É uma prática comum que muitos influenciadores usem suas plataformas para expressar opiniões sobre temas específicos, além de incluir análises de serviços e produtos em seus posts, já que são reconhecidos como formadores de opinião. Nessa linha, um debate frequente surge em relação à indagação sobre se esses influenciadores podem ser sujeitos a responsabilização civil devido às repercussões de suas opiniões expressas nas redes sociais.
Para compreender melhor a questão, é necessário contextualizar os limites da liberdade de expressão na sociedade brasileira. Diferentemente do contexto norte-americano, onde a liberdade de expressão é vista como uma das maiores garantias constitucionais, o legislador brasileiro optou por impor certos limites a esse direito, não conferindo a ele caráter absoluto.1
Se a denominada “opinião” resultar em ofensas a indivíduos ou grupos, ou se caracterizar como discurso de ódio (hate speech) ou prática de linchamento virtual, não pode ser considerada um direito fundamental. Isso se deve ao fato de que pode ser restrita em situações em que a manifestação não esteja em conformidade com os limites estabelecidos pela Constituição Federal. Da mesma forma, notícias falsas ou deturpadas também não seriam amparadas por essa proteção.
No leading case da temática relacionada aos limites da liberdade de expressão (HC 82.424-2/RS),2 o Supremo Tribunal Federal, em 2003, destacou que a liberdade de expressão pode ser restringida nas situações em que a manifestação de pensamento não observa os limites constitucionais.
Dessa forma, caso os influenciadores expressem “opiniões” que venham a ofender terceiros ou grupos específicos, a responsabilidade civil desses indivíduos será respaldada pelos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Levando em conta o amplo alcance dessas personalidades, tanto em relação ao seu público quanto midiático, torna-se evidente que opiniões com conteúdo ofensivo podem causar ainda mais prejuízos aos afetados, o que certamente influirá no quantum a ser indenizado.
A título ilustrativo, é necessário trazer à baila a decisão da 14ª Vara Cível de João Pessoa,3 na qual a influenciadora Maíra Cardi foi condenada ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao nutrólogo Bruno Cosme, que a criticou por recomendar aos seus seguidores o denominado “jejum intermitente”. Em resposta, a coach do emagrecimento replicou ao nutrólogo, chamando-o de “senhor rato” e “doutor de merda”, incentivando um cancelamento, um linchamento virtual, contra o mesmo. É nítido que no caso houve um abuso de direito, com ofensas à honra do lesado.
A r. sentença destacou:
A demandada se autointitula “pessoa pública” – o fazendo inclusive em sua contestação – e conta com 6 (seis) milhões de seguidores na rede social. É pacífico o entendimento de que aqueles que se utilizam profissionalmente das redes sociais devem ser ainda mais cautelosos com aquilo que publicam, vez que, com um grande alcance, vem também uma grande responsabilidade.
As ofensas propaladas pela ré detém óbvio potencial danoso à pessoa do demandante, inclusive em relação à sua vida profissional, vez que este fora exposto a escárnio diante de milhões de pessoas – pessoas estas que, como a palavra “seguidor” sugere, guardam algum tipo de identificação com a demandada. (PARAÍBA. Poder Judiciário da Paraíba. Procedimento Comum Cível 0816012-44.2021.8.15.2001. 14ª Vara Cível da Capital. Juiz: Marcos Aurelio Pereira Jatobá Filho. julg. 14 nov. 2022. Diário da Justiça Eletrônico, João Pessoa, publ. 14 nov. 2022. Disponível em: link. Acesso em: 06 fev. 2024)
Considerando que as expressões utilizadas pela influenciadora nas redes sociais se configuraram como ofensivas, com potencial danoso à honra, nome e imagem tanto pessoal quanto profissional do médico, a decisão revela-se em conformidade com os desenvolvimentos na área, uma vez que o exercício da liberdade de expressão não é ilimitado ou absoluto. Especialmente em casos que envolvem agressão aos direitos de personalidade, a restrição se mostra justificável.Parte superior do formulário
A mesma regra deve se aplicar a outros casos de cancelamento digital, onde influenciadores, movidos pela chamada cultura do cancelamento, proferem argumentações ofensivas aos ditos cancelados, clamando pelo rebaixamento social.
