Quantos anos você tem? Dificuldades no consentimento para crianças e adolescentes

Quantos anos você tem? Dificuldades no consentimento para crianças e adolescentes

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Em nossa sociedade há um senso comum de que novas tecnologias e aparelhos, cada vez mais complexos, são facilmente manuseados por crianças e adolescentes. Não raro presenciamos situações em que adultos solicitam ajuda da faixa etária mais nova. Contudo, não só momentos de auxílio que os menores fazem as pessoas próximas. Em 2021 uma mulher nos Estados Unidos foi surpreendida com cerca de 900 picolés, totalizando quase R$13 mil, comprados pelo filho de 4 anos. A compra ocorreu pelo cartão de crédito.1 Ou nesse ano quando uma criança de 6 anos, também nos Estados Unidos, comprou cerca de $1.000 dólares em comida usando o celular do pai.2

A utilização de redes sociais por essa faixa etária também é uma realidade. Na pesquisa TIC Kids Online Brasil, feita pelo Cetic.br, identificou-se que dos entrevistados de 9 a 17 anos 88% possuíam perfil em rede social.3 A pergunta que fica é: como fica a anuência desses dados? É colhida diretamente da criança e do adolescente? Ou há participação dos pais?

Para responder o tema em questão é necessário observar as disposições da LGPD no art.14, o qual trata, dentre outras disposições voltadas a essa faixa etária, da forma de obtenção do consentimento e de quem colhe-lo.

Dispõe o art.14, §1º que esse consentimento deve ser obtido dos responsáveis ou de pelo menos um dos pais da criança. Curiosamente o adolescente foi retirado do dispositivo, levantando questionamentos por juristas quanto à mensagem do legislador. Uma das possibilidades é o reconhecimento da maior autonomia adquirida com o passar do tempo, reconhecendo a tipicidade social da prática dentro do contexto legislativo.4 Há ainda o §5º do mesmo artigo, onde se demanda do controlador o dispêndio de “todos os esforços razoáveis” para que esse consentimento seja, realmente, do responsável e não da criança.

Dois problemas surgem: como efetivamente verificar esse consentimento e o que fazer caso ele tenha sido feito por uma criança?

Justamente pela falta de exemplos na lei torna-se difícil imaginar como conseguir a “manifestação livre, informada e inequívoca”. Há sugestões por juristas5  de utilização dos exemplos do Children’s Online Privacy Protection Act of 1998, ou COPPA. No §312.5 Parental Consent são apresentadas várias sugestões como: i) enviar o consentimento escrito pelo correio ou digitalizado, ii) conexão com uma transação monetária, utilizando cartão de crédito/débito para fornecer notificação, iii) ter um pai/mãe (parent) conectado a pessoal treinado por videoconferência, iv) ter um pai/mãe ligando para um número de telefone gratuito com pessoal treinado, entre outras sugestões. Ainda que não sejam a solução definitiva desse desafio, mostram-se como caminhos interessantes para os agentes de tratamento.

O outro revés, quando uma criança oferece o consentimento, deve ser interpretado de maneira sistêmica e contextual. É certo que, conforme o Código Civil, as disposições referentes aos incapazes impedem de celebrarem negócios jurídicos, frente a sua capacidade de direito e capacidade de fato serem distintas.6 Contudo tem-se a possibilidade de, em casos específicos, manterem-se os efeitos da relação jurídica estabelecida. Esse ponto é defendido7 na medida em que nos comportamentos socialmente típicos verifica-se a vontade posteriormente. Adiciona-se ainda observar sobre os benefícios obtidos pela criança com a relação jurídica, podendo gerar a possibilidade de aproveitamento do negócio jurídico.

Em uma sociedade, como defendido no início do texto, que aceita e reconhece a autonomia e desenvoltura de crianças e adolescentes nos meios eletrônicos, não deixa de ser uma possível saída para os casos de consentimento dados pelos menores.

 

Referências

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1. R, ROBERTA. Menino de 4 anos faz dívida de R$13 mil em picolés no cartão de crédito dos pais. 36h.News 2021. Disponível em: https://bit.ly/3EH2Ow5. Acesso em: 25 fev. 2023.

2. MENINO de 6 anos compra R$ 5.120 em app de comida usando o telefone do pai. O Tempo. 5 fev. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3EH2SvP. Acesso em: 25 fev. 2023.

3. BRASIL, Comitê Gestor da Internet no Brasil, Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. Pesquisa sobre o Uso da Internet por Crianças e Adolescentes no Brasil. 2021.

4. Nesse sentido: TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Tratamento de dados de crianças e adolescentes na LGPD e o sistema de incapacidades do Código Civil. In: LATERÇA, Priscilla Silva; FERNANDES, Elora; TEFFÉ, Chiara Spadaccini de; BRANCO, Sérgio (Coords.). Privacidade e Proteção de Dados de Crianças e Adolescentes. Rio de Janeiro: Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro; Obliq, 2021. E-book, p. 291-293. FERNANDES, E.; MEDON, F. Proteção de crianças e adolescentes na LGPD: desafios interpretativos. REVISTA ELETRÔNICA DA PGE-RJ, [S. l.], v. 4, n. 2, 2021. DOI: 10.46818/pge.v4i2.232. p. 4. Disponível em: https://bit.ly/3SwosJ7. Acesso em: 25 fev. 2023.

5. PALOMARES, C. de S. S. de O. As exceções ao consentimento prévio dos pais para a coleta de dados de crianças e adolescentes previstas pela lei geral de proteção de dados / Exceptions to the prior consent of parents for the collection of data of children and adolescents provided by the brazilian general data protection law. Brazilian Journal of Development, [S. l.], v. 8, n. 4, p. 30334–30352, 2022. DOI: 10.34117/bjdv8n4-489. Disponível em: https://bit.ly/3SyYrsJ. Acesso em: 25 fev. 2023.

6. Por capacidade de direito entende-se a possibilidade de ter direitos, enquanto que a capacidade de fato está na possibilidade de exercer esses direitos. TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Teoria Geral do Direito Civil, Fundamentos do Direito Civil, v.1. Rio de Janeiro, Forense, 2020, p.113.

7. Isso não permite, segundo os autores, de os menores se escusarem das obrigações contraídas caso tenham omitido sua idade ou tenham tentado se passar por seus responsáveis. TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Tratamento de dados de crianças e adolescentes na LGPD e o sistema de incapacidades do Código Civil. In: LATERÇA, Priscilla Silva; FERNANDES, Elora; TEFFÉ, Chiara Spadaccini de; BRANCO, Sérgio (Coords.). Privacidade e Proteção de Dados de Crianças e Adolescentes. Rio de Janeiro: Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro; Obliq, 2021. E-book, p. 305-312.

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