O racismo, assim como outras formas de discriminação, não deve ser considerado apenas pelas condutas individuais, mas como resultado institucional. Neste sentido, é preciso observar o modo como funcionam as instituições que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios com base na raça.1 Mas o que são instituições?
As instituições são os modos de orientação, rotinização e coordenação de comportamentos que tanto orientam a ação social como a torna normalmente possível, proporcionando relativa estabilidade aos sistemas sociais.2 É compreendido, portanto, que as instituições são os meios estabilizadores dos sistemas sociais e podemos tirar duas conclusões a partir desta concepção:
a) as instituições, enquanto o somatório de normas, padrões e técnicas de controle que condicionam o comportamento dos indivíduos, resultam dos conflitos e das lutas pelo monopólio do poder social;
b) as instituições, como parte da sociedade, também carregam em si os conflitos existentes na sociedade. Em outras palavras, as instituições também são atravessadas internamente por lutas entre indivíduos e grupos que querem assumir o controle da instituição.3
Assim, as instituições como parte da sociedade carregam as bases históricas e formadoras sociais. Como exemplo é possível visualizar a institucionalização da segregação racial contra a maioria negra na África do Sul, no regime jurídico conhecido como Apartheid.4–5
No que se refere a representatividade, antemão devemos observar o fato de o racismo institucional, machismo, homofobia, capacitismo, etc. e suas denotações são marcadores sociais que podem se apresentar em qualquer manifestação que atinja a dignidade de indivíduos ou de coletivos étnicos ou grupais de outra natureza.6 Neste sentido, estes marcadores interferem na forma como a sociedade é subdividida economicamente e como os espaços de poder são subdivididos. A representatividade institucional é a participação das ditas minorias em atividades políticas ou espaços majoritariamente habitados por pessoas brancas, consideradas racialmente e socialmente superiores na concepção histórica patriarcal mundial.
A representatividade política por exemplo, como uma divisão da representatividade institucional, se mostra aos poucos mais diversa e inclusiva a citar a vereadora Duda Salabert, a deputada federal Benedita Da Silva, a professora e pré-candidata Sônia Guajajaras, o ex-deputado federal Jean Wyllys, a vereadora Marielle Franco, a vereadora Erika Hilton, etc. Entretanto, vale ressaltar que ainda que seja de ampla participação ao longo dos anos a presença de minorias nas posições políticas é inferior as posições ocupadas por homens brancos de classe média/alta.
POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO FERRAMENTA A GARANTIR REPRESENTATIVIDADE
As políticas afirmativas, por exemplo, são um enorme passo para a construção de uma sociedade igualitária e isonômica na luta contra os meios segregatícios7 e na eficácia de um direito antidiscriminatório, bem como na inclusão e interação social de todas as pessoas que se enquadram em diferentes polos daqueles que dominam as posições de poder, como por exemplo as mulheres. Quanto maior a participação das diferentes culturas e representações sociais em espaços de poder, seja a academia ou a política, o Brasil se torna um país capaz de atuar ativamente na luta antidiscriminatória, seja ela em favor das mulheres brancas e negras, homens negros, indígenas, pessoas com deficiência e integrantes das comunidades LGBTQI+.
As políticas ou Ações afirmativas são instituídas para garantir a representatividade. Na política as ações afirmativas são resultado da crítica aos limites de inclusão que têm marcado o modelo clássico de cidadania.8
são medidas que combatem a discriminação por meio da compensação da desigualdade de oportunidade. São ações corretivas, voluntárias ou compulsórias, que pretendem eliminar desigualdades historicamente acumuladas, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento. Elas surgem a partir da necessidade de promover os grupos inferiorizados na sociedade e conferir-lhes uma preferência a fim de assegurar seu acesso a determinados postos que, de outro modo, estariam deles excluídos total ou parcialmente.9
A exemplo podemos mencionar as cotas para mulheres na política,10 o fundo econômico que os partidos devem reservar para candidatos negros e cotas raciais/sociais estudantis, como ferramenta de incentivo da participação desta parcela da comunidade, ainda que não garantam a participação de forma efetiva, incentivam sua participação em espaço majoritariamente habitado por homens brancos. A principal razão das políticas afirmativas, como as políticas de cotas, sempre vai além de reparação sócio-histórica ou medida compensatória, mas também a manutenção, inclusão e garantia da participação de diferentes comunidades e pessoas nas construções sociais de forma que cada vez mais possam ser percebidas socialmente como corpos visíveis e não discriminados.
A representatividade afeta positivamente o contexto social, vez que propicia a abertura de um espaço político para que as reivindicações das minorias possam ser repercutidas, especialmente quando a liderança conquistada for resultado de um projeto político coletivo e para além disso, desmantelam as narrativas discriminatórias que sempre colocam minorias em locais de subalternidade. Podendo gerar reflexos como, por exemplo, as mulheres negras questionem o seu lugar social que o imaginário racista lhes reserva.11 A representatividade e seus efeitos importam.
