O processo penal passou por várias modalidades de persecução acusatória com o objetivo da aplicação de uma pena criminal, via de regra, corporal, por meio da prisão. Assim, a persecução penal se mostrou por muitos anos, lenta e morosa, tirando, inclusive, a credibilidade do Estado no combate ao crime organizado e a violência social.
À medida que a sociedade evoluiu, o processo penal se desenvolve de forma conjunta. Combinando as leituras da modernidade propostas por Bauman e Beck, a contemporaneidade é marcada por uma velocidade alucinante na troca de informações, um processo globalizante de unificação da economia (e da criminalidade) e uma realidade fluída e volátil (modernidade líquida). Nesse passo evolutivo, está incluído o processo penal.
Jesus María Silva Sánchez1 possui uma obra paradigmática na análise do processo penal, denominada “A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais”, em que o autor faz uma leitura do processo penal, através da interpretação da velocidade com que o processo tramita e alcança o seu fim, que seria a aplicação da pena.
O processo penal de primeira velocidade seria o modelo inicial de processo, pensado para crimes tradicionais como roubo, furto, homicídio, entre outros. Nesse modelo primário, o processo penal seria lento, respeitando ao máximo as garantias do contraditório e da ampla defesa, marcado pela demora em que se chega até um julgamento. Um exemplo disso no Brasil é o Tribunal do Júri, em que um processo pode levar uma década até o julgamento popular, marcado por uma grande demora, que culmina num ato em que é garantida a plenitude de defesa, que seria algo maior que a própria ampla defesa.
Após, passou-se para um processo penal de segunda velocidade, nesse caso, o Estado abdica da pena de prisão, em troca de um processo penal mais célere e eficiente. Assim, há uma divisão de tipos penais entre menor, médio e grande potencial ofensivo. Diante disso, para crimes menos graves o Estado teria alguns atalhos para aplicar a pena de forma mais célere, porém menos severa. Aqui, o exemplo é o advento dos Juizados Especiais Criminais e as figuras da transação penal, suspensão condicional do processo, penas alternativas, enfim, formas de que o Estado dispõe de aplicar penas, sem precisar aguardar todo o processo, moroso e com garantias fundamentais ao acusado.
Por fim, o processo penal de terceira velocidade é um processo muito mais célere, voltado para crimes graves, em que o Estado acusador dispõe de alternativas de aplicar penas severas, de forma muito rápida, a fim de combater uma nova modalidade de criminalidade: o crime organizado de nível global. Nesse modelo, o Estado julgador abusa de medidas cautelares, buscando uma aplicação rápida, mesmo que precária, de sanções de natureza criminal, como forma de aumentar a eficiência do processo penal.
Isso foi testemunhado na “Operação Lava-Jato”, em que todas as fase foram marcadas por prisões preventivas, medidas cautelares de sequestro de bens, busca e apreensão de objetos e outras formas de aplicação imediata de sanções de cunho penal. Houve, comprovadamente, um abuso de prisões preventivas. Há quem vincule a terceira velocidade do processo penal ao direito penal do inimigo, visto que ele serviria a uma espécie de lawfare, que seria útil contra adversários políticos. Embora não se discorde dessa hipótese, esse não é o escopo do presente artigo.
A prisão preventiva de investigados se mostra uma medida exagerada, de difícil manutenção judicial e abre todo um leque de recursos e medidas de impugnação (por excelência o habeas corpus), que a defesa passa a dispor, como forma de reverter a decisão que determina a segregação cautelar. É como se, ao prender preventivamente, a acusação criasse um atalho da defesa para os Tribunais, tanto a nível estadual, quanto às Cortes Superiores.
Isso deve ser pensado conjuntamente com o efeito “devolutivo” de um habeas corpus. Por exemplo, na hipótese de o acusado estar preso preventivamente em um processo maculado com uma prova nula; ao levar ao Tribunal a discussão da coação ilegal ao direito de ir e vir, com base em provas nulas, não é devolvido ao tribunal apenas os fundamentos da decisão preventiva, mas todo o debate em torna da validade da prova. Nesse exemplo, se o Tribunal declarar a prisão ilegal, é quase certo que a prova será declarada nula junto, liquidando a investigação e com um possível trancamento do processo.
