Reflexos previdenciários da reforma trabalhista – Lei nº 13.467/2017

Reflexos previdenciários da reforma trabalhista – Lei nº 13.467/2017

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O grande argumento sustentado para a aprovação da Lei Nº 13.467 de 2017, denominada Reforma Trabalhista, tratava-se da geração de empregos para o mercado de trabalho brasileiro, contribuindo com a diminuição do desemprego no país. Tal fato, pode ser percebido na fala do então Presidente da República Michel Temer (MDB), citado por Matoso: “[Quero] combater certa tese que dizem que, ao pensar em reforma trabalhista, estamos querendo eliminar direitos. Pelo contrário, o que queremos é manter empregos, e manter emprego é manter a arrecadação que o emprego dá ao poder público brasileiro” (MATOSO, 2016).

Outro frase emblemática é a sustentada pelo, hoje Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), é “ou todos os direitos e desemprego ou menos direitos e empregos”.1

No entanto, anos após a promulgação da Lei 13.467/17 é possível constatar que não houve a estimulação de criação de empregos e provocou grande flexibilização no mundo do trabalho.2

De acordo com Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa – INSPER, “a flexibilização do trabalho é tendência no mundo”, além disso, “o emprego formal full-time tende a cair no mundo, por causa da flexibilização do trabalho” (ROLLI, 2020). Tal flexibilização, aqui tem interpretação com base em Uriarte: “a flexibilidade pode ser entendida como eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade – real ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa” (URIARTE, 2002).

Na mesma direção, entende Bauman:

‘Flexibilidade’ é o slogan da contemporaneidade, e quando aplicado ao mercado de trabalho pressagia um fim do ‘emprego como o conhecemos’, anunciando em seu lugar o advento do trabalho por contratos de curto prazo, ou sem contratos, posições sem cobertura previdenciária, mas com cláusulas ‘até nova ordem’ (BAUMAN, 2001).

Nesse sentido, a dita reforma trabalhista foi a responsável por desencadear diversas flexibilizações nesse ramo do Direito, afetando assim as relações trabalhistas e o mercado de trabalho como um todo (ADASCALITEI; MORANO in FILGUEIRAS; LIMA, SOUZA). Por outro lado, podemos verificar impactos também no ramo do Direito Previdenciário.

Com o advento da alteração legislativa na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT os reflexos no âmbito da Previdência Social foram consideráveis e causaram grandes prejuízos aos trabalhadores.

Queremos destacar aqui apenas duas linhas de raciocínio, no que tange a arrecadação/financiamento da Previdência Social e, ainda, ao incentivo à não filiação ao sistema previdenciário brasileiro.

O trabalho intermitente foi introduzido nas relações de trabalho no Brasil com a Lei nº 13.467/17, com definição e previsão no art. 443, §3º da CLT, como se vê:

3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Ou seja, é uma verdadeira formalização do “bico”, pormovendo instabilidade aos trabalhadores, imprevisibilidade para o trabalho, afastando assim o princípio da continuidade, e também imprevisibilidade em relação à renda. Permitindo ainda que os trabalhadores recebam abaixo do salário mínimo, uma vez que receberão proporcionalmente.

No caso de receberem abaixo do mínimo legal, no tocante à previdência, devem complementar a contribuição previdenciária, para cumprir o preceito do art. 195, §14 da CF/88:

14. O segurado somente terá reconhecida como tempo de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social a competência cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para sua categoria, assegurado o agrupamento de contribuições.

Onde se lê “contribuição mínima mensal exigida para sua categoria”, devemos entender, conforme portaria INSS 230/2020, que o segurado que receber um total de remuneração mensal inferior a um salário mínimo (limite mínimo do salário-de-contribuição), independentemente do piso da categoria profissional, poderá:

  • complementar a contribuição das competências, de forma a alcançar o limite mínimo do salário de contribuição exigido (salário mínimo);
  • utilizar o excedente do salário de contribuição superior ao limite mínimo de uma ou mais competências para completar o salário de contribuição de uma ou mais competências, mesmo que em categoria distinta, até alcançar o limite mínimo; ou
  • agrupar os salários de contribuição inferiores ao limite mínimo de diferentes competências, para aproveitamento em uma ou mais competências até que alcancem o limite mínimo.

