Repensando as sustentações orais por videoconferência: por que (não) deveríamos reinterpretar o § 4º, do art. 937, do código de processo civil?

Repensando as sustentações orais por videoconferência: por que (não) deveríamos reinterpretar o § 4º, do art. 937, do código de processo civil?

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Para a matéria deste mês, compartilho algumas reflexões que tive com um grupo de processualistas sobre uma situação envolvendo a aplicação do § 4º, do art. 937, do Código de Processo Civil, após a pandemia e a retomada das atividades forenses de forma presencial.

Não irei, aqui, detalhar o caso que estávamos analisando ou quaisquer outras especificações sobre ele – por uma questão de respeito, cordialidade e confidencialidade –, entretanto, deixarei o leitor ciente dos elementos mínimos para compreender a minha provocação à ideia de repensarmos o disposto no do § 4º, do art. 937, do Código de Processo Civil.

O art. 937 do Código de Processo Civil de 2015, regula a sustentação oral nos tribunais, especificando as hipóteses de permissibilidade da sua requisição e como ela ocorrerá. É uma transformação legislativa, em caráter ampliativo, dos arts. 554 e 565 do Código de Processo Civil de 1973.

Especialmente, o seu § 4º, que dispõe sobre a possibilidade de advogados, com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal, realizarem sustentação oral por videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, é uma consolidação da prática adotada por alguns Tribunais de Justiça do Brasil durante a vigência do Código tombado.

A gênese da referida disposição está na constatação de que a tecnologia possui transformação e evolução muito mais acelerada do que outras instituições e campos da sociedade; servem, essas transformações e evoluções, em prol da sociedade em perspectiva lato sensu, cabendo ressignificar conceitos e standards preestabelecidos a fim de que a real dimensão do conhecimento transformado em tecnologia possa ser útil – e não um empecilho – às instituições sociais, principalmente ao sistema de Justiça.1

No plano jurídico, principalmente após a vigência da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, apresentando progresso considerável em relação à adoção de novas tecnologias no processo, ainda que inexistisse previsão no Código de Processo Civil de 1973, os tribunais, quando havia possibilidade de recurso técnico para a finalidade, adotavam a possibilidade da prática de atos do processo de forma eletrônica/informatizada.

Agora, aliado à apresentação genealógica dessa disposição, devemos considerar que, embora o tropeço e os atrasos sociais que a pandemia do COVID-19 trouxe para a humanidade entre 2020 e 2021, tivemos avanço significativo no âmbito tecnológico, de modo que muitas das atividades rotineiras foram transferidas para a forma eletrônica (socialização, trabalho, aulas etc.).

Inegavelmente, é um marco cravado na história e que promoveu alterações em dimensões (quase que) irreversíveis. A sociedade, nos campos em que fosse possível, precisou se adaptar com urgência e qualidade à realidade imposta pelo período pandêmico.

O processo, que já caminhava em pequenos passos rumo à uma proposta 100% (cem por cento) virtual, teve algumas de suas etapas e atos, ainda que forçosamente em primeiro momento, adaptadas para essa realidade fenomenologicamente imposta.

As sessões de julgamento e as audiências também fizeram parte desse movimento de adaptação, de forma que se construiu um cenário virtual extremamente elaborado e detalhado, a partir do investimento de muita tecnologia, para que a tramitação dos processos não fosse embargada durante período incerto.

A realidade que se tem no campo tecnológico é muito a frente daquela que se tinha quando o Código de Processo Civil de 2015 foi elaborado.

Como ocorreu durante as décadas de vigência do Código de Processo Civil de 1973, não se deve tornar a realidade ao que propõe o Código, mas, sim, utilizá-la em favor de aprimorar a prática dos atos do processo a fim de qualificar ainda mais a prestação da tutela jurisdicional, portanto, seria ilógico descartar o amplo avanço tecnológico que se teve nos últimos anos no processo judicial tão somente para equalizar a linguagem da realidade à um corpo legislativo que é passível de reformas de acordo com o passar dos anos – inclusive, é o natural fluxo de reforma legislativa do processo, acompanhada ou não da prática forense, como se viu a partir das diversas reformas promovidas ao Código de 1973.

O que se busca expor com os pontos discorridos anteriormente é que a hipertrofia tecnológica decorrente do período pandêmico não pode ser descartada quando se analisa a proposta do § 4º, do art. 937, do Código de Processo Civil.

Mais do que uma permissibilidade, essa disposição carrega consigo a proposta de ampliação do acesso à justiça,2 de forma que, restringir a rica realidade tecnológica ao que dispõe a redação inicial da referida disposição do Código de Processo Civil, cujo as discussões remetem aos anos de 2010 e 2015 (do anteprojeto à aprovação da redação final), seria o mesmo que afrontar e depreciar os incisos XXXV e LV, do art. 5º, da Constituição Federal, porquanto – e respectivamente –, promover retrocesso na prestação da tutela jurisdicional e, consequentemente, cercear meios de desenvolvimento de contraditório e ampla defesa no processo judicial.

Diante do quadro tecnológico disponível na atualidade, especialmente após o período pandêmico, o § 4º, do art. 937, do Código de Processo Civil, deve ser reinterpretado a fim de ampliar a possibilidade de que se permita ao advogado, ainda que possua domicílio profissional em mesma cidade daquela onde está sediado o tribunal, realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, isso porque a sua redação “permite” e não “restringe” a utilização dos meios eletrônicos para a realização de sustentação oral, de forma que a permissão deveria ser estendida à todos os advogados de forma indistinta.

Deixo este breve escrito, que nada mais é do que um mero compilado de pensamentos, para a nossa reflexão.

Um abraço e aguardo vocês nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller) para discorrermos um pouco mais sobre o conteúdo da matéria deste mês e sugestões para as próximas.

Vejo vocês em setembro.

 

Referências

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1. FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Comentários ao art. 937 do Código de Processo Civil. In: ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. (Coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 2330-2332. Segundo ao autor (p. 2332): “Na sociedade da informação e com o processo eletrônico substituindo os processos físicos, alguns tribunais passaram a admitir a sustentação oral por videoconferência mesmo na vigência do Código de 1973, que não prevê esse procedimento de forma expressa. Seguindo, portanto, a tendência, o CPC de 2015 passou a permitir expressamente a realização da sustentação oral por vídeo conferência ou outro meio idôneo assemelhado, desde que o advogado formule requerimento até o dia anterior ao da sessão. Esse dispositivo está em consonância com o disposto no art. 236, § 3º, segundo o qual ‘Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.’ Trata-se de inovação que, ao nosso ver, não fere os princípios da publicidade do processo e do contraditório, na medida em que o procurador da parte contrária terá acesso ao conteúdo em tempo real”.

2. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 1992. “Sem dúvida, a admissão da videoconferência para a realização de sustentação oral é um ganho em termos de acessibilidade à Justiça”.

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