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“Se você não paga por um produto, você é o produto”: a publicidade comportamental nas redes sociais

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A relevância do marketing digital na contemporaneidade é marcado, principalmente, pela inserção das redes sociais à rotina dos indivíduos, garantindo certa sensação de protagonismo, e, por conseguinte, transcendendo barreiras1 e possibilitando a ágil difusão de conteúdo, sendo que neste norte é notável a presença de novas técnicas publicitárias adotadas pelos fornecedores de produtos e serviços, de forma que “diante das técnicas de marketing e publicidade, as redes sociais conseguem de fato influenciar e fazer o consumidor pensar que ele necessita daquele bem ou serviço que está sendo mostrado, instigando, assim, ao consumismo”.2

Guilherme Magalhães Martins e Arthur Pinheiro Basan3 elucidam que:

Diante do contexto de grandes fluxos de informação, onde as pessoas são expostas a uma quantidade nunca antes vista de informações, todos os dias, o tempo todo, a publicidade se transforma numa verdadeira arte, que se adapta constantemente visando instigar os desejos e as necessidades de consumir.

A publicidade comportamental encontra-se presente nas redes sociais, caracterizando o “espaço-mercado” que clama pela atenção centralizada e insaciável dos consumidores, que são notavelmente influenciados por uma publicidade personalizada, elaborada através de dados coletados.

Nesse contexto, empresas recorrem a modernos recursos tecnológicos que viabilizem o exercício do chamado marketing segmentado. Em simples termos, trata-se de expediente a partir do qual as estratégias publicitárias são reorganizadas por mecanismos como machine learning e algoritmos para que determinado anúncio seja apresentado ao consumidor que (potencialmente) tenha maior necessidade de consumir o produto ou serviço anunciado.4

Isso se torna possível quando o usuário das redes sociais disponibiliza para as plataformas seus dados pessoais em troca de um serviço aparentemente gratuito, mas, sem saber que, “ao mesmo tempo em que é compelido a fornecer seus dados na rede, poderá ver essas mesmas informações voltadas contra si num futuro não muito distante, a depender de como elas serão utilizadas”.5

Explicam Dennis Verbicaro e Janaína Vieira:6

Mesmo que não haja a indicação clara de remuneração direta, existem os casos com “gratuidade aparente”, em que o fornecedor, embora não exija diretamente do consumidor a prestação, alcança vantagem em razão daquela relação, o que ocorre nitidamente na economia de dados pessoais.

Cumpre destacar que as plataformas de redes sociais integram a relação jurídica de consumo, de acordo com o Recurso Especial nº 1.349.961/MG,7 posto que elas são remuneradas de forma indireta, atraindo, assim, as disposições estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, “ao coletar e analisar ainda mais dados sobre os usuários, os anunciantes online dão um grande passo para determinar se seus anúncios influenciam as compras e como melhor influenciar as compras”,8 sendo que, negativamente, “a publicidade comportamental pode influenciar na tomada de decisão dos indivíduos, aumentando o consumo de forma não racional diante da minoração da liberdade de escolha”.9

Faz parte do cotidiano digital, portanto, os episódios de cruzamentos de dados pessoais que direcionam a publicidade presente nas plataformas sociais, por intermédio do marketing algorítmico, capaz de orquestrar nossos hábitos consumeristas e tomadas de decisão, retirando-se a autonomia de vontade plena do indivíduo moderno.

Nesse sentido, o ciberespaço encontra-se definido pela manipulação de vontades de acordo com o perfil traçado pelo cruzamento entre dados, representando, assim, violações às disposições normativas que são pautadas como os novos danos da era tecnológica, como a moldagem forçada de padrões sociais e de consumo, que, em seu turno, se amoldam pela irracional eficácia de dados, ocasionando a chamada discriminação algorítmica e os impulsos consumeristas. Dissertam Guilherme Magalhães Martins e Arthur Pinheiro Basan:10

Cria-se, portanto, uma “bolha” com o “filtro invisível”, de modo que os conteúdos e informações que o consumidor recebe nas publicidades estão relacionados aos interesses e costumes inferidos através dos seus dados pessoais. Com efeito, o marketing, aproveitando-se dessas informações, se promove através de procedimentos lógicos perfeitamente definidos, sem que o consumidor ao menos tenha conhecimento a respeito do procedimental por trás disso (na figura das blackboxes). É o chamado marketing algorítmico.

