A legislação brasileira tem um vasto número de normas legais que objetivam a necessidade de proteger crianças e adolescentes, mas em contrapartida se carece de normas específicas de como colocar em prática essa proteção, ou seja, como se fazer essa proteção na prática.
E com o intuito de preencher essas lacunas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um grupo de trabalho com esse objetivo, instituído pela Portaria 359/2022, coordenado, inicialmente, pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino, e sendo dado continuidade pela Ministra Nancy Andrighi juntamente com o coordenador adjunto, o conselheiro do CNJ João Paulo Schoucair.
Para proporcionar uma visão mais ampla sobre o tema, a composição do grupo foi ampliada a representantes de todas as instituições do Sistema de Justiça e de equipes técnicas do Poder Judiciário que passaram a integrar esse grupo de trabalho. Assim participaram representantes do CNJ, juízes de 1º e 2º graus, defensores públicos, advogados, assessores jurídicos, assistentes sociais e psicólogos; entidades civis, acadêmicos, instituições dedicadas às questões de direito de família e de crianças.
Essa ampliação deu viabilidade a debates à luz da doutrina contemporânea e da realidade vivenciada em todas as comarcas do país; e que mais tarde deram origem ao Protocolo para o Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes nas Ações de Família em que se Discuta Alienação Parental.
Justifica-se que o protocolo tenha atentado exclusivamente para as disputas de alienação parental por se tratar de um conjunto de ações ou omissões de um dos genitores ou responsáveis, com a intenção de prejudicar a convivência do filho com o outro genitor, muitas vezes criando uma falsa percepção de que esse genitor é uma ameaça ou causador de danos, o que pode afetar profundamente o desenvolvimento emocional e psicológico da criança ou adolescente.
Com esse protocolo pretende-se que o princípio do superior interesse da criança e do adolescente seja respeitado e se concretize, e por isso se fornece elementos que possibilitarão o atendimento humanizado, protegendo a dignidade, necessidade e privacidade dos menores, garantindo-lhes o respeito aos seus direitos.
Isso não significa que os profissionais estarão presos a um roteiro fechado, mas apenas tem-se como objetivo indicar diretrizes para que eles possam ajudar as crianças e adolescentes sintam-se seguros e confiantes para falarem abertamente sobre suas experiências familiares, seus desejos e necessidades; e que não se sintam obrigados a tomar partido de um dos pais, sentimento comum entre crianças e adolescentes em disputas judiciais, e que é muito mais forte e presente nos casos de alienação parental.
Mas os profissionais das equipes multidisciplinares deverão estar preparados para aplicar o protocolo e isso demandará reciclagem constante desses profissionais, sem isso ficará inviabilizado a aplicação do protocolo de forma efetiva e não trará os resultados almejados.
Além disso, o protocolo de escuta especializada deve ser realizado visando evitar a revitimização das crianças e adolescentes, o que significa evitar a reiterada exposição das crianças e adolescentes aos mesmos questionamentos e situações que causam angustias e sofrimentos a eles.
E é por isso que a escuta deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar, adequada a idade e a maturidade dos menores, e que terá como premissa a proteção integral dos direitos deles.
Entre as recomendações do protocolo estão de que pais ou cuidadores não estejam presentes na sala de audiência, para que a criança ou adolescente não fique constrangida e possa fazer seu relato de forma mais independente; assim como é importante que se analise com cautela os menores manifestam preferência por um dos pais devido a um possível medo que sente em relação ao outro, se culpa algum deles pelo divórcio ou por ter abandonado a família, ou se percebe algum dos pais como fragilizado. Além disso, recomenda-se que os profissionais busquem identificar se existe risco de violência doméstica e familiar contra a criança ou adolescente.
Muitas são as recomendações e diretrizes do protocolo, presentes em cinco capítulos principais: 1) violações de direitos das crianças e dos adolescentes nas situações de conflitos hostis em processos de família, trazendo abalizada literatura especializada sobre os diferentes fenômenos que podem ser verificados nessas situações; 2)parâmetros de cumprimento do princípio da oitiva obrigatória e participação nos processos de família, a partir do diálogo entre a tábua axiológica do ECA e as regras procedimentais das ações de família; 3) diretrizes gerais para a oitiva de crianças e adolescentes; 4) diretrizes específicas para atuação em procedimentos de oitiva de crianças e adolescentes em processos de família; 5) indicação de roteiro para a oitiva de crianças e adolescentes no processo de família.
Por tudo que se verifica a aplicação eficaz do Protocolo de Depoimento Especial no contexto de disputas de alienação parental representa um avanço significativo na proteção de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade, buscando um ambiente judicial mais humanizado e que priorize a segurança emocional dos menores envolvidos; e tornando efetivo o respeito ao princípio do superior interesse da criança e do adolescente.