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Perspectivas sobre anticorrupção e risco internacional a partir dos novos desenvolvimentos recentes na França e o lawfare empresarial

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De início, vale lembrar que a França sempre teve uma reputação questionável no que diz respeito à aplicação de lei anticorrupção, e foi considerada um backbencher, ou seja, membros de um certo grupo ou Parlamento que tem menos poder e não participam da elaboração de leis que revolucionam o âmbito jurídico internacional. Com todo esse cenário, e especialmente após o número de grandes sanções aplicadas pelos Estados Unidos, a França adotou a sua própria lei como FCPA/Bribery Act, chamada “Sapin II”, em 2016, a qual prevê alguns avanços sobre o tema.

A mudança mais radical deslumbrada nesta lei é a imposição de algumas obrigações de compliance para empresas com mais de 500 funcionários em todo o mundo e um faturamento anual superior a 100 milhões de euros. Basicamente, essa obrigação de conformidade é monitorada pela Agência Anticorrupção da França (“AFA”), possibilitando a fiscalização e auditoria das empresas a qualquer momento. Como parte desta auditoria, a AFA avaliará o sistema de conformidade, fornecerá um relatório e poderá encaminhá-lo a um comitê de sanções que pode impor multas específicas a indivíduos e a empresa.

Não obstante, a AFA pode ajudar na implementação de programas de monitoramento, previsto em um novo artigo no Código de Processo Penal introduzido pela SAPIN II, artigo 41-1-2, o qual dispõe sobre o CJIP (“Convention judiciaire d’intérêt public”). A CJIP dá a oportunidade de pôr fim à acusação sem admitir culpa, com o pagamento de multa ou renovações no sistema de compliance da empresa. O grande ponto no CJIP é, claro, o valor da multa e como ela é calculada, e todo o processo de investigação e fiscalização envolvendo testemunhas etc., sendo que essa última parte tem um grande peso neste processo. Nesse sentido, há uma percepção que nos Estados Unidos (por exemplo), a margem de manobra do juiz que analisa o DPA é muito fraca. Na França, há o desenvolvimento de jurisprudência que mostra que a decisão de homologar, ou seja, aprovar o CJIP, não é passível de recurso, causando assim grandes problemas para as empresas que assumem a culpa e não tem a homologação do CJIP deferida.

Além disso e falando sobre extraterritorialidade da lei francesa, através da emenda aos artigos 435-1 a 435-4 do Código Penal francês, a Sapin II prevê a aplicabilidade da lei no caso de infrações relativas à corrupção e ao tráfico de influência praticados por agente público ou particular. O artigo 435-6-2 do Código Penal (também acrescido pela Sapin II), prevê que quando referidas infrações forem cometidas no estrangeiro por uma pessoa física ou jurídica francesa ou por uma pessoa que habitualmente resida ou que exerça a totalidade ou parte da sua atividade econômica em território francês, a lei pode ser aplicada. Ademais, a lei permite também a punição de um cidadão estrangeiro à frente de uma empresa à qual se aplica o Direito Penal Francês, o que já existia no combate às infrações penais relativas à atos de terrorismo, agressão sexual e proxenetismo.

À luz da Sapin II, diversas diretivas foram publicadas envolvendo empresas como JP Morgan (26 de agosto de 2021), Airbus (29 de janeiro de 2020), Google (3 de setembro de 2019), Société Générale (24 de maio de 2018) e o HSBC (30 de outubro de 2017).

Portanto, à luz da experiência francesa, verifica-se possível, por meio de inovações legislativas e de novas práticas que fortaleçam os sistemas persecutórios nacionais, a criação de instrumentos de defesa em relação ao uso do Foreign Corrupt Practices Act como instrumento de lawfare (“guerra jurídica”) empresarial.

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Lucas Ambrosio de Almeida

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