Assim, “o que se nota nas redes sociais da internet é a mais completa devassa da privacidade decisional, quando o indivíduo é colocado como um alvo de apedrejamento virtual por qualquer deslize, por mínimo que seja, ou nem isso: simplesmente por ódio gratuito”.4 Situação recente envolveu a página “Choquei”, que, inclusive, conta com seus administradores atualmente sendo investigados pelo Ministério Público de Minas Gerais por suposta contribuição ao suicídio de uma jovem, em razão de falsas notícias veiculadas pela página.
Por outro lado, surge a indagação sobre a possibilidade de responsabilização civil decorrente das opiniões emitidas por influenciadores em análises de produtos e serviços. É frequente observar que diversas dessas personalidades, especialmente microinfluenciadores com perfis dedicados a um tipo específico de conteúdo, realizam reviews constantes relacionados a um nicho específico, como, por exemplo, restaurantes, marcas de roupa, produtos alimentícios, bebidas, entre outros.
Muitas vezes, quando não existe uma publicidade vinculada, muitas marcas se beneficiam com opiniões positivas destes influenciadores, percebendo, inclusive, aumento de seus rendimentos. Por vezes, contudo, alguns fatores são determinantes para que uma avaliação negativa prejudique a reputação (e fluxo de clientela) de determinadores fornecedores de produtos ou serviços.
Neste caso, os tribunais têm entendido, majoritariamente, que apenas a expressão de uma opinião, mesmo que negativa, sem conter conteúdo valorativo ilícito, não é suficiente para assegurar a responsabilização civil do emissor, uma vez que essa manifestação de pensamento estaria dentro dos limites da liberdade de expressão. Afinal, ninguém é obrigado a compartilhar exclusivamente conteúdos com críticas positivas, contanto que as críticas negativas não ultrapassem os critérios legais ou ofendam terceiros, inclusive pessoas jurídicas (Súmula 227 do STJ).
A título ilustrativo, o jornalista José Trajano indicou, em seu Twitter, que a comida da rede Coco Bambu era “uma merda cara e sem sabor”. Entendeu o E. TJSP:5
Ainda que veiculadas com tom ácido e mediante utilização de palavras um tanto quanto ríspidas, as postagens realizadas pelo apelado não têm conteúdo ilícito, mas se limitam a emitir opinião acerca da qualidade e preço do restaurante agravante, de modo que não houve propriamente intenção de caluniar a apelante. (TJSP; Apelação Cível 1099335-34.2021.8.26.0100; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/09/2022; Data de Registro: 21/09/2022).
Neste sentido, como não houve uma intenção expressa e aparente de caluniar ou difamar a empresa, não existiria conteúdo ilícito capaz de ensejar a responsabilização civil. Contudo, os casos devem ser analisados com significativa cautela, verificando-se principalmente a intenção de prejudicar a empresa ou pessoa e o nexo causal em relação ao suposto dano sofrido. Entende-se, portanto, que uma simples crítica não ultrapassaria os limites da liberdade de expressão.
Referências
____________________
1. Nesse sentido, recomenda-se a leitura de: RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Liberdade de expressão, responsabilidade civil e discurso de ódio. Portal Migalhas. 2021. Disponível em: link. Acesso em: 21 out, 2022
2. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Habeas Corpus 82.424-2/RS. Paciente: Siegfried Ellwanger. Impetrante: Werner Cantalício João Becker. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Moreira Alves. Diário de Justiça, Brasília, DF, 2003.
3. PARAÍBA. Poder Judiciário da Paraíba. Procedimento Comum Cível 0816012-44.2021.8.15.2001. 14ª Vara Cível da Capital. Juiz: Marcos Aurelio Pereira Jatobá Filho. julg. 14 nov. 2022. Diário da Justiça Eletrônico, João Pessoa, publ. 14 nov. 2022. Disponível em: link. Acesso em: 06 fev. 2024
4. ACIOLI, Bruno de Lima; PEIXOTO Erick Lucena Campos. A privacidade nas redes sociais virtuais e a cultura do cancelamento. Revista Fórum de Direito Civil – RFDC, Belo Horizonte, ano 10, n. 26, p. 177-196, jan./abr. 2021.
5. TJSP; Apelação Cível 1099335-34.2021.8.26.0100; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/09/2022; Data de Registro: 21/09/2022