A presente coluna terá como foco principal explicar didaticamente o que é a segurança jurídica. Por meio do seu conceito se buscará responder uma pergunta muito recorrente dentre os que não detêm conhecimento jurídico, mas têm curiosidade para entender certas questões. Será interessante a leitura porque ajudará a compreender alguns conceitos úteis essenciais, indispensáveis para discutir alguns assuntos atualmente em voga no Supremo Tribunal Federal, dentre eles, a imprescritibilidade de ações indenizatórias por danos decorrentes de atos de perseguição política durante o regime militar, que será o tema da próxima coluna.
É preciso desde logo destacar que um dos princípios basilares do sistema jurídico brasileiro é o da segurança jurídica, também chamado de proteção à confiança. A partir dele se pode ter a certeza de que determinados assuntos não serão discutidos após algum dado momento. Dessa forma, estabilizam-se certas situações pelo fato de terem permanecido imutáveis após o decurso do tempo, ou de práticas que traduzem confiança e que sejam incompatíveis com mudanças repentinas no que se tinha por certo.
Suponhamos a seguinte situação: o Sr. José mora numa casa grande com duas vagas de garagem, mas não tem carro e o espaço fica sempre livre. Por isso, deixa que João, seu vizinho, comece a guardar o carro no quintal. Ocorre que num dia de muita neblina João não enxerga bem e avança com o carro sobre uma máquina de lavar que estava próxima à garagem. Envergonhado, ele prontamente envia uma mensagem por “whatsapp” se dispondo a arcar com o prejuízo, no entanto, o Sr. José visualiza e não o responde.
Os dois vivem nessa situação de harmonia por dez longos anos, João não foi cobrado pelo incidente e continua a guardar o carro no quintal, desse modo, acha que a dívida está perdoada. Como a vida é feita de altos e baixos, num determinado dia o Sr. José fica desempregado, agora com dificuldades financeiras resolve o obrigar a pagar pelo estrago feito na máquina de lavar.
Eis então a seguinte dúvida: após 10 anos do ocorrido, o Sr. José ainda poderá cobrar pelo prejuízo que lhe foi causado?
É fato que o Sr. José poderia ter aceitado de João um ressarcimento pelos danos causados à máquina de lavar. Todavia, como nunca aceitou a oferta, foi criado em João uma expectativa de solidariedade, assim, surgiu um direito à proteção da confiança. Em outras palavras, mesmo tendo tido algum dia o direito de ser indenizado pelos danos à máquina de lavar, não poderá mais cobrar.
Como nenhum direito é eterno, o atributo de reclamar o contrário de uma situação já estabilizada sempre terá um prazo. Com o decurso do tempo é necessário dar por estáveis algumas circunstâncias, de forma a torná-las perfeitas e não mais passíveis de discussão. O mesmo acontece em todos os aspectos jurídicos, por conta do princípio da segurança jurídica.1
Como já foi sublinhado em estudos modernos sobre o tema, o princípio em tela comporta dois vetores básicos quanto às perspectivas do cidadão. De um lado, a perspectiva de certeza, que indica o conhecimento seguro das normas e atividades jurídicas, e, de outro, a perspectiva de estabilidade, mediante a qual se difunde a ideia de consolidação das ações administrativas e se oferece a criação de novos mecanismos de defesa por parte do administrado, inclusive alguns deles, como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, de uso mais constante no direito privado.2
Via de regra, todas as pretensões, direitos, ações judiciais (…) prescrevem. Passamos então a analisar o prazo para processar o Estado por conta de algum fato que tenha diretamente gerado dano a qualquer cidadão brasileiro. Conforme o art. 1º do Decreto 20.910/1932, qualquer indivíduo que queira processar o Estado deverá fazê-lo no prazo máximo de cinco anos.3
As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.4
Vimos acima no exemplo de João e o Sr. José que o direito de reclamar sobre os danos sofridos tem prazo de validade, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica. Trazendo a discussão para a esfera pública, quando se tratar de fato cujo ofensor não seja um particular, mas o Estado, a mesma lógica entrará em ação. Passados cinco anos, o ofendido não poderá mais cobrar do Estado qualquer dívida ou indenização por dano que tenha sofrido.
Se o Sr. Euclides, de 75 anos, estiver caminhando numa típica calçada brasileira, (desnivelada e com buracos) der um passo em falso, levar um tombo e quebrar o joelho, poderá processar o Estado,[5] mas deverá considerar o prazo quinquenal.
Há algumas situações excepcionais que permitem a mitigação desse prazo, como a necessidade de proteção de alguns direitos mais importantes. Na próxima coluna de Direito Constitucional Popularizado faremos um estudo complementar sobre essa possibilidade, trataremos do direito à indenização por dano decorrente de perseguição política durante o regime militar.
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Referências
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1. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 318.
2. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 213.
3. Cumpre ressaltar que em janeiro de 1999 foi editada a Lei n.º 9.784, mais nova que o Decreto 20.910/1932, que repetiu o prazo quinquenal de prescrição.
4. BRASIL. Decreto 20.910/1932. Regula a prescrição quinquenal. Disponível em: https://bit.ly/3QYBIoZ. Acesso em: 30 jun. 2022.
5. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. Art. 37, §5º.