Retrocesso: Projeto reduz indenização por atraso e cancelamento de voos

Retrocesso: Projeto reduz indenização por atraso e cancelamento de voos

mundo e avião

A atualização da legislação brasileira sobre turismo (PL 1.829/2019) promove mudanças em alguns artigos do Código Brasileiro de Aeronáutica, especialmente nos artigos 246 e 251-B, que passariam a vigorar com o seguinte texto:

Art. 246. A responsabilidade por danos ocorridos durante a execução do contrato de transporte de serviço aéreo será determinada de acordo com o disposto neste Título.
Parágrafo único. A responsabilidade civil no transporte aéreo internacional é regida pelas normas previstas em tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte, especialmente pela Convenção de Montreal, promulgada pelo Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006.” (NR)

Art. 251-B. É vedada a concessão de indenização por dano moral com caráter presumido ou punitivo ou que de qualquer forma não tenha por objetivo compensar um dano comprovado.1

Notas sobre a redação dada ao art. 246

Inicialmente, cumpre destacar o contexto em que surge essa redação dada ao art. 246.

O STF fixou o Tema 210, segundo o qual entendeu-se que os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.2

Tal tema passou por uma importante atualização em 2022, ao destacar que tal entendimento não se aplica às hipóteses de danos extrapatrimoniais, de modo que se aplica a danos materiais.

Complementarmente a Corte Constitucional fixou-se o Tema 1240 “Não se aplicam as Convenções de Varsóvia e Montreal às hipóteses de danos extrapatrimoniais decorrentes de contrato de transporte aéreo internacional”,3 por conseguinte, submetem-se ao prazo prescricional de 5 anos do CDC.

Salienta-se que “alguns tribunais vêm adotando a tese 210 STF com restrição ao objeto da ação, por concluir que sua aplicabilidade se limita tão somente à hipótese de extravio de bagagem em voo internacional de passageiros”.4 , de modo que não seria aplicável a hipóteses de transportes aéreos internacionais de cargas e aos litígios envolvendo seguradores sub-rogados.5

Nesse contexto surge a redação do art. 246 que objetiva impossibilitar a aplicação do CDC aos processos judiciais contra as aéreas, o que é um equivoco, já que a posição firmada pelo STF ao aplicar a Convenção a hipótese de danos materiais já era criticável. Para a advogada do IDEC, Claudia Almeida, “o resultado do julgamento representa um retrocesso aos direitos dos consumidores brasileiros com um nítido enfraquecimento do CDC”.6.

Em reprovabilidade a esta alteração, Mário Sergio Galvão, ressalta que: “O Código de Defesa do Consumidor protege, como o próprio nome diz, o consumidor. O CBA protege o fornecedor, a empresa aérea”.7.

Notas sobre a redação dada ao art. 251-B

A redação dada ao art. 251-B promove um estímulo a falhas reiteradas na prestação dos serviços por parte das companhias aéreas, ao vedar a indenização por dano moral com caráter presumido ou punitivo.

A função pedagógica da responsabilidade civil é hábil a desestimular comportamentos reiteradamente danosos a direitos alheios. Nesse sentido, o diretor de relações institucionais do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Igor Britto, destaca que “um juiz com visão mais clara do problema diz hoje: esta companhia aérea está toda hora aqui com um problema, vou condená-la a pagar indenização que tenha caráter pedagógico, que faça ela aprender que não vale a pena atender mal seus clientes”. 8.

Através da análise econômica do direito também percebe-se a reprovabilidade da alteração legislativa. Nesse linha de intelecção, o Presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON), o promotor Luiz Eduardo Lemos de Almeida, destaca que: “A companhia aérea fará o cálculo de custo e benefício. Se o dano moral for meramente compensatório, muitas vezes a empresa vai, digamos assim, fazer um cálculo atuarial e não vai corrigir suas práticas, continuará cometendo ilícitos, porque será sabedora de que haverá apenas dano moral compensatório – e apenas se comprovado”.9.

Complementarmente, o promotor destaca que  haverá uma redução de possibilidade da atuação do Ministério Pública na defesa do direitos dos consumidores como no caso de cancelamento de rota área pós venda das passagens, “se a companhia resolve suspender a operação daquele trecho, ela seria condenada apenas a restituir o dano material. E, no caso do dano moral, apenas se ele for comprovado e a título contestatório. Não poderia o Ministério Público pedir dano moral coletivo e com aspecto punitivo com relação a essa conduta abusiva.”10.

Conclusão

O texto retornará à Câmara, que o aprovou em 2019 sem as restrições à indenização de passageiros.

Espera-se que reveja-se essas alteração de modo a não prejudicar o consumidor. O enfraquecimento do Código de Defesa do Consumidor (CDC) representa um retrocesso significativo para a proteção dos direitos dos consumidores, especialmente em uma sociedade onde a relação de consumo muitas vezes coloca o consumidor em posição de vulnerabilidade diante de grandes empresas e fornecedores.

O CDC é uma ferramenta crucial para equilibrar essa relação, oferecendo mecanismos de defesa e compensação para práticas abusivas e garantindo a transparência e a qualidade dos produtos e serviços oferecidos. Sem uma regulamentação robusta, os consumidores ficam expostos a fraudes, publicidade enganosa, contratos leoninos e outras práticas prejudiciais, o que não apenas compromete a confiança no mercado, mas também pode levar a prejuízos financeiros e emocionais significativos. Assim, a proteção ao consumidor é fundamental para uma sociedade justa e equilibrada, garantindo que todos os indivíduos possam exercer seus direitos de maneira plena e segura.

 

Referências

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1. BRASIL. PL 1829/2019. Disponível em: site. Acesso em: 01 ago. 2024

2. STF. Tema 2010. Disponível em: site. Acesso em: 01 ago. 2024

3. STF. Tema 1240. Disponível em: site. Acesso em: 01 ago. 2024

4.  OLIVEIRA, Daniel Araujo de Freitas. Limites à indenização por extravio ou dano a bagagem em voo internacional. Conjur. 2024. Disponível em: site. Acesso em: 01 ago. 2024

5.  Para saber mais recomenda-se a leitura de: CREMONEZE, Paulo Henrique. Esclarecimento sobre o tema 210 de repercussão geral do STF e a convenção de Montreal. Migalhas. 2022Disponível em: site. Acesso em: 01 ago. 2024

6.  Idec critica decisão do STF sobre extravio de bagagem. O GLOBO. 2017. Disponível em: site. 01 ago. 2024

7. 8. 9.10.  DI CUNTO, Raphael. RIBEIRO, Marcelo. Projeto reduz indenização por atraso e cancelamento de voos. Valor Econômico. 2024. Disponível em: site. Acesso em: 01 ago. 2024

 

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