Prescrição e decadência dos benefícios previdenciários à luz dos entendimentos recentes do STF e STJ

Prescrição e decadência dos benefícios previdenciários à luz dos entendimentos recentes do STF e STJ

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Uma grande dúvida dos advogados previdenciários (e até dos segurados do Regime Geral de Previdência Social – RGPS) é se existe, de fato, prescrição e/ou decadência para requerer os benefícios do INSS.

Imagine a seguinte situação: uma pessoa tem direito a uma Pensão por Morte como dependente, mas demora para requerer o benefício.

Será que esta demora pode afetar o direito ao benefício do segurado em conta dos institutos da prescrição e decadência?

Bom, para relembrarmos as nossas aulas de Direito Civil, vou deixar a definição, em linhas simples, de prescrição e decadência.

Segundo Rodolfo Filho e Pablo Gagliano, a prescrição é a extinção à prestação devida.1

Nesse sentido, cabe dizer que o direito continua existindo na relação jurídica no âmbito material.

Já a decadência se refere à perda efetiva de um direito pelo que seu não exercício no prazo estipulado.2

Simplificando, a prescrição ocorre quando é extinta a pretensão de uma prestação não cumprida, enquanto a decadência é a perda do fundo de direito, pelo decurso do prazo legal.

Lembra, agora há pouco, quando falei que na prescrição a relação jurídica no âmbito material continua existindo?

Pois então, no âmbito previdenciário, isso ocorre quando um segurado tem direito ao valor das parcelas vencidas, mas demora certo tempo para requerer o benefício (prestação não cumprida), por exemplo.

Desta forma, caso prescrito, o que o segurado perderá são alguns valores destas parcelas, não o direito ao benefício em si.

Ou seja, a relação jurídica material continua existindo, mas ficou prescrita a pretensão de uma prestação não cumprida.

No exemplo citado, o segurado perdeu o direito de receber o valor de parcelas vencidas pelo fato da demora na solicitação do benefício.

No caso da decadência, este instituto não é aplicado no requerimento inicial do benefício previdenciário, por se tratar de um direito fundamental.

Esse é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)3 que considero ser bastante correto (pelo menos até o julgamento que falarei daqui a pouco).

Seria bastante injusto os segurados possuírem determinado prazo para entrar com o pedido do benefício após reunidos os requisitos para a sua concessão, concorda?

Seriam muitas variáveis que poderiam ocorrer no caso concreto que fariam decair o direito das pessoas.

Imagine o caso de alguém que crê que não tem direito à uma aposentadoria, mas, na verdade, já poderia estar aposentado há mais de 5 anos.

Seria correto a aplicação do instituto da decadência neste caso?

Ou até outro exemplo melhor: uma pessoa reúne os requisitos para a aposentadoria, mas quer continuar trabalhando para receber um valor melhor de benefício.

O segurado pode ficar a mercê de um prazo decadencial para poder satisfazer o seu direito à uma aposentadoria que nem sequer foi concedida ainda? Na minha visão, não.

Na verdade, o que existe no Direito Previdenciário é a decadência do prazo para a revisão do benefício.

Mas veja bem a diferença: no caso da revisão, o benefício já foi concedido e está sendo pago.

O direito material afetado, neste caso, seria a pretensão do segurado pedir a revisão do benefício para poder incluir eventuais períodos de recolhimento com o objetivo de aumentar a aposentadoria, por exemplo.

Neste caso, o prazo decadencial para a revisão do benefício inicia com a concessão do benefício.

É correta a aplicação deste instituto neste caso, uma vez que a segurança jurídica deve restar demonstrada, tanto para o segurado quanto para o INSS, pois, após esgotado o prazo, encerra eventuais direitos inerentes àquele benefício.

Dito isso, não existe qualquer tipo de prazo para o requerimento de concessão ou até mesmo de restabelecimento dos benefícios previdenciários.

Seguindo em frente, vou explicar mais sobre o que a lei que rege os benefícios do RGPS fala sobre a prescrição e decadência.

