Princípio da transparência na LGPD

Princípio da transparência na LGPD

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Do latim, principium, o vocábulo princípio representa a origem de algo que irá se desenvolver. Trata-se de um dos pilares fundamentais do ordenamento jurídico nacional, cuja importância se reflete em um sistema móvel e aberto que permite acompanhar os avanços sociais.1 Corrobora com isso o disposto no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ao definir que o juiz, na omissão de lei, pode decidir questão posta em juízo de acordo com os princípios gerais de direito. Assim, os princípios têm força, em nosso ordenamento, de fonte secundária do Direito.

A LGPD é uma lei principiológica, o que não poderia ser diferente em face das constantes transformações que a matéria sofre com os avanços da tecnologia. Se não o fosse, acompanhar tais transformações se mostraria uma tarefa inalcançável. Seus dois primeiros artigos possuem relação direta com princípios e direitos fundamentais estabelecidos na própria Constituição, a saber, o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, a livre iniciativa, a proteção à privacidade e à liberdade.

O princípio da transparência, previsto no inciso VI do artigo 6º da LGPD, também pode ser encontrado ao longo da leitura de outros dispositivos, como se transparece do artigo 9º, artigo 10, parágrafo 2º, artigo 18, I, II, VII e VIII, artigo 20 e artigo 23, I.

Ao longo de todo o ciclo de vida dos dados, o princípio deve estar presente e disponível ao titular, com informações claras, acessíveis, precisas e coerentes sobre o tratamento realizado. Por meio da transparência, corrobora-se para o alcance de um dos fundamentos da LGPD, que é a autodeterminação informativa do indivíduo. Este deve ter ciência do que ocorre com seus dados pessoais, desde a coleta até o descarte feito pelos agentes de tratamento.

Há diversas decorrências da autodeterminação informativa, inclusive o direito à plena informação sobre o tratamento de dados pessoais. A informação de qualidade e transparente é fundamental para o controle e poder de decisão do indivíduo, permitindo a prevenção e defesa sobre eventuais operações de tratamento que não estejam em consonância com suas escolhas.

O direito à plena informação sobre o tratamento engloba algumas disposições específicas da LGPD, notadamente os princípios da finalidade, livre acesso e transparência, previstos no artigo 6º, I, IV e VI, respectivamente.

O primeiro dispõe expressamente que as operações de tratamento devem ser realizadas para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com as finalidades informadas. Remete-se, assim, à boa-fé no tratamento de dados pessoais.

Sua construção histórica resultou de regras procedimentais na década de 1980, com a adoção das Diretrizes para a Proteção da Privacidade e o Fluxo de Dados Pessoais Transfronteiriços pela OCDE, dispondo sobre os FIPPS. Dentro destes, dois princípios ganham destaque: (i) princípio da limitação para fins de tratamento ou especificação da finalidade e (ii) princípio da limitação do uso. Nesse sentido, também foi prevista na Convenção 108 a necessidade de tratamento de dados pessoais para fins legítimos e específicos.2

Portanto, do princípio da finalidade, extrai-se que os agentes de tratamento deverão informar a operação realizada aos titulares, garantir sua legitimidade e especificidade e, ainda, restringir-se ao propósito especificado. Há, dessa forma, ligação direta com as bases legais previstas no artigo 7º e artigo 11 da LGPD, cuja aplicação está associada à finalidade da operação de tratamento.

O princípio do livre acesso visa garantir aos titulares a consulta gratuita e facilitada sobre a forma e duração do tratamento e a integridade dos seus dados. Para tanto, o artigo 9º complementa ao reiterar quais informações o titular deve ter acesso em tais termos, notadamente sobre a finalidade específica do tratamento; sua forma e duração; informações sobre o controlador, inclusive dados de contato; informações sobre eventual compartilhamento de dados e a finalidade; responsabilidades dos agentes envolvidos no tratamento; e seus direitos, principalmente aqueles previstos no artigo 18.

Logo, o titular terá acesso às informações sobre o tratamento e poderá exercer seus direitos. Assim, por meio do princípio do livre acesso, os titulares terão controle sobre as operações de tratamento com seus dados pessoais, assegurando sua autodeterminação informativa.

