,

Podcasters on the Media: Sobre Liberdade de Expressão e Hate Speech

good-looking-stylish-smart-female-psychologist-with-dark-skin-white-collar-shirt-pants-touching-glasses-smiling-with-self-assured-expression-gazing

“Brazil’s Joe Rogan Faces His Own Firestorm Over Free Speech”.1 O título da reportagem veiculada pelo New York Times em 13 de fevereiro de 2022 certamente reascende debates na esfera jurídica sobre os limites da liberdade de expressão e suas consequências em um mundo notavelmente conectado.

Em tradução livre, “Joe Rogan do Brasil enfrenta sua própria tempestade em torno da liberdade de expressão” alude a dois famosos podcasters: o norte-americano Joe Rogan e o brasileiro Monark, figuras pivô na contextualização de depoimentos polêmicos que transcendem os limites da liberdade de expressão no contexto jurídico.

Joe Rogan é, provavelmente, o podcaster mais famoso do mundo, com seu programa “The Joe Rogan Experience”, faturando, em média estimada, cem mil dólares por episódio veiculado.2 No início de 2022, ganhou os holofotes dos jornais internacionais quando célebres artistas como Neil Young requisitaram ao Spotify a remoção imediata de suas músicas caso os controversos episódios do podcaster não fossem deletados da plataforma.

O motivo de indignação refere-se às constantes desinformações3 veiculadas por Joe Rogan em seu programa, em especial em relação as vacinas, em que o apresentador, em determinado episódio, declarou que a vacinação não seria necessária.4

O episódio, veiculado pelo Spotify em 31 de dezembro de 2021, tornou-se palco de críticas pela desinformação ampliada ao público – estima-se que seu Podcast receba, em média diária, 11 milhões de ouvintes –, embasada pelas fake news (como quando, em outras ocasiões, defendeu o uso de medicamentos não comprovados contra a Covid-19).5

Em resposta, um grupo de 270 cientistas dos EUA divulgou uma carta aberta ao Spotify criticando Joe Rogan pelo histórico preocupante de transmitir desinformação, e, sequencialmente, artistas solicitaram a retirada de suas músicas da plataforma.6

O caso gerou muitas controvérsias relacionadas à liberdade de expressão – garantida nos Estados Unidos pela First Amendment – e o debate à censura. Sendo um conceito jurídico de extrema força garantida pela própria população, que defende seu “direito de expressar o que quiser por ser um país livre”, a tônica do debate se traduz no contexto da expressão da opinião, ou seja, a possibilidade de expor seus pensamentos, que seria garantida constitucionalmente sem que exista censura de terceiros.

Neste sentido:

Nos Estados Unidos da América, a freedom of speech, ainda que não seja ilimitada, ocupa posição de evidente primazia, sendo admitida a sua restrição apenas em casos excepcionais. Fora dessas hipóteses de absoluta exceção, prevalece a liberdade de discurso. Essa liberdade, na construção jurisprudencial norte-americana, se estende, inclusive, a discursos ofensivos ou, mesmo, aqueles francamente inseridos no conceito de discursos de ódio.7 

A reflexão norte-americana sobre os limites da liberdade de expressão se aparta dos avanços brasileiros em relação à temática, em parte pelo próprio contexto cultural, sendo que o caso não é novidade em termos da “escolha de Sofia” norte-americana, uma vez que grandes empresas precisam tomar uma decisão em resguardar a liberdade de opinar (por mais que deturpada) ou retirar conteúdos ilícitos, ofensivos, falsos ou apelativos.

O próprio governo de Joe Biden incentiva a retirada de conteúdos de mídias sociais que sejam permeados pelas fake news e desinformação, medida que empresas como o Facebook e o Instagram já atuam, em linha vanguardista, mas, sempre, com opositores que entendem ser a retirada uma forma plena de censura.

Contudo, a experiência brasileira na temática é outra, com atuações de caráter preventivo e repressivo nos casos em que indivíduos, ao violarem padrões éticos, morais ou jurídicos, são avisados de que a liberdade de expressão possui, sim, limites no ordenamento jurídico pátrio, não sendo revestida de caráter absoluto.

A título exemplificativo, a própria plataforma do Twitter possui direcionamentos e regramentos internos que visam pela retirada de conteúdos de caráter falso ou desinformativo em relação ao coronavírus, sendo que o próprio Presidente Jair Bolsonaro teve publicações apagadas por violar esse imperativo.8

Voltando ao ponto inicial da discussão, em fevereiro de 2022 o podcaster e influencer Monark (Flow Podcast) defendeu que nazistas deveriam ter um partido político reconhecido por lei no Brasil. Em defensiva, durante entrevista para o New York Times, o influenciador apontou, em síntese, que estava defendendo a liberdade de expressão como assegurada na Primeira Emenda dos Estados Unidos.

A liberdade de expressão no direito brasileiro, contudo, possui limites, não sendo encarada em amplitude formal. Assim, se a chamada “opinião” ofender indivíduos ou grupos, ou se perfazer de mero discurso de ódio (hate speech), não pode ela ser alçada ao status de direito fundamental, posto que seria perfeitamente restringível nas situações em que a manifestação não observe os limites impostos pela Constituição Federal.

