Nas últimas semanas, dois aspectos das estratégias publicitárias das redes de fast food McDonald’s e Burger King têm chamado a atenção dos consumidores de forma realmente… indigesta.
A rede de Ronald McDonald anunciou com grande entusiasmo o retorno do seu sanduíche de peixe, o McFish, em uma intensa campanha publicitária veiculada tanto na televisão, quanto em outdoors e nas plataformas de mídias digitais. A estratégia publicitária destacou o retorno do sanduíche, ausente do cardápio desde 2019, como um evento praticamente imperdível.
Inicialmente voltada para o pequeno nicho de fãs do sanduíche (a própria rede informou que a saída do McFish era ínfima em comparação a outros itens do menu, além de possuir um método de preparo distinto, justificando assim a decisão de descontinuá-lo), a publicidade da rede de fast food alcançou enormes proporções pelo senso de urgência promovido pelos icônicos Arcos Dourados.
A publicidade possuía um aspecto chamativo que justificava a patente urgência: indicava que o retorno do sanduíche era por tempo limitado, sem, contudo, indicar uma previsão concreta de quando sairia dos cardápios.
O retorno foi surpreendentemente rápido para muitos consumidores, pois, em algumas unidades, o sanduíche esgotou-se em apenas três dias. Em outros locais, chegou-se ao ponto de agendar horários para a retirada do McFish. A empresa adotou a estratégia do marketing de escassez, que se baseia na criação de uma percepção de escassez ou limitação de um produto, com o objetivo de aumentar o interesse, a demanda e a urgência por parte dos consumidores.
Essa abordagem capitaliza a ideia de que a oferta é limitada, incentivando os consumidores a agirem rapidamente antes que o produto ou serviço se esgote. Em suma, é criado o chamado “hype” em torno do produto.
Ante à repercussão do caso, o PROCON-SP notificou1 o McDonald’s para fornecer detalhes sobre as quantidades produzidas e entregues do sanduíche de peixe empanado, esclarecendo as condições da oferta divulgada aos consumidores. Além disso, deve apresentar as razões que levaram ao esgotamento do estoque e informar se há previsão de reintegração do produto ao cardápio regular da rede.
Sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, a inexplicada ausência do produto nos restaurantes da marca pode configurar violação ao artigo 30 do mencionado diploma legal, o qual destaca que:
Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. (BRASIL, 1990)
Ainda, a ausência do produto de forma inexplicada poderia vir a configurar o descumprimento da oferta, nos termos do artigo 35 do CDC. A mera veiculação da frase “por tempo limitado”, sem fornecer parâmetros reais de quando o produto acabaria, isto é, sem indicar uma possível data final, poderia ainda configurar publicidade enganosa (art. 37, §1º, CDC), pois omite informação considerada como essencial.
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1°. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (BRASIL, 1990)
Salienta-se que o Código de Defesa do Consumidor privilegia a informação como um de seus principais pilares para a garantia de segurança ao consumidor, possuindo caráter dúplice, qual seja, o direito de informação do consumidor e o dever de informar do fornecedor, em obediência ao princípio da boa-fé objetiva, como modo de resguardar a assimetria interpartes existente nas relações jurídicas de consumo.2
Denota-se que não apenas a atuação comissiva é rechaçada pelo CDC, mas a omissiva também é repelida pelo diploma legal. Assim, apontam Antônio Herman V. Benjamin, Cláudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa que “o Código nutre pela publicidade enganosa por omissão a mesma antipatia que manifesta pela publicidade enganosa comissiva”.3 É esperado que a publicidade seja direcionada ao CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) para averiguação da legalidade da campanha.
Lado outro, a campanha publicitária da rede de fast food Burger King causou polêmica nas redes sociais ao promover, no Instagram da marca, parceria publicitária com o ator pornô “Kid Bengala”. No anúncio, Kid Bengala estabelecia comparações entre o tamanho dos lanches do fast food e as dimensões de seu órgão genital, fazendo uso de expressões como “O Whopper é nada artificial. Gigante que nem eu“. A mencionada campanha, que foi retirada das plataformas do Burger King, visava promover uma nova oferta, disponibilizando dois sanduíches por R$ 25.
Os consumidores não ficaram satisfeitos com a ação da marca, ao relacionar seus produtos com uma estrela de filmes pornográficos. Afinal, o humor da peça publicitária possuía piadas de dupla conotação e referência a conteúdo sexual. Ante à repercussão negativa, a campanha foi retirada das mídias digitais da marca. Também é esperado que a publicidade seja direcionada ao CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) para averiguação da legalidade da campanha.
Isto pois, sob a ótica legal, o CDC em seu artigo 37, §2º, caracteriza como abusiva a publicidade que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”. O público da marca é amplo, mas, considerando que o acesso às páginas não é restrito (logo, a publicidade pode ser assistida por crianças, levando-as à curiosidade), bem como a empresa possui também um apelo infanto-juvenil, a contratação do ator pornô em publicidade de duplo sentido pode, sim, ser considerada abusiva, bem como assume viés moralmente reprovável.
Ademais, o art. 4º, I, do CDC reconhece a vulnerabilidade dos consumidores, contexto este ampliado para crianças e adolescentes (art. 3º, ECA), pela chamada hipervulnerabilidade, de forma em que os anunciantes devem adotar medidas éticas e responsáveis ao direcionar seus anúncios para o público infantil, visando proteger os consumidores mirins da publicidade ilícita.
Em última análise, ao seguir as diretrizes do CDC e do CONAR, os anunciantes não apenas evitam possíveis penalidades, mas também contribuem para a construção de uma indústria publicitária mais ética e confiável. O respeito às normas éticas não apenas fortalece a reputação das marcas, mas também promove um ambiente de negócios mais saudável e sustentável para todos os envolvidos.
Referências
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1. O TEMPO. Procon notifica McDonald’s por sumiço do McFish. Disponível em: link. Acesso em: 21 fev. 2024.
2. BARBOSA, Caio César do Nascimento; BRITTO, Priscila Alves de; SILVA, Michael César. Publicidade Ilícita e Influenciadores Digitais: Novas Tendências da Responsabilidade Civil. Revista IBERC, Minas Gerais, v. 2, n. 2, p. 01-21, mai.-ago./2019.
3. BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 295.