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Saúde em tempos de “pós”-pandemia: healthtechs como soluções eficazes

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São Paulo recentemente liberou o uso de máscaras em locais fechados e abertos, com pequenas exceções. Esse tema nos remete à saúde que, nos últimos anos, foi um dos setores que se desenvolveu exponencialmente, principalmente quando o assunto é healthtechs. De acordo com relatório publicado pela CB Insights,1 ainda há um vasto mercado para seu crescimento.

Estas empresas tecnológicas são assim chamadas por desenvolverem soluções inovadoras no setor da saúde, por meio de softwares ou plataformas digitais. De acordo com o Marco Regulatório das Startups e do Empreendedorismo Inovador, as healthtechs, como startups, configuram-se como sociedades na forma de empresário individual, empresa individual de responsabilidade limitada, sociedades empresárias, sociedades cooperativas ou sociedades simples, desde que possuam no máximo dez anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e que sua receita bruta do ano anterior seja de até R$ 16.000.000,00 – caso sua constituição não alcance um ano, de até R$ 1.333.334,00 multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior.

Para o Direito, resta enquadrar estes novos modelos de negócio na ordenação jurídica, com a aplicação e obediência às normas pertinentes para regular o seu funcionamento. Um dos desafios é a conformidade com todo o arcabouço de regulamentação setorial que deve ser observado pelo empresário antes mesmo de a startup começar a oferecer seus produtos e serviços.

Assim, algumas questões precisam ser solucionadas para o regular funcionamento da empresa como (i) se o modelo de negócio é um serviço de assistência à saúde (art. 20 da Lei 8.080/1990 e artigos 58 e 59 da Lei 13.725/2004), (ii) verificação de um Cadastro Municipal de Vigilância Sanitária (artigo 90 da Lei 13.725/2204), (iii) necessidade de uma licença de funcionamento sanitária perante a Vigilância Sanitária Local (para São Paulo, Portaria 2215/2016), (iv) necessidade de um Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde, com um responsável técnico pelas atividades de saúde a serem desenvolvidas (Portarias 1646/2015 e 01/2017 do Ministério da Saúde), (v) verificação da exigência de uma Autorização de Funcionamento da ANVISA (AFE) (Resolução da sua Diretoria Colegiada 16/2014) e questões envolvendo telemedicina e tele saúde.

Diversas autoridades também regulamentam a temática, como Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Superintendência de Seguros Privados, Conselhos Federais e Regionais de classe, como medicina, enfermagem, psicologia, nutrição e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, isto sem contar a perspectiva do consumidor que envolve diversas autoridades no Brasil, como SENACON e PROCONs.

Ainda, healthtechs devem se preocupar com dados pessoais, notadamente dados pessoais sensíveis, por tratarem dados de saúde em grande escala. Em tal contexto, destacam-se as disposições do Marco Civil da Internet (MCI) e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Em relação ao primeiro, cabe enquadrar o modelo de negócio como provedor de aplicação. A responsabilidade dos provedores de aplicação está prevista no artigo 19, sendo que, salvo algumas exceções, somente poderão ser responsabilizados por conteúdo gerado por terceiros após ordem judicial.

A LGPD, por sua vez, regulamenta o tratamento de dados pessoais e dá especial atenção aos dados pessoais sensíveis, que englobam os dados de saúde. Healthtechs, além de outros dados pessoais, tratarão esta categoria de dados sensíveis pela própria natureza da sua atuação.

Nesse sentido, ao agente de tratamento, caberá analisar a base legal aplicável (artigo 11, LGPD), as garantias dos direitos dos titulares (artigo 18 e outros, LGPD), os princípios (artigo 6º, LGPD) e, ainda, a proibição de comunicação ou uso compartilhado entre controladores de dados pessoais de saúde com objetivo de obter vantagem econômica, exceto em algumas hipóteses (artigo 11, parágrafo 4º, LGPD). Aguarda-se, no entanto, regulamentação da ANPD sobre este tema específico, conforme parágrafo 3º do artigo 11. Em tal contexto, vale destacar que o parágrafo seguinte do referido artigo previu expressamente a vedação de tratamento de dados de saúde por operadoras de planos de saúde para seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade, assim como na contratação e exclusão de beneficiários.

É fundamental destacar que a regulação pode gerar desincentivos ao setor, sendo necessário um equilíbrio para permitir o crescimento destas empresas. Para tanto, será necessária uma análise regulatória transversal.

É preciso ter em mente que o excesso de regulação acarreta desincentivo ao setor, pois aumenta excessivamente os custos de transação do modelo de negócio. Assim, com olhar voltado ao ambiente público, é preciso ao agente público criar molas propulsoras que estimulem o crescimento do setor das healthtechs e não apenas delinear um emolduramento regulatório gravoso a esses agentes econômicos, pois corre-se o risco de o antibiótico ser mais forte que a doença.2 

Vê-se, assim, que os desafios para healthtechs não são poucos, sendo exigida uma certa habilidade de nós, como operadores do Direito, para evitarmos que estes modelos de negócio não fiquem em desconformidade com as disposições do ordenamento jurídico nacional.

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Pietra Daneluzzi Quinelato

 

Referências

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1. STATE Of Healthcare Q3’21 Report. CBInsights. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3JAIih7. Acesso em: 20 de março de 2022.

2. DOMINGUES, Juliana O.; PEZATI, Emanuele; QUINELATO, Pietra D. Transversalidade regulatória: o exemplo dos modelos de negócio das healthtechs na economia digital. In: FRANÇA, Maria Carolina; TIMM, Luciano. A nova regulação econômica. São Paulo: CEDES, 2022.

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