Say Drake: notas sobre a liberdade de expressão artística norte-americana no contexto da rivalidade entre Drake e Kendrick Lamar

Say Drake: notas sobre a liberdade de expressão artística norte-americana no contexto da rivalidade entre Drake e Kendrick Lamar

Kendrick Lamar e Drake

Say, Drake, I hear you like ‘em Young

You better not ever go to cell block one

To any b**** that talk to him and they in love

Just make sure you hide your lil’ sister from him

(LAMAR, Kendrick. Not Like Us. Interscope Records, 2024)

A rivalidade entre os rappers Kendrick Lamar e Drake ganhou novos contornos recentemente1com o lançamento de faixas que contêm críticas e acusações mútuas e com a apresentação do cantor norte-americano no domingo (09/02) no Superbowl LIX. Em especial, a música “Not Like Us” – faixa vencedora de cinco prêmios Grammy –, de Lamar, gerou polêmica ao sugerir que Drake estaria envolvido em condutas moralmente reprováveis, indicando que o canadense seria pedófilo.

A rivalidade entre Kendrick Lamar e Drake, dois dos maiores nomes do hip-hop contemporâneo, teve início em 2013, quando Lamar lançou a faixa “Control“, na qual mencionava diversos rappers, incluindo Drake, desafiando-os a elevar o nível do rap. Embora inicialmente interpretada como uma provocação saudável, a relação entre os dois artistas deteriorou-se ao longo dos anos, com trocas de indiretas em músicas e entrevistas. O ápice dessa disputa ocorreu em 2024, quando acusações mútuas ganharam intensidade, com acusações de Drake de que Lamar agredia a esposa e os filhos.2

O ápice dessa rivalidade aconteceu durante o show do intervalo do Super Bowl LIX, onde Kendrick Lamar apresentou “Not Like Us” para uma audiência recorde de 133,5 milhões de espectadores, superando o recorde anterior de Michael Jackson. Durante a performance, Lamar fez referências diretas a Drake, intensificando a disputa pública entre os dois3. O cantor Drake, em resposta à música, processou a gravadora Universal Music Group pela difamação cometida pelo rapper americano na aludida faixa4.

Diante do aludido cenário e considerando a demanda judicial movida por Drake, surgem questionamentos sobre a liberdade de expressão artística e seus possíveis desdobramentos no campo da responsabilidade civil.

Inicialmente, é necessário traçar um paralelo entre o cenário brasileiro e o contexto norte-americano, a fim de esclarecer a amplitude dessa garantia constitucional. Nas palavras de Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk:

Nos Estados Unidos da América, a freedom of speech, ainda que não seja ilimitada, ocupa posição de evidente primazia, sendo admitida a sua restrição apenas em casos excepcionais. Fora dessas hipóteses de absoluta exceção, prevalece a liberdade de discurso. Essa liberdade, na construção jurisprudencial norte-americana, se estende, inclusive, a discursos ofensivos ou, mesmo, aqueles francamente inseridos no conceito de discursos de ódio.5

Nesse contexto, o caso Hustler Magazine v. Falwell (1988) tornou-se um paradigma da proteção à liberdade de expressão artística nos Estados Unidos. Larry Flynt, idealizador da revista Hustler, travou longa batalha judicial na década de 1980, defendendo a liberdade de expressão, inclusive para conteúdos ofensivos e satíricos.

A Suprema Corte norte-americana decidiu a seu favor, reconhecendo que penalizar a intenção de causar dano emocional afetaria a liberdade de crítica e sátira contra figuras públicas.

To be sure, in other areas of the law, the specific intent to inflict emotional harm enjoys no protection. But with respect to speech concerning public figures, penalizing the intent to inflict emotional harm, without also requiring that the speech that inflicts that harm to be false, would subject political cartoonists and other satirists to large damage awards.

Assim, a reflexão norte-americana sobre os limites da liberdade de expressão se aparta dos avanços brasileiros em relação à temática, em parte pelo próprio contexto cultural, sendo que o caso não é novidade em termos da “escolha de Sofia” norte-americana, considerando ainda o contexto artístico.