Segundo o art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, “prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”.4

Este entendimento é consolidado pela Súmula 85 do STJ, que cita: “nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”.5

Veja que fica evidente que a prescrição atinge somente as prestações vencidas superiores a 5 anos.

Já o prazo decadencial da revisão dos benefícios previdenciários é exposto no caput do art. 103 da Lei 8.213/1991, que cita: “o prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos […]”. [6].

Pronto, agora que eu dei uma leve pincelada sobre o prazo decadencial e prescricional dos benefícios previdenciários, podemos seguir em frente.

Com a leitura do artigo até aqui, é bem provável que você entendeu que:

  • a prescrição atinge o benefício previdenciário somente em relação às parcelas vencidas há mais de 5 anos;
  • a decadência só ocorre nos casos de revisão, mas não para o requerimento de concessão ou restabelecimento do benefício previdenciário;
  • não existe qualquer tipo de prazo para o requerimento de concessão ou restabelecimento do benefício previdenciário.

Explicado tudo isso, preciso te informar sobre alguns julgamentos recentes dos tribunais superiores.

No julgamento do AgInt no REsp 1.910.776/CE, a 2ª Turma do STJ decidiu que aplica-se o prazo de 05 anos para a propositura da ação de restabelecimento de benefício previdenciário (no caso concreto, discutia-se o restabelecimento de Auxílio Doença, atual Auxílio por Incapacidade Temporária), com o principal fundamento no Decreto 20.910/1932.

A decisão foi totalmente contrária a tudo que expliquei para vocês neste tópico, como você bem pode perceber.

A 2ª Turma do STJ também foi de encontro com o entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal (STF), onde, recentemente, no julgamento da ADI 6.096/DF, o tribunal entendeu que não há decadência ou prescrição fundo de direito no Direito Previdenciário pelo fato de se tratar de um direito fundamental.

No mesmo julgamento do STF, entendeu-se que a prescrição atinge somente às prestações vencidas há mais de 5 anos, conforme citei antes.

Portanto, ficou evidente que houve um conflito nas decisões entre os tribunais citados, de modo que a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma Reclamação perante o STJ (Reclamação 48.979/CE) diante deste cenário.

No julgamento realizado no dia 20 de agosto de 2021, a Relatora, Ministra Cármen Lúcia, proferiu uma decisão monocrática cassando a decisão da 2ª Turma do STJ.

Em seu voto, a Relatora determinou o proferimento de outra decisão por parte do STJ, com o objetivo de se alinharem com a decisão da ADI 6.096/DF realizada pelo próprio STF.

Na minha visão, a decisão do STF foi extremamente correta, uma vez que aumenta-se a segurança jurídica e a linearidade das decisões dos tribunais superiores, aspectos muito importantes quando falamos de direitos fundamentais.

Neste sentido, fico pensando que até as questões mais “básicas” de direito material e processual ainda são motivos de questionamentos judiciais.

Será que, a partir do ocorrido, o caso da prescrição e decadência não deveriam servir de gatilho para a edição de uma Súmula perante o STF e STJ para acabar de vez com possíveis violações de direitos dos segurados em relação a esses institutos? Acredito ser o mais viável.

Vamos esperar as cenas dos próximos capítulos.

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Ben-Hur Klaus Cuesta Duarte

 

Referências

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1. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2019.

2. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 493.997 – PR (2014/0070481-6). JusBrasil. Disponível em: https://bit.ly/3jtJnwA. Acesso em: 29 ago. 2021.

3. BRASIL. Lei 8.213/1991. Disponível em: https://bit.ly/3kGTNbA. Acesso em: 29 ago. 2021.

4. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Súmula 85. Disponível em: https://bit.ly/3gPKzbQ. Acesso em: 29 ago. 2021.

5. BRASIL. Lei 8.213/1991. Disponível em: https://bit.ly/3kGTNbA. Acesso em: 29 ago. 2021.

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