Neste sentido, temos que a fala do influenciador poderia ser encarada como “hate speech”, prática que

“[…] fomenta ideias e valores preconceituosos, que em nada acrescem a um civilizado debate inerente às deliberações democráticas das liberdades de opinião e de expressão, desviando-se de qualquer espécie de racionalidade comunicativa e servindo apenas como ultraje à dignidade da pessoa humana de pessoas ou grupos minoritários”.9 

Em leitura analítica do caso, sob o olhar do ordenamento jurídico brasileiro, é perfeitamente possível que, no âmbito civil, Monark seja responsabilizado por sua fala, sendo relevante destacar a figura do dano social como instrumento hábil a ensejar tal reparação.

De acordo com Michael César Silva e Glayder Daywerth Pereira Guimarães:10

Tem-se que a diferenciação nuclear entre o dano social e o dano individual reside nos sujeitos lesionados por determinada conduta. Enquanto, o dano individual apresenta uma violação ao aspecto do direito individual, sendo a vítima determinada, o dano social apresenta uma violação ao aspecto do direito difuso, sendo as vítimas indeterminadas ou indetermináveis.

Neste sentido, é proposto que, nestes casos de condutas socialmente reprováveis por parte de personalidades digitais, que configuram verdadeiras lesões à sociedade, no seu nível de vida, pelo rebaixamento de seu patrimônio moral e pela própria diminuição na qualidade de vida (fomentada pelo discurso de ódio), com os danos sendo auferidos pelas condutas de incentivo a práticas discriminatórias, desrespeito a medidas sanitárias e desinformação quanto a vacinação, etc., sendo assim objeto de Ações Civis Públicas, visando não apenas uma “compensação financeira” (a ser revertida em favor do Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos – FID, previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85 e nas Leis Estaduais nº 6.536/89 e nº 13.555/09), mas também uma punição pedagógica que previna a propagação futura de tais discursos que se escondem sob o manto da liberdade de expressão.

No Brasil, a leitura do Supremo Tribunal Federal sobre a liberdade de expressão aponta, de modo coerente com o que emerge do texto constitucional, uma “posição preferencial”, prima facie, ainda que relativa, que pode ceder a posteriori, na constatação de violação de outros direitos. Trata-se do pressuposto que serve de alicerce à vedação à censura prévia à expressão do pensar, mas não descura da resposta coerciva posterior, em caso de violação a outros direitos fundamentais, por meio do abuso da liberdade de expressão.11 

Destarte, no campo civil a alternativa é plenamente viável não apenas para que tais atos sejam rechaçados por todas as funções da responsabilidade civil – caráter reparatório, pedagógico/punitivo e precaucional –, mas também para que tais opiniões alcancem seu verdadeiro fim: a irrelevância.

____________________

Caio César do Nascimento Barbosa

 

Referências

________________________________________

1. NEW YORK TIMES. Brazil’s Joe Rogan Faces His Own Firestorm Over Free Speec. Disponível em: https://www.nytimes.com/2022/02/13/world/americas/brazil-aiub-monark-free-speech.html. Acesso em: 15 fev. 2022.

2. WESTERN, Dan. Joe Rogan Net Worth. Disponível em: https://bit.ly/3N9kR0D. Acesso em: 15 fev. 2022.

3. BBC NEWS. Joe Rogan: as afirmações falsas em podcast que geraram pressão contra Spotify. Disponível em: https://bbc.in/3tvFz38. Acesso em: 18 mar. 2022.

4. Inclusive, o Presidente da República Federativa do Brasil, Jair Bolsonaro, declarou apoio ao podcaster em mensagem no Twitter. Ver mais em: O TEMPO. Bolsonaro cita liberdade de expressão para defender podcaster Joe Rogan. Disponível em: https://bit.ly/3KU6LhM. Acesso em: 15 fev. 2022.

5. BBC NEWS. Joe Rogan: as afirmações falsas em podcast que geraram pressão contra Spotify. Disponível em: https://bbc.in/3IuKhlJ. Acesso em: 18 mar. 2022.

6. ESPN. Médicos pedem ação contra Joe Rogan por ‘desinformação’ sobre COVID-19. Disponível em: https://bit.ly/3wngUiY. Acesso em: 21 fev. 2022.

7. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Liberdade de expressão, responsabilidade civil e discurso de ódio. Portal Migalhas. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3ubLuJE. Acesso em: 15 fev, 2022.

8. G1. Twitter apaga publicações de Jair Bolsonaro por violarem regras da rede. 2020. Disponível em: http://glo.bo/3qse2xp. Acesso em: 15 fev. 2022.

9. ROSENVALD, Nelson. O Hate Speech e Mein Kampf no Domínio Público. Disponível em: https://bit.ly/3uf0iqU. Acesso em: 21 fev. 2022.

10. GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. Fake news, pós-verdade e dano social: o surgimento de um novo dano na sociedade contemporânea. Revista Jurídica Luso Brasileira. a. 7, n. 3, p. 892, 2021.

11. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Liberdade de expressão, responsabilidade civil e discurso de ódio. Portal Migalhas. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3ubLoBM. Acesso em: 15 fev, 2022.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio