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Reflexões Sobre a Figura Da Possibilidade Jurídica no Código de Processo Civil de 2015

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Para a matéria deste mês, resgatei um estudo antigo que fiz sobre a figura da possibilidade jurídica na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015 e o adaptei para uma leitura comercial, um pouco mais palpável, atualizada e objetiva. Faremos a análise em etapas, partindo da ideia das antigas “condições da ação” (termo que não mais existe), para chegarmos na atipicidade do art. 332 do Código de Processo Civil.

Seguindo a proposta. Inicialmente, sobre a ação, é termo cuja conceituação, por uma opção legislativa, sempre foi deixada ao encargo da doutrina; nunca, na história legislativa processual, houve a sua positivação como norma, seja no Decreto nº 737 de 1850, seja no Código de Processo Civil de 1939, seja no Código de Processo Civil de 1973, e, mais uma vez, seja no Código de Processo Civil de 2015.

Dentre as mais diversas teorias propostas para defini-la, podemos destacar três: (1) a teoria imanentista da ação, (2) a teoria da ação como direito concreto e (3) a teoria da ação como direito abstrato. Deixando algumas discussões processuais sobre cada uma dessas correntes de lado (porquanto a sua irrelevância para esta pequena reflexão), para o Brasil, a teoria com maior aceitação foi (3) a teoria da ação como direito abstrato, especialmente após a contribuição de Enrico Tullio Liebman e a sua formulação da teoria eclética da ação (poder de agir genérico e abstrato zelado pela Constituição).

De Liebman, também, provêm a ideia daquilo que se conhecia por “condições da ação”, isso é, no viés exposto, a ação apenas poderia ser proposta quando preenchido três requisitos: (1) a possibilidade jurídica do pedido, (2) a legitimidade ad causam e (3) o interesse de agir.

Esse trinômio era pacífico sob a ótica do Código de Processo Civil de 1973, até porque a sua formação e sua epistemologia calcificaram fundamentos para esse pensamento que, por opção legislativa do Código de Processo Civil de 2015, foi substituído por binômio (composto por questões de admissibilidade e de mérito; cf. art. 17 do Código de Processo Civil). Essa adoção e modificação, entretanto, não esteja na extinção da categoria “condições da ação”  – e aqui não falo sobre a nomenclatura.

Em termos práticos, o Código de Processo Civil de 2015 traz, expressamente (e implicitamente em algumas disposições), a legitimidade ad causam e o interesse de agir, entretanto, há silêncio quanto a possibilidade jurídica do pedido, surgindo, aí, a dúvida: diante da omissão, há a exclusão desse (agora) requisito?

Há divergência doutrinária sobre a questão. Parcela reconhece aspecto similar entre a possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir, de modo que, nessa linha, carecendo, o processo, de interesse de agir, carecerá, também, de possibilidade jurídica do pedido; a segunda linha de pensamento (majoritária), defende que não houve a exclusão da possibilidade jurídica, quando, na verdade, o seu recondicionamento a partir de interpretação atípica do art. 332 do Código de Processo Civil – e para os fins desta matéria, vamos guiar as reflexões nessa corrente.

Esse posicionamento está baseado na ideia de que não houve uma exclusão, tampouco uma junção da possibilidade jurídica do pedido com o interesse de agir. A proposta é:  justamente pela adoção do binômio juízo de admissibilidade e de mérito, ficando o interesse de agir a legitimidade ad causam como pilares de juízo de admissibilidade, a possibilidade jurídica do pedido estaria no âmbito do juízo de mérito, lida sob a ótica da atipicidade do art. 332 do Código de Processo Civil.

Além de embasamento principiológico, como o da eficiência (art. 8º do CPC), boa-fé (art. 5º do CPC) e duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal – art. 4º do CPC), a preocupação da corrente está pautada justamente em inibir a atividade jurisdicional “inútil” frente a questões demasiadamente atípicas que são levadas a conhecimento do Poder Judiciário.

Ao até então exposto, trago alguns pensamentos do porquê essa segunda corrente deve prevalecer.

A possibilidade jurídica do pedido, enquanto “condição da ação”, poderia ser definida como requisito da ação associado à uma ausência de proibição legal quanto à questão proposta em juízo ou que contrariasse o sistema jurídico brasileiro. Atualmente, a possibilidade jurídica do pedido poderia ser entendida como a possibilidade de um sujeito postular em juízo algum direito, contanto que não seja constitucionalmente vedado, ocasião em que, caso contrariada a Constituição, dever-se-á declarar a sua carência.

Aqui está o seu o ponto chave: embora o exercício jurisdicional seja um direito fundamental, há de se ter utilidade naquilo que se pede ao Estado, dito de outra forma, não convém a persecução pela jurisdição sem que haja daí um resultado útil (por exemplo: propor uma ação que objetive que o Estado brasileiro declare guerra ao Estado italiano (?)); portanto, haverá interesse de agir quando a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada.

Respeita-se o posicionamento daqueles que entendem que a ausência de possiblidade jurídica do pedido resultará na imediata ausência de interesse de agir, entretanto, não há possibilidade de suprimir a possibilidade jurídica do pedido em interesse de agir, afinal, estão em planos distintos.

O interesse de agir está num plano ligado ao juízo de admissibilidade, em que não se analisa o direito em si, entretanto os aspectos formais do processo. Havendo essa análise, e, preenchidos os requisitos da admissibilidade do processo, esse será remetido ao juízo de mérito para a análise do direito buscado por intermédio da tutela jurisdicional estatal, ocasião em que será encontrada a possibilidade jurídica daquele pedido. Confrontada com a ausência de contrariedade ao dispositivo da Constituição Federal, poderá o processo seguir o seu normal trâmite.

O juízo de mérito, nessa perspectiva, é analisado em um segundo momento, de modo que poderá sim haver legitimidade ad causam e interesse de agir, carecendo, hipoteticamente, de possibilidade jurídica do pedido. Portanto, a adoção da segunda corrente para este dilema, envolvendo a possibilidade jurídica do pedido, mostra-se com maior adequação para uma visão atual de direito processual.

A opção pelo art. 332 do Código de Processo Civil, as hipóteses de improcedência liminar do pedido, não se mostra aleatória. Veja-se, quando da análise da aptidão da petição inicial, obrigatoriamente o juiz, em ambas as correntes aqui destacadas, deverá fazer uma breve análise do mérito daquele processo, isso após a superação do juízo de admissibilidade. Uma vez configurado a impossibilidade jurídica daquele(s) pedido(s), deverá, o juiz, julgar liminarmente aquele processo, evitando-se, dessa forma, atividade jurisdicional “inútil”, frente ao fato de que caso assim não fosse seria necessário o recebimento da inicial, citação do réu, oferecimento de contestação, réplica e só aí, caso tratar de causa fática e dispensar instrução, prolatar sentença de improcedência daquele(s) pedido(s) atípico(s) que poderia ter feito antes mesmo de ordenar a citação da parte contrária.

Deixo este breve escrito para reflexão.

Um abraço e aguardo vocês nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller) para discorrermos um pouco mais sobre o conteúdo da matéria deste mês e sugestões para as próximas.

Vejo vocês em outubro.

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