Por outro lado, as medidas patrimoniais cautelares não padecem do mesmo problema, pois não se admite, em tese, habeas corpus, para a defesa do patrimônio. Assim, começa-se a testemunhar o fenômeno da patrimonialização do processo penal, marcado pelo “crescente alcance patrimonial das políticas e instrumentos de combate ao crime”2 em que se busca “[…] atingir o patrimônio do agente criminoso como um fim em si mesmo, não mais como um mero adicional às penas privativas de liberdade, e sim de forma a ensejar tamanha perda patrimonial que se desencoraje tão somente por isso a prática delituosa.”.3
Dessa forma, o foco do processo deixa de ser a aplicação da pena corporal, através da prisão principalmente, e o objetivo passa a ser a restrição patrimonial do investigado. Nesse ponto, as empresas precisam começar a se atentar.
Desde o princípio, o processo penal previu hipóteses de restrição patrimonial dos investigados. O Código de Processo Penal Brasileiro dedica o capítulo IV, arts. 125 a 137, às medidas assecuratórias reais. Assecuratórias, porque visam assegurar algum aspecto vinculado a pena criminal, e reais pelo fato que recaem sobre o patrimônio dos investigados ou acusados.
As hipóteses são divididas em: o sequestro (artigos 125 a 132); a hipoteca legal (artigos 134 e 135); e o arresto (artigos 136 a 137). A natureza assecuratória delas decorre de duas razões: assegurar o cumprimento do efeito da condenação, qual seja, a perda do produto do crime (no caso do sequestro); ou garantir a reparação do dano causado pelo ilícito, além de eventuais custas e multas (no caso da hipoteca legal e do arresto).4
O fio condutor dessas hipóteses sempre foi a origem ilícita dos bens em questão. Logo, tradicionalmente se exigia uma carga probatória muito pesada, para uma fase tão inicial do processo, a fim de que uma garantia de sequestro fosse estabelecida antes de uma prisão preventiva, por exemplo.
No entanto, com o advento do pacote anticrime, Lei Federal n. 13.964/2019,5 foi inserido o art. 91-A no Código Penal, que prevê a possibilidade da decretação de perdimento de bens que correspondam a diferença entre o patrimônio lícito do acusado e o que ele, em tese, tenha adquirido com os proventos dos crimes:
“Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.
4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.
5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.”
Diante disso, surgiu uma medida aritmética: a acusação calcula qual seria o rendimento dos ilícitos e subtrai o que seria o patrimônio oriundo dos rendimentos lícitos do acusado; dessa diferença, o Juiz pode decretar a perda dos bens. Assim, mesmo que a acusação não prove a origem ilícita dos bens x, y ou z, o simples fato de os mesmos serem incompatíveis com a renda lícita do acusado, já será suficiente para o perdimento.
Essa hipótese abriu um novo campo para a interpretação das medidas assecuratórias, pois ampliou o conceito de reparação do dano e dos bens frutos da infração, de forma artificial. Ou seja: não é necessária prova cabal da origem ilícita do patrimônio, basta essa operação aritmética da diferença entre a renda lícita e os proventos do crime, para que seja decretada a perda dos bens.
A legislação penal especial também passou por um processo de maturação. Por exemplo, na Lei de Drogas houve a inserção do art. 63-F, de redação muito semelhante6 ao art. 91-A, do CP. Na Lei Federal n. 12.850/2013,7 Lei de Combate ao Crime Organizado, o seu art. 4º, IV, coloca com um dos objetivos da colaboração premiada a: “a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;”. Ainda, a Lei Federal n. 9.613/1998,8 prevê a possibilidade do sequestro de bens que sejam instrumentos, proventos ou produtos de crime:
“Art. 4o O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.
1o Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
2o O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal.
3o Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1o.
4o Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.”.