Já o princípio da transparência garante aos titulares informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento, bem como informações sobre os agentes de tratamento – controladores e operadores, ainda que observados os segredos de negócio da organização. A obediência a este princípio deve ocorrer não apenas no momento da coleta, mas durante toda a operação de tratamento realizada.

A LGPD faz menção direta à transparência em alguns de seus dispositivos, como no artigo 9 e seus incisos, já mencionados, bem como em seu parágrafo 1º, que menciona a nulidade do consentimento se obtido sem transparência.

Havendo alteração na operação de tratamento, notadamente na finalidade, sua forma e duração, identificação do controlador e uso compartilhado dos dados, o titular deverá ser informado e, caso a base legal para a operação seja o consentimento, o titular poderá revogá-lo se discordar das mudanças realizadas, nos termos do artigo 8º, parágrafo 6º da LGPD.

No artigo 10, parágrafo 2º da LGPD, fica evidente a obrigação de o controlador adotar medidas de transparência quando a operação ocorrer com base no legítimo interesse. Ainda, no artigo 20, parágrafo 1º, há menção à importância de informações claras e adequadas sobre procedimentos e critérios quando tomadas decisões automatizadas.

Outra manifestação do princípio da transparência ocorre em dever do controlador ao disponibilizar informações do encarregado publicamente, de forma clara e objetiva, preferencialmente em seu website, como previsto no artigo 41, parágrafo 1º.

Ao tratar de dados pessoais de crianças e adolescentes, a LGPD também ressalta a importância de transparência quanto ao tipo de dados coletados, sua forma de utilização e procedimentos para exercício de direitos, além da sua acessibilidade considerando características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário (artigo 14, parágrafos 2º e 6º). Isso porque a transparência depende da compreensão do destinatário, não sendo suficiente a disponibilização da informação de maneira inacessível ou inadequada ao entendimento do receptor.

Outra expressão do princípio da transparência na LGPD se encontra na regulamentação das operações de tratamento de dados pessoais realizadas por Poder Público, que não fica dispensado de cumprir com os deveres de informação ao titular, conforme previsão do artigo 11, parágrafo 2º, e artigo 23.

Uma das exceções trazidas na lei é a proteção do know how da organização. Já dizia Fekete que o know how se define como “qualquer informação que possa ser usada na condução de uma atividade comercial ou em outro empreendimento e que seja suficientemente valiosa e secreta para propiciar uma vantagem econômica real ou potencial em relação a terceiros”.3

A proteção ao know how é encontrada na lei em algumas ocasiões, como o artigo 10, III, parágrafo 3º e artigo 38 (solicitação de relatório de impacto pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD), artigo 17, V (direito à portabilidade), artigo 19, II e parágrafo 3º (confirmação da existência do tratamento e cópia de dados pessoais), artigo 20, parágrafo 1º (decisões automatizadas), artigo 48, III (comunicação de incidente de segurança à ANPD) e artigo 55-J (zelo da ANPD pelo segredo comercial e industrial).4 O know how encontra respaldo jurídico na Lei da Propriedade Industrial, Lei 9.279/1996, notadamente no artigo 195 sobre concorrência desleal, e na Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (artigo 10bis).

Desse modo, o direito à plena informação sobre a finalidade do tratamento de dados pessoais deve ser contemplado tendo em vista a proteção do know how da organização, disponibilizando informação com qualidade ao receptor da mensagem. A mensagem deve ser compreensível, caso contrário o princípio da transparência também restaria prejudicado.

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Pietra Daneluzzi Quinelato

 

Referências

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1. CANARIS, Claus W. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Introdução Menezes Cordeiro. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gilberkian, 2002.

2. CARVALHO, Angelo; FRAZÃO, Ana; MILANEZ, Giovanna. Curso de proteção de dados pessoais – fundamentos da LGPD. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2022. p. 77.

3. FEKETE, Elizabeth. O regime jurídico do segredo de indústria e comércio no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2003.

4. SCHAAL, Flavia M. M. Segredo industrial e seu impacto em tecnologias da informação, inteligência artificial e algorítmicas. In: FERNANDES, Marcia; CALDEIRA, Cristina. Propriedade Intelectual, Sociedade da Informação e Inteligência Artificial. Editora GZ, 2022.  No prelo.

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