A crescente complexidade dos sistemas algorítmicos dificulta que pessoas não-especializadas possam compreender as tomadas de decisões algorítmicas, uma vez que tais métodos são marcados por notável falta de transparência em relação aos usuários, sendo a opacidade característica proposital, de modo que “o controle dos dados pessoais requer uma justificativa sobre tudo que possa nos afetar, desde a fase de coleta até o descarte”.11

A proposital ausência de transparência na veiculação de dados pessoais, através da construção da criação do perfil baseado em seus hábitos no ambiente virtual, viola o dever constitucional de proteção das pessoas, em que a extrema fragilidade do consumidor denota um novo contexto de hipervulnerabilidade no ambiente digital.12

Os algoritmos, assim, orquestram as diretrizes comportamentais, encaminhando publicidades específicas para determinado público, personalizando-as e alterando a liberdade e autonomia de vontade dos indivíduos, sendo, assim, uma publicidade baseada no comportamento.

A publicidade direcionada pela racionalidade algorítmica tem por objetivo explorar a irracionalidade e a compulsão do consumidor. Consequentemente, em razão da vulnerabilidade comportamental do consumidor ante as práticas predatórias de marketing, o direcionamento e a subjetivação do ciberespaço influenciam diretamente o poder de escolha do consumidor.13

Essa publicidade direcionada torna-se personalizada e onipresente, bombardeando os consumidores com anúncios excessivos que se traduzem como verdadeira patologia informacional, de forma em que a estabelecida “proposta de uma vida ‘presentista’ sugere decisões rápidas e não refletidas, que alienam o consumidor”14 e, consequentemente, retiram sua autonomia de vontade. É observado que “não são os dados, em si, que se busca tutelar, mas, sim, a pessoa humana”.15

A questão deve ser refletida sob a ótica da opacidade das informações, posto que notavelmente mascaram aos indivíduos que estão, de certa forma, “trocando a utilização de um serviço pela publicidade personalizada”, que possui potencial de alterar a própria autonomia de vontade e o modo de agir, que será influenciado pelo conteúdo exagerado presente nos anúncios veiculados nas mídias digitais.

É preciso, portanto, superar o entendimento de que tais práticas seriam toleráveis ou ainda simples aborrecimento, transcendo a visão para o campo da responsabilidade civil que enfaticamente garanta, por intermédio de suas funções, a responsabilização dos ofensores pelo eventual dano moral causado, tal como promover, no campo legislativo, uma extensão protecionista aos direitos básicos dos consumidores, considerando esse cenário tecnológico marcado pela necessidade de eficazes respostas jurídicas aos incontáveis e hodiernos avanços.

 

Referências

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1. LACERDA, Bruno Torquato Zampier. Bens digitais: cybercultura, redes sociais, e-mails, músicas, livros, milhas aéreas, moedas virtuais. 2. ed. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 37-38.

2. SOARES, Dennis Verbicaro; LEAL, Pastora do Socorro Teixeira; GILLET, Jéssica. Consumidor e redes sociais: a nova dimensão do consumismo no espaço virtual. Revista Pensamento Jurídico, v. 14, n. 1, 2020, p. 12.

3. MARTINS, Guilherme Magalhães; BASAN, Arthur Pinheiro. O marketing algorítmico e o direito de sossego na internet. In: BARBOSA, Mafalda Miranda; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; SILVA, Michael César; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura (Coords.). Direito Digital e Inteligência Artificial: Diálogos entre Brasil e Europa. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 352.