____________________
Referências
________________________________________
1. ALMEIDA, Silvio Luiz de Racismo estrutural / Silvio Luiz de Almeida. — São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro) ISBN: 978-85-98349-74-9 1. Racismo 2. Racismo – História 3. Racismo – Teoria, etc. I. Título II. Ribeiro, Djamila III. Série 19-00703. p. 37-38.
2. HIRSCH apud ALMEIDA, Silvio Luiz de Racismo estrutural / Silvio Luiz de Almeida. — São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro) ISBN: 978-85-98349-74-9 1. Racismo 2. Racismo – História 3. Racismo – Teoria, etc. I. Título II. Ribeiro, Djamila III. Série 19-00703. p. 38.
3. ALMEIDA, Silvio Luiz de Racismo estrutural / Silvio Luiz de Almeida. — São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro) ISBN: 978-85-98349-74-9 1. Racismo 2. Racismo – História 3. Racismo – Teoria, etc. I. Título II. Ribeiro, Djamila III. Série 19-00703. p. 39.
4. Foi um regime jurídico implantado na África do Sul a partir de 1948 que, efetivamente, foi a fusão estabelecida em 1934 pelo Partido Unido – reunindo o Partido Nacional e o Partido Sul-Africano (o qual conta com o apoio da população de origem inglesa e de uma parcela menos significativa dos afrikaaners) – chegou a seu fim. Com os nacionalistas novamente no poder de forma “independente”, a União Sul-Africana entrou em uma fase muito mais complexa, quando foram produzidas mudanças políticas, econômicas e sociais que forjaram um país, de certa forma, na “contramão da História”. O que caracterizou o novo período foi a dissociação entre poder político e poder econômico; a população de origem inglesa manteve o poder econômico, enquanto os afrikaaners passaram a deter o poder político. Assim, a institucionalização do Apartheid tornou-se um dos pilares do novo surto de desenvolvimento (PEREIRA, AD. Apartheid: apogeu e crise do regime racista na África do Sul (1948-1994). In: MACEDO, JR., org. Desvendando a história da África [online]. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. Diversidades series, pp. 139-157. ISBN 978-85-386-0383-2. Available from: doi: 10.7476/9788538603832. Dísponível em: https://bit.ly/3ohlcEs. Acesso em: 28 set. 2021, p. 142). Silvio de Almeida, 2019, como uma mistura macabra de práticas colonialistas-escravistas com o nazismo que vigorou até os anos 1990.
5. ALMEIDA, Silvio Luiz de Racismo estrutural / Silvio Luiz de Almeida. — São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro) ISBN: 978-85-98349-74-9 1. Racismo 2. Racismo – História 3. Racismo – Teoria, etc. I. Título II. Ribeiro, Djamila III. Série 19-00703. p. 108.
6. Racismo Institucional: Fórum de Debates – Educação e Saúde. Centro de Educação e Apoio para Hemoglobinopatias (Cehmob-MG), Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad) e a Fundação Hemominas. 2014, p. 81 e 82. Disponível em: https://bit.ly/3ujPYO4. Acesso em: 28 set. 2021.
7. ALMEIDA, Silvio Luiz de Racismo estrutural / Silvio Luiz de Almeida. — São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro) ISBN: 978-85-98349-74-9 1. Racismo 2. Racismo – História 3. Racismo – Teoria, etc. I. Título II. Ribeiro, Djamila III. Série 19-00703. p. 109.
8. MARTINS, Eneida Valarini. A política de cotas e a representação feminina na Câmara dos Deputados [manuscrito] / Eneida Valarini Martins: — 2007. 58 f. Orientador: Antonio Teixeira de Barros. Impresso por computador. Monografia (especialização) – Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, Curso de Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo, 2007, p. 10.
9. (MOEHLECKE, 2002 apud MARTINS, Eneida Valarini. A política de cotas e a representação feminina na Câmara dos Deputados [manuscrito] / Eneida Valarini Martins: — 2007. 58 f. Orientador: Antonio Teixeira de Barros. Impresso por computador. Monografia (especialização) – Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, Curso de Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo, 2007, p. 10)
10. No Brasil, as cotas não promoveram mudanças significativas no quadro da Câmara dos Deputados, por que não ampliaram os caminhos para a vitória eleitoral das mulheres. As candidatas ainda precisam, em um primeiro momento, ganhar o apoio do partido político, e em um segundo momento, do eleitor. Em razão disso, podemos afirmar que a política de cotas brasileira não funciona como ação afirmativa de fato, uma vez que não equivale a uma medida compensatória, nem está sendo capaz de distribuir oportunidades para as mulheres (MARTINS, Eneida Valarini. A política de cotas e a representação feminina na Câmara dos Deputados [manuscrito] / Eneida Valarini Martins: – 2007. 58 f. Orientador: Antonio Teixeira de Barros. Impresso por computador. Monografia (especialização) – Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, Curso de Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo, 2007, p. 30).
11. ALMEIDA, Silvio Luiz de Racismo estrutural / Silvio Luiz de Almeida. — São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro) ISBN: 978-85-98349-74-9 1. Racismo 2. Racismo – História 3. Racismo – Teoria, etc. I. Título II. Ribeiro, Djamila III. Série 19-00703. p. 110.