A 2ª Seção Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) fixou tese em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) estabelecendo que, em ações prestacionais nas relações de consumo, o interesse de agir depende da comprovação da tentativa prévia de solução extrajudicial. O tribunal destacou a importância dessa etapa de autocomposição antes do ingresso na via judicial, sem prejuízo ao direito de acesso à justiça, ressaltando que a ausência dessa comprovação pode resultar na extinção do processo sem julgamento do mérito. Canais oficiais como SAC, Procon e plataformas como consumidor.gov e Reclame Aqui são considerados meios válidos para essa tentativa de resolução. A decisão também prevê que, se o fornecedor não responder à reclamação em até dez dias úteis, isso configura o interesse de agir, permitindo o prosseguimento da demanda judicial. Além disso, em casos de risco de perecimento de direito, como o prazo prescricional iminente, o consumidor pode ingressar diretamente com a ação, desde que comprove a tentativa extrajudicial em até 30 dias após a concessão de tutela de urgência. Foi ainda determinado um prazo para adaptação de processos já em curso antes da publicação da decisão, para que as partes possam emendar a petição inicial com as comprovações necessárias.1
A medida representa um retrocesso em matéria de direito do consumidor, e privilegia fornecedores em detrimento de consumidores, partes vulneráveis em uma relação de consumo. Nesse sentido, “o professor Leonardo Nunes enfatiza que muitos consumidores são hipervulneráveis, ou seja, possuem dificuldade ao acesso direto à negociação com os fornecedores de produtos ou serviços e isso se torna um entrave para seu acesso à justiça. É o caso de pessoas idosas, os mais pobres, ou ainda aqueles que não têm conhecimento ou não se utilizam de ferramentas digitais. O professor traz como exemplo o tempo que uma pessoa leva com atendimentos online ou telefônicos”.2
Ao fim, o professor faz referência ao desvio produtivo do consumidor, tese que demorou a ser reconhecida pelos tribunais, e representa um enorme avanço civilizatório. Todavia, a tese fixada pelo TJMG em IRDR terá o condão de estimular que o consumidor seja submetido a gastar seu tempo e energia para resolver problemas de consumo que não deveriam existir.
Por óbvio, a tese fixada pelo TJMG foi adotada pragmaticamente com o único objetivo de reduzir a judicialização, mas não observou-se as consequências práticas da decisão, para além de corroborar com a prática do desvio produtivo de consumidor, e ignorar a vulnerabilidade técnica do consumidor, que terá dificuldade de negociação com os fornecedores. Um dos efeitos mais graves será aumento na cobrança por serviços advocatícios, o que por sua vez ensejará um número maior de consumidores desassistidos que se utilizarão do Juizado Especial Cível para ao fim ver suas demandas serem extintas sem resolução do mérito.
Salienta-se que “A Constituição Federal de 1988 impõe ao Estado o dever de garantir a proteção da pessoa consumidora nos termos de Lei. Com efeito, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário estão submetidos e vinculados ao padrão de proteção prescrito pelo Código de Defesa do Consumidor”.3
Complementarmente, a Constituição prevê o princípio da inafastabilidade de jurisdição, que enquanto principio não necessariamente devem ser aplicados em sua inteireza, de modo que existem algumas exceções em que se deve adotar primeiramente a via extrajudicial como demandas contra o INSS, Justiça Desportiva, e Habeas Data. Todavia, tratam-se de exceções. E mais importante em nenhuma das situações anteriormente descritas o indivíduo está em situação patente de vulnerabilidade tal qual em uma relação de consumo.
Assim em apoio a Moção aprovada pelo Brasilcon, conclama-se a sociedade brasileira e os órgãos de defesa da pessoa consumidora a estarem alertas, se posicionarem contra e a adotarem medidas de resistência e enfrentamento contra essa explícita tentativa de desconstrução de direitos.
Referências
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1. Migalhas. TJ/MG: Relação de consumo exige tentativa extrajudicial antes da Justiça. Migalhas. 2024. Disponível em: site. Acesso em: 14 out. 2024
2. UFOP. Professores do Departamento de Direito participam de audiência pública no TJMG. UFOP. Disponível em: site. Acesso em: 14 out. 2024.
3. BRASILCON. Moção. Instagram. 2024. Disponível em: site. Acesso em: 15 out. 2024.