Segundo o Legal Information Institute, a difamação (defamation) no direito norte-americano é definida da seguinte forma:

Defamation is a statement that injures a third party’s reputation. The tort of defamation includes both libel (written statements) and slander (spoken statements). State common law and statutory law governs defamation actions, and each state varies in their standards for defamation and potential damages . Defamation is a tricky area of law as the lines between stating an opinion versus a fact can be vague, and defamation tests the limits of the first amendment freedoms of speech and press.7

Percebe-se, portanto, que a difamação desafia os limites da liberdade de expressão. No caso entre Drake e Lamar, é provável que a demanda do rapper canadense não prospere de forma significativa, uma vez que não houve uma acusação formal por parte do rapper norte-americano de chamá-lo de pedófilo, mas sim uma provocação baseada em rumores já amplamente divulgados pela mídia.

Dessa forma, a faixa de Lamar se alinha à tradição das diss tracks, características do hip-hop, que frequentemente incorporam ataques verbais entre rivais sem consequências legais severas.

Ademais, o demandante de uma ação por difamação deverá provar quatro requisitos: a) uma declaração falsa pretendendo ser um fato; b) publicação ou comunicação dessa declaração a terceiros; c) culpa equivalente, no mínimo, a negligência; e d) danos, ou algum dano causado à reputação da pessoa ou entidade objeto da declaração.

No caso, ainda que os três primeiros requisitos possam estar preenchidos, não houve, de forma concreta, danos à figura e/ou imagem e/ou reputação de Drake diretamente relacionados ao trecho da música. Pelo contrário, a rivalidade entre os dois artistas resultou em benefícios financeiros para ambos, com aumento expressivo no número de reproduções em plataformas de streaming.

Além disso, a tradição do hip-hop, marcada pelo uso de diss tracks como forma de competição artística, fortalece o argumento de que a faixa de Lamar deve ser interpretada dentro do contexto da cultura do gênero. O histórico de batalhas verbais no rap demonstra que tais provocações são aceitas como parte do jogo artístico e raramente resultam em vitórias judiciais por difamação.

Dessa forma, Drake enfrentará dificuldades para comprovar os chamados emotional damages, especialmente porque, inicialmente, foi ele quem lançou acusações contra Lamar, insinuando que o rival seria agressor da própria família. Nesse contexto, a provocação de Kendrick pode ser interpretada como uma resposta dentro da dinâmica tradicional das diss tracks, onde ataques e insinuações fazem parte do jogo retórico do rap, tornando ainda mais desafiadora a tarefa de demonstrar um dano real e juridicamente reparável. Em suma, a resiliência da Primeira Emenda e o combate contra a censura devem prevalecer.

 

Referências

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1. NEW YORK POST. Drake and Kendrick Lamar’s epic feud explained: timeline. 2025. Disponível em: https://nypost.com/entertainment/kendrick-lamar-drake-feud-timeline/. Acesso em: 14 fev. 2025.

2. BILLBOARD. Drake & Kendrick Lamar’s Rocky Relationship Explained. 2025. Disponível em: https://www.billboard.com/lists/drake-kendrick-lamar-beef-timeline/nov-2011-kendrick-lamar-featured-on-drakes-take-care-album/. Acesso em: 13 fev. 2025.

3. BBC. Kendrick Lamar and Drake beef: What’s the latest? 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/news/articles/cy8xmkmg207o. Acesso em: 14 fev. 2025.

4. NBC NEWS. Drake files federal lawsuit accusing UMG of defamation over promotion of Kendrick Lamar’s ‘Not Like Us’. 2025. Disponível em: https://www.nbcnews.com/news/us-news/drake-files-federal-lawsuit-umg-defamation-promotion-kendrick-lamars-n-rcna187790. Acesso em: 13 fev. 2025.

5. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Liberdade de expressão, responsabilidade civil e discurso de ódio. Portal Migalhas. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3ubLuJE. Acesso em: 13 fev. 2025.

6.  US SUPREME COURT. “Hustler Magazine, Inc. v. Falwell.” Oyez, Disponível em: https://bit.ly/3LaQbuk. Acesso em: 14 fev. 2025.

8.  CORNELL LAW SCHOOL. Legal Information Institution. Defamation. Disponível em: https://www.law.cornell.edu/wex/defamation. Acesso em: 14 fev. 2025.

 

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