O único requisito para o sequestro é que existam indícios suficientes da infração penal, e mais nada. O artigo ainda refere medidas assecuratórias de bens, de forma genérica, permitindo assim que sejam aplicadas as medidas de sequestro, arresto ou hipoteca legal, de acordo com o pedido do Ministério Público. O parágrafo segundo, do artigo acima citado, até autoriza o juiz a determinar a liberação parcial ou total dos bens, contando que o acusado comprove a origem lícita dos bens, mas poderá manter a constrição do valor necessário para a reparação dos danos e ao pagamento de prestação pecuniária, multas e custas, decorrentes do ilícito, independentemente da origem.
Acontece que, no curso de uma medida cautelar, a defesa não dispõe de meios de produzir provas da eventual origem lícita de um bem. Logo, salvo uma prova pré-constituída e quase impossível de existir (exceto se encontrar um investigado muito prevenido), não se tem como atender a esse ônus probatório, que sequer deveria ser da defesa, considerando a presunção de inocência.
As empresas devem se atentar a essa nova realidade, porque cotas sociais e ações de determinada corporação, podem ser objetos de sequestro. Além disso, o Ministério Público pode vincular à investigação no sentido de teorizar que a pessoa jurídica foi utilizada para lavagem de dinheiro, v.g., e convencer o Juízo a autorizar o sequestro de bens da empresa, interpretando como eles sendo instrumentos, produtos, ou proveito, da infração penal. Basta que haja indícios de que os investigados cometeram crimes de lavagem de capitais e que a empresa seja parte dessa empreitada criminosa. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou com esse entendimento:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO QUE DECRETOU O SEQUESTRO DE BENS PROVENIENTES DA PRÁTICA DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. NÃO CABIMENTO DO WRIT. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 267/STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. In casu, o agravante foi denunciado na origem pelo Ministério Público Federal pela suposta prática dos delitos de gestão fraudulenta e temerária, tipificados no art. 4º, caput e parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986, no âmbito de esquema de desvio de verbas de fundos de pensão, tendo sido decretada a constrição de seus bens com base no art. 126 do CPP. 2. Nos termos do art. 5º, inciso II, da Lei n. 12.016/2009, e do enunciado n. 267 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não cabe mandado de segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo. 3. A decisão que decretou o sequestro dos bens desafia recurso próprio, qual seja, a apelação do art. 593, II, do CPP, que, em regra, possui efeito suspensivo. 4. Mesmo que se flexibilize esse entendimento, não se infere nenhuma ilegalidade ou teratologia da decisão combatida, que concluiu fundamentadamente pela presença dos requisitos para a decretação do sequestro, em consonância com o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior de que, “tendo o magistrado de origem considerado que existiam indícios suficientes de que as pessoas jurídicas teriam se beneficiado direto e economicamente com tais práticas delitivas, mostra-se plenamente possível a contrição de seus bens. Dessa forma, é possível identificar a vulneração dos arts. 125 e 126, ambos do Código de Processo Penal, sem necessidade de se realizar reexame fático, motivo pelo qual não há se falar em óbice do enunciado n. 7 da súmula desta Corte” (AgRg no REsp n. 1.712.934/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/2/2019, DJe de 1º/3/2019). 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RMS n. 71.052/DF, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 8/5/2025.) Sem grifos no original.
Voltando ao processo penal, essa é uma alternativa muito interessante à acusação, pois cria a possibilidade de constranger e prejudicar o investigado, de forma antecipada, sem a necessidade de uma prisão preventiva, que abriria o caminho para um habeas corpus, muito mais célere e útil à defesa.
Isso porque, o Código de Processo Penal sequer prevê uma medida específica de impugnação a uma cautelar de sequestro. Ao analisar o CPP, o art. 130, diz que o sequestro poderá ser embargado em duas hipóteses:
“I – pelo acusado, sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da infração;
II – pelo terceiro, a quem houverem os bens sido transferidos a título oneroso, sob o fundamento de tê-los adquirido de boa-fé.
Parágrafo único. Não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória.”
Todavia, o parágrafo único liquida com a intenção dos embargos, visto que condiciona qualquer decisão neles ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não se pode olvidar que não existe no processo penal a figura da tutela antecipada, ou seja, é necessária uma grande construção defensiva em torno da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, e uma forte argumentação, no sentido de que caberia o levantamento liminar do sequestro. Assim, é preciso um esforço hermenêutico muito grande, para driblar o art. 130, do CPP.
