora de serviço de ativos virtuais e autorizar a posse e o exercício de pessoas para cargos de administração. III – supervisionar a prestadora de serviço de ativos virtuais e aplicar as disposições da Lei nº 13.506, de 13 de novembro de 2017, em caso de descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação; IV – cancelar ou suspender, mediante processo administrativo com o devido processo legal, as autorizações de que se trata os incisos I e II deste artigo, ressalvadas as garantias constitucionais de todos os envolvidos. V – dispor sobre as hipóteses em que as atividades ou operações de que trata o art. 3º desta Lei serão incluídas no mercado de câmbio ou em que deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País.13
Por sua vez, o art. 10 do PL acrescenta no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40) um novo crime, o crime de fraude com utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, com a seguinte redação:
Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.14
Além disso, o PL acrescenta dispositivos sobre ativos virtuais na Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro (Lei nº 7.492/86) e na Lei de Crimes de “lavagem” ou ocultação de bens (Lei nº 9.613/98).15
Por fim, o art. 15 do PL visa reduzir a zero as alíquotas dos seguintes tributos: Contribuição para o PIS/PASEP; Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS; Imposto de Importação; e Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Tal redução irá ocorrer para máquinas (hardware) e ferramentas computacionais (software) utilizadas nas atividades de processamento, mineração e preservação dos ativos virtuais de pessoas jurídicas que utilizarem em suas atividades “[…] 100% (cem por cento) de sua necessidade de energia elétrica de fontes renováveis e que neutralizem 100% (cem por cento) das emissões de gases de efeito estufa (GEE) oriundas dessas atividades”.16
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Pedro Alberto Alves Maciel Filho
Referências
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1. BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n° 3825, de 2019. Disciplina os serviços referentes a operações realizadas com criptoativos em plataformas eletrônicas de negociação. Brasília: Senado Federal, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3kHDuf8. Acesso em: 03 de maio de 2022.
2. BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n° 4401, de 2021. Dispõe sobre a prestadora de serviços de ativos virtuais; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 7.492, de 16 de junho de 1986, e 9.613, de 3 de março de 1998, para incluir a prestadora de serviços de ativos virtuais no rol de instituições sujeitas às suas disposições. Brasília: Senado Federal, 2021. Disponível em: https://bit.ly/38Rgese. Acesso em: 03 de maio de 2022.
3. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/3KMbjWZ. Acesso em: 03 de maio de 2022.
4. BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n° 3949, de 2019. Dispõe sobre transações com moedas virtuais e estabelece condições para o funcionamento das exchanges de criptoativos; e altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre lavagem de dinheiro, a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de capitais, e a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define crimes contra o sistema financeiro nacional. Brasília: Senado Federal, 2019. Disponível em: https://bit.ly/38S7gLj. Acesso em: 03 de maio de 2022.
5. BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n° 4207, de 2020. Dispõe sobre os ativos virtuais e sobre as pessoas jurídicas que exerçam as atividades de intermediação, custódia, distribuição, liquidação, transação, emissão ou gestão desses ativos virtuais, sobre crimes relacionados ao uso fraudulento de ativos virtuais, bem como sobre o aumento de pena para o crime de “pirâmide financeira”, e altera a Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998. Brasília: Senado Federal, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3LPvFQC. Acesso em: 03 de maio de 2022.
6. AGÊNCIA SENADO. Senado aprova mercado de criptomoedas com incentivo para energia renovável. 2022. Disponível em: https://bit.ly/38RgirY. Acesso em: 03 de maio de 2022.
7. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/37fuSJt. Acesso em: 03 de maio de 2022.
8. ALVES, Paulo. Primeira bolsa de ativos tokenizados com aval da CVM inicia operações no Brasil. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3KRXFBS. Acesso em: 03 de maio de 2022.
9. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/3vJ5wNB. Acesso em: 03 de maio de 2022.
10. BROWNE, Ryan. Central African Republic becomes second country to adopt bitcoin as legal tender. 2022. Disponível em: https://cnb.cx/3FgnHNH. Acesso em: 03 de maio de 2022.
11. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/3yj2123. Acesso em: 03 de maio de 2022.
12. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/3MLKrYo. Acesso em: 03 de maio de 2022.
13. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/3LKJsIb. Acesso em: 03 de maio de 2022.
14. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/3vG6sSW. Acesso em: 03 de maio de 2022.
15. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/3LMuP74. Acesso em: 03 de maio de 2022.
16. SENADO FEDERAL. Complementação de voto ao relatório apresentado no plenário sobre o Projeto de Lei nº 3825/2019. Disponível em: https://bit.ly/3FeOrhy. Acesso em: 03 de maio de 2022.