4. MARTINS, Guilherme Magalhães; JÚNIOR, José Luiz De Moura Faleiros; BASAN, Arthur Pinheiro. A responsabilidade civil pela perturbação do sossego na internet. Revista de Direito do Consumidor, p. 227-253, 2020, p. 233.

5. FILHO, Carlos Edison do Rêgo Monteiro; ROSENVALD, Nelson. Danos a dados pessoais: fundamentos e perspectivas. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; LONGHI, João Victor Rozatti; GUGLIARA, Rodrigo (Coords.). Proteção de Dados na Sociedade da Informação: entre dados e danos. Indaiatuba: Editora Foco, 2021 p. 11.

6. VERBICARO, Dennis; VIEIRA, Janaína. A nova dimensão da proteção do consumidor digital diante do acesso a dados pessoais no ciberespaço. Revista de Direito do Consumidor. vol. 134. ano 30. p. 195-226. São Paulo: Ed. RT, mar./abr. 2021, p. 200.

7. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n. 1349961 /MG. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda e Walter Fonseca Mesquita. Recorrido: Os Mesmos. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, DF, Julgado em: 21 de março de 2014. Disponível em: https://bit.ly/3ZyAchu. Acesso em: 07 jan. 2023.

8. No original: By collecting and analysing even more data about users, online advertisers take a big step towards determining whether their ads influence purchases, and how to better influence purchases.  STUCKE, Maurice E.; GRUNES, Allen P. Big Data and Competition Policy. Oxford: Oxford University Press, 2016, p. 27.

9. QUINELATO, Pietra Daneluzzi. Publicidade comportamental: há livre-arbítrio no consumo do século XXI?. Magis – Portal Jurídico. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3Zxj0Jh. Acesso em: 10 jan. 2023.

10. MARTINS, Guilherme Magalhães; BASAN, Arthur Pinheiro. O marketing algorítmico e o direito de sossego na internet. In: BARBOSA, Mafalda Miranda; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; SILVA, Michael César; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura (Coords.). Direito Digital e Inteligência Artificial: Diálogos entre Brasil e Europa. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 341.

11. FILHO, Carlos Edison do Rêgo Monteiro; ROSENVALD, Nelson. Danos a dados pessoais: fundamentos e perspectivas. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; LONGHI, João Victor Rozatti; GUGLIARA, Rodrigo (Coords.). Proteção de Dados na Sociedade da Informação: entre dados e danos. Indaiatuba: Editora Foco, 2021 p. 16.

12. MARTINS, Guilherme Magalhães; BASAN, Arthur Pinheiro. O marketing algorítmico e o direito de sossego na internet. In: BARBOSA, Mafalda Miranda; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; SILVA, Michael César; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura (Coords.). Direito Digital e Inteligência Artificial: Diálogos entre Brasil e Europa. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 353.

13. VERBICARO, Dennis; VIEIRA, Janaína. A nova dimensão da proteção do consumidor digital diante do acesso a dados pessoais no ciberespaço. Revista de Direito do Consumidor. vol. 134. ano 30. p. 195-226. São Paulo: Ed. RT, mar./abr. 2021, p. 205.

14. VERBICARO, Dennis; VIEIRA, Janaína. A nova dimensão da proteção do consumidor digital diante do acesso a dados pessoais no ciberespaço. Revista de Direito do Consumidor. vol. 134. ano 30. p. 195-226. São Paulo: Ed. RT, mar./abr. 2021, p. 204.

15. MODENESI, Pedro. Privacy by design e código digital: a tecnologia a favor de direitos e valores fundamentais. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; LONGHI, João Victor Rozatti; GUGLIARA, Rodrigo (Coords.). Proteção de Dados na Sociedade da Informação: entre dados e danos. Indaiatuba: Editora Foco, 2021 p. 73.

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