Isso torna os embargos ao sequestro letra morta na legislação, porque no art. 386, parágrafo único, II, do CPP, já consta como efeito automático da sentença absolutória a cessação das medidas cautelares. Por outro lado, o art. 387, IV, do CPP, já determina que seja fixado na sentença penal condenatória o valor da reparação de eventual dano do crime, bem como o artigo deve ser lido conjuntamente com o art. 91-A, do CP, logo, a sentença condenatória deverá se pronunciar sobre a perda dos bens. Enfim, o art. 130 do CPP não possui utilidade prática, pois o trânsito da sentença penal deve resolvê-lo independentemente da sua oposição, e a defesa não possui um meio de impugnação contra as medidas cautelares reais, sendo essa uma grave lacuna legislativa, que deve ser sanada em algum momento.
O habeas corpus, por essência, é uma medida de impugnação que visa garantir o direito à liberdade, ou seja, impugnar a coação ilegal ao direito de ir e vir, ou o risco de coação a esse direito (habeas corpus preventivo). Apesar de a jurisprudência muitas vezes alargar o objeto do habeas corpus, para análises de nulidades e outras hipóteses, o seu cabimento é bem estreito e a tendência dos tribunais é restringir cada vez mais o alcance do remédio heroico.
Nesse sentido, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. LEVANTAMENTO E DESBLOQUEIO DE ATIVOS SEQUESTRADOS. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Questão trazida na presente impetração – acerca do levantamento e desbloqueio dos ativos sequestrados em conta da empresa – que não foi alvo de cognição pela Corte estadual porque já havia sido alvo de apreciação em impetração anterior e não conhecida por inadequação da via eleita. Tal situação obsta o exame da matéria diretamente por este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. 2. “Ambas as Turmas de Direito Penal do STJ têm o entendimento de que a discussão relativa à necessidade de levantamento de sequestro de bens, determinada em desfavor do paciente, refoge ao âmbito do habeas corpus, uma vez que a suposta ilegalidade não atinge, ainda que de maneira reflexa, o direito de ir e vir do acusado.” (AgRg no HC n. 821.071/MG, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023). 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 188.663/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 21/3/2024.) Sem grifos no original.
Com efeito, não há um caminho curto para que a defesa alcance uma instância recursal, frente a decisão que decretou o sequestro de bens. Assim sendo, admite-se um pedido genérico, junto ao juízo de primeiro grau, de levantamento do sequestro de bens. Contudo, essa é uma medida que não passa de um mero pedágio, para a interposição de um recurso, a fim de se evitar a supressão de instância. Isso porque, será muito difícil convencer o mesmo julgador que decretou o sequestro de bens, a voltar atrás na própria decisão. Quem está no dia-a-dia forense sabe que o juízo de retratação é basicamente letra morta na legislação.
Da decisão que indefere esse pedido de levantamento de sequestro cabe Recurso de Apelação ao Tribunal, com base no art. 593, II, do CPP, segundo o STJ:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DO STJ QUE INDEFERIU PEDIDO DE LIMINAR. SEQUESTRO DE BENS E VALORES. OPERAÇÃO PARAÍSO FISCAL. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS E DE PERICULUM IN MORA. UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO INTERPOSTO. SÚMULAS 267/STF E 202/STJ. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA DA SENTENÇA QUE MANTÉM A CONSTRIÇÃO DOS BENS DIANTE DE EVIDÊNCIAS DE SUA AQUISIÇÃO ILÍCITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. É inadmissível o manejo do mandado de segurança como meio de impugnar sentença que mantém a constrição de bens arrestados no bojo de ação penal, se tal tipo de decisão pode ser impugnada por meio da apelação prevista no art. 593, II, do CPP, que, de regra, admite o efeito suspensivo, tanto mais quando há informações nos autos de que a defesa dos recorrentes interpôs apelação ainda pendente de julgamento. Precedentes do STJ. […] (AgRg no RMS n. 75.530/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 10/3/2025.).” Sem grifos no original.