Dessa forma, não optando por uma das possibilidades, a contribuição será desconsiderada para fins de cálculo do benefícios previdenciário. Afetando, portanto, o valor do benefício.

Noutro giro, houve outra alteração na CLT, trazida pela lei 13.4667/17, referente à natureza das verbas trabalhistas. Modificação exposta no art. 457, §2º da CLT:

Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os legais,  além  do  salário  devido  e  pago  diretamente  pelo  empregador,  como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

2º. As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu   pagamento   em   dinheiro,   diárias   para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.(Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)(BRASIL, 2017).

Consequentemente, abonos, ajuda alimentação, ajuda de custo, diárias de viagem, participação nos lucro habitual e prêmios não integram ao salário, ou seja, não possuem natureza salarial e sim indenizatória, não incidindo, assim, nos encargos previdenciários, reduzindo as contribuições patronais e, por sua vez, reduzindo o salário-de-contribuição do segurado. Fato que terá reflexos negativo no eventual recebimento de benefício previdenciário. Em outras palavras, no valor do benefício do segurado.

Outro ponto que merece destaque é o drama econômico e social da não filiação ou desafiliação dos segurados ao INSS.  As ideias neoliberais implícitas, na reforma trabalhista, de criação de novas formas de relações de trabalho, a partir de um movimento crecente que busca burlar o ordenamento jurídico ou, até mesmo, modificar as próprias normas jurídicas, com o pretexto de desburocratização e modernização, provocam a flexibilização e precarização do trabalho.

Com a crescente taxa de informalidade, caiu o percentual da população que contribui para a Previdência social. O percentual em 2016 era de 65,6%, em 2018 foi de 63,5% e já em 2018 diminuiu, ainda mais, alcançando a marca de 62,9%, conforme indica os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE.

Atualmente o número de desempregados supera 14 milhões de pessoas, conforme levantamento feito pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). Sendo que tal fenômeno é fator importante para o aumento dos índices de informalidade, crescimento dos trabalhadores autônomos e incentivo para empreender no próprio negócio. Realidade demonstrada no filme “Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar” – Marcelo Gomes (diretor e roteirista).

Ao contrário do regime de capitalização em que os trabalhadores da ativa fazem contribuições e depósitos em contas individuais para sua própria aposentadoria, ou seja, cada trabalhador financia a própria aposentadoria, no regime de repartição, adotado, até então, pelo Brasil, os trabalhadores contribuem para pagar os benefícios de quem se encontra aposentado e pensionista. Por consequência as alterações proporcionadas pela reforma trabalhista e diminuição na arrecadação/financiamento da previdência social, sofrerá grandes repercusões sociais e econômicas as trabalhadores. Agravado pela diminuição de segurados, provocada também pelas posições politicas-econômicas que atigem o legislativos com seus interesses.

A reforma trabalhista, portanto, não só provocou mundanças na seara trabalhista, mas também no âmbito previdenciário como visto.

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Sérgio Augusto Pires dos Reis Madeira

adv.sergiopires@gmail.com

 

Referências

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1. NUNES, Fernanda. ‘Ou todos os direitos e desemprego ou menos direitos e emprego’: diz Bolsonaro. Estadão. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3e0cK6n. Acesso em: 17 dez. 2021.

2. OLIVEIRA, Isaac de. 4 anos depois, reforma trabalhista não gerou ‘boom’ de empregos prometido. UOL. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3q4Xv1w. Acesso em: 17 dez. 2021.

BAUMAN, Zigmond. Modernidade Liquida. Capítulo 4-trabalho, Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 169.

BRASIL. Decreto-Lei 5.452 de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do trabalho, Brasília,DF, Out. 2017. Disponível em: https://bityli.com/nOEqaV. Acesso em 17 de dez. 2021.

FILGUEIRAS, Vitor Araújo; LIMA, Uallace Moreira; SOUZA, Ilan Fonseca de. Os impactos jurídicos, econômicos e sociais das reformas trabalhistas. Salvador, 2019, p. 231. Disponível em: https://bityli.com/dVFx9k9. Acesso em: 17 dez. 2021.

URIARTE, Orcar Ermida. A Flexibilidade. Tradução: Edilson Alkmim Cunha. Editora: LTR. São Paulo, 2002, p. 9.

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