Portanto, para combater uma medida cautelar o acusado deve utilizar de um rito, praticamente, ordinário. Dessa maneira, a acusação consegue coagir o investigado, sem precisar prendê-lo preventivamente, mas privando-o de seus bens. Salutar foi a inclusão do art. 24-A, na Lei Federal nº 8.906/94 (EOAB), que obriga a liberação de 20% dos valores sequestrados, acaso a totalidade dos bens do investigado seja bloqueada, para o custeio da defesa. Se não fosse essa disposição legal, o investigado poderia ficar privado até de recursos para custear o advogado e outras diligências defensivas, envolvendo a produção de provas periciais, por exemplo.
A patrimonialização do processo penal é um fenômeno com bases já bem sedimentadas na legislação, mas com uma aplicação prática muito recente. Partindo-se de uma interpretação de processo penal conforme teoria dos jogos (Alexandre Moraes da Rosa), perceber-se-á que é muito mais vantajoso à acusação, requerer cautelares patrimoniais que vão, efetivamente, lesar o investigado, sem abrir a possibilidade do habeas corpus, do que pedir a prisão preventiva e criar um atalho defensivo às instâncias recursais.
Por outro lado, não se pode olvidar que o Ministério Público pode requerer a combinação do sequestro de bens com as medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319, do CPP, podendo ser medidas brandas (apreensão do passaporte e proibição de se ausentar da comarca) até medidas mais agressivas (recolhimento noturno ou monitoramento eletrônico). Tudo isso são formas de driblar a prisão preventiva, mas manter um caráter autoritário no processo penal, restringindo direitos e garantias fundamentais do investigado ou acusado.
Diante de todo o exposto, o escopo desse artigo era demonstrar como as medidas assecuratórias reais começaram a ser amplamente utilizadas no processo penal brasileiro. Como dito acima, o próprio Superior Tribunal de Justiça admite que bens de pessoas jurídicas (penalmente inimputáveis) sejam objeto de sequestro de bens, bastando que haja indícios de envolvimento na infração penal.
Esse fato abre todo um novo campo de atuação para os departamentos de compliance se atentarem. As medidas de conhecer seu sócio e conhecer seu acionista ganham especial relevância, visto que é imprescindível se ter certeza de que eles não estão envolvidos em nenhum tipo de atividade criminosa, que possa refletir na pessoa jurídica em questão.
O fato é que, possivelmente, se testemunhará um avanço no uso de medidas de constrição de patrimônio, como forma cautelar no processo penal, e os departamentos de ESG e compliance das empresas devem prestar muita atenção a esse novo movimento, pois os prejuízos à pessoa jurídica podem ser enormes, do ponto de vista financeiro, talvez até irreparáveis, por culpa da conduta irresponsável de algum sócio ou acionista.
Referências
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1. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós industriais. Tradução de Luiz Otavio de Oliveira Rocha, 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
2. LUCCHESI, Guilherme Brenner; NAVARRO ZONTA, Ivan. Sequestro dos proventos do crime: limites à solidariedade na decretação de medidas assecuratórias. In. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, [S. l.], v. 6, n. 2, p. 735–764, 2020. Disponível em: link. Acesso em: 8 jun. 2025.
3. LUCCHESI, Guilherme Brenner; NAVARRO ZONTA, Ivan. Sequestro dos proventos do crime: limites à solidariedade na decretação de medidas assecuratórias. In. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, [S. l.], v. 6, n. 2, p. 735–764, 2020. Disponível em: link. Acesso em: 8 jun. 2025.
4. FREIRA, Marcelo Turbay. CHAVES, Álvaro Guilherme de Oliveira. Opinião: Processo penal: seguro garantia judicial em vez de sequestro de bens e valores. In. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Publicada em 14 jun. 2023. Disponível em: link. Acesso em: 08 jun. 2023.
5. Decreto-Lei n. 2.848/1941.Disponível em: link. Acesso em: 8 jun. 2025.
6. Lei Federal n. 11.343/2006.Disponível em: link. Acesso em: 8 jun. 2025.
7. Lei Federal n. 12.850/2013.Disponível em: link. Acesso em: 8 jun. 2025.
8. Lei de Lavagem de Capitais.Disponível em: link. Acesso em: 8 jun. 2025.