Seriam as redes sociais descentralizadas o futuro da internet?

Seriam as redes sociais descentralizadas o futuro da internet?

business-people-using-internet

Antes de adentrar ao tema das redes sociais descentralizadas, cabe compreender a evolução da internet.

O projeto que deu origem à internet como a conhecemos no dia de hoje se chamava ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network), que teve início na década de 1960, sendo idealizado por pesquisadores do governo dos Estados Unidos que desenvolviam projetos relacionados à criação de redes de comunicação.1

Cabe dizer que a ARPANET era destinada a fins militares, logo, somente em 1 de janeiro 1983 surgiu um projeto que daria origem às redes de comunicações para fins civis (comerciais), o chamado protocolo TCP/IP (Transfer Control Protocol/Internetwork Protocol), que viabilizou a conexão entre diferentes tipos de computadores em redes diferentes.

Por este motivo, parte dos autores defendem que a primeira fase da internet surgiu somente com a chegada do protocolo TCP/IP, isto pois, a ARPANET (embora extremamente importante para o desenvolvimento da tecnologia que compõe a internet) era um projeto restrito à área militar.2

De qualquer forma, o prelúdio da internet é conhecido como Web 1.0, sendo a fase marcada pela centralização da produção de conteúdo. Em tal fase, não existiam sites de buscas (como, por exemplo, o Google, Baidu, Bing, Yahoo, DuckDuckGo, etc.), o que dificultava a tarefa de navegar pela internet, em razão da impossibilidade de encontrar conteúdo (informação), ou seja, o internauta necessitava obrigatoriamente do endereço virtual exato do conteúdo para localiza-lo.3   Aliás, houve um tempo em que se quer existia o “www” (World Wide WeB), vez que tal tecnologia foi inventada em 30 de abril de 19894  por Tim Berners-Lee, como uma forma de facilitar o acesso à sítios eletrônicos, que antes somente eram localizados por meio de números e não por letras como ocorre na contemporaneidade.5

Em síntese, na Web 1.0 a produção de conteúdo era extremamente seleta, de forma que os internautas ficaram restritos à leitura das informações, não podendo contribuir com a criação de conteúdo. Isto posto, tal fase ficou conhecida como “read-only” (somente leitura).6

A segunda fase da internet (defendida por parte da doutrina como a fase na qual vivenciamos na contemporaneidade) é chamada Web 2.0, cujo conceito foi construído em uma conferência entre O ‘Reilly e Media Live.7  Nesta fase, surgem as chamadas comunidades virtuais, que recebem esse nome em razão de serem organizadas em ambiente virtual em torno de interesses ou finalidades compartilhadas.8

Ademais, para possibilitar a participação efetiva dos internautas nas comunidades virtuais, oportunizou-se a produção de conteúdo de forma colaborativa, ou seja, as plataformas (provedores de aplicação) oportunizaram a produção de conteúdo por parte de seus usuários, e inclusive em alguns casos os remuneram pelo seu sucesso (evidenciado pelo número de acessos).

Todavia, embora o internauta da Web 2.0 possa produzir conteúdo, o mesmo de fato não possui total controle sobre seu conteúdo produzido, isto pois, embora tenha autoria (inclusive resguardada pela legislação pátria), o material eventualmente produzido sempre ficará sob a tutela de uma plataforma, quer dizer, ficará hospedado sob responsabilidade de um provedor de aplicação. Por este motivo, a Web 2.0 é conhecida como “read and write but don’t own” (ler, escrever, mas não ser dono).9

Retomando o tema central, as redes sociais descentralizadas seriam parte de uma nova fase da internet, a chamada Web 3.0, que se trata de uma internet nunca antes vista, marca pela descentralização que ocorre por meio da tecnologia da blockchain.10

Em razão de tal tecnologia inovadora da blockchain, torna-se possível que o usuário de fato tenha total controle de seu conteúdo produzido, logo, tal fase também é conhecida como “read, write, and own” (ler, escrever e possuir), pois, o usuário ganha a possibilidade de ter controle total sobre seu conteúdo, em razão da descentralização. Isto pois, o conteúdo produzido pelo usuário não está hospedado em algum servidor sob responsabilidade de um provedor de aplicação, mas sim hospedado em uma rede colaborativa (blockchain).11 

Ao que tange as redes sociais descentralizadas, estas podem ser conceituadas como plataformas sociais que operam em redes da blockchain, no qual o conteúdo produzido fica imune a qualquer tipo de controle (em razão de não ter uma autoridade central), vez que a rede social não está hospedada em um servidor centralizado, mas sim, hospedada de forma colaborativa em milhares de máquinas espalhadas pelo mundo, sendo que a única forma de desabilitar a rede seria indisponibilizando todos os mantenedores.12

Um exemplo de rede social descentralizada em funcionamento trata-se do Nafter, que se assemelha ao Instagram, porém, com conteúdo que se torna NFT.13 Em tal rede social, conteúdos podem ser comercializados (por meio de criptomoedas14 a qualquer um, sendo que o preço e outros detalhes da venda é exclusivamente definido pelo usuário.15

Por exemplo, uma vez publicada uma imagem, o usuário define qual será o seu preço, e uma vez que a imagem é comprada por outro usuário, inexiste a possibilidade de controle por parte do usuário original que postou a foto, inclusive inexiste controle por parte da própria plataforma Nafter, vez que a mesma está descentralizada na blockchain, não podendo exercer controle. Sendo assim, é como se o usuário fizesse uma transferência da “titularidade” do seu conteúdo produzido a outro usuário, recebendo em troca criptomoedas.

Quanto ao questionamento do título, se as redes sociais descentralizadas seriam o futuro da internet, cabe esclarecer que as redes sociais têm o seu sucesso baseado no tamanho de sua comunidade (número de pessoas).

Deste modo, embora no presente não haja uma adesão do grande público para tais iniciativas, cabe evidenciar que no Brasil vem aumentando o número de adeptos à descentralização, especialmente ao que tange a investimentos em criptomoedas.

Tal fato foi identificado em um relatório do Centro de Estudos em Finanças da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVcef) que afirmou que o Brasileiro investe mais em criptomoedas do que em fundos imobiliários, além disso, se comparado com os franceses e com os ingleses o brasileiro é o que mais investe no mundo das criptomoedas.16

Portanto, embora seja cedo pensar (e até mesmo tentar afirmar ou negar) se as redes sociais seriam ou não o futuro da internet, no Brasil, faz-se possível vislumbrar indícios de adesão do brasileiro à descentralização (especialmente ao que tange à investimentos com criptomoedas), que por sua vez, traz como possibilidade uma futura adesão às redes sociais descentralizadas, isto pelo usuário já estar familiarizado com o ambiente descentralizado das criptomoedas.

____________________

Pedro Alberto Alves Maciel Filho

 

Referências

________________________________________

1. UNIVERSITY SYSTEM OF GEORGIA. A Brief History of the Internet. Disponível em: https://bit.ly/3T1d730. Acesso em: 4 de out. de 2022.

2. UNIVERSITY SYSTEM OF GEORGIA. A Brief History of the Internet. Disponível em: https://bit.ly/3T1d730. Acesso em: 4 de out. de 2022.

3. VERMAAK, Werner. What Is Web3.0. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3MbwX9o. Acesso em: 19 de ago. de 2022.

4. Tal data é considerada por grande parte dos autores como o dia do nascimento da internet

5. CERN.  The birth of the Web. Disponível em: https://bit.ly/3V7KsuK. Acesso em: 4 de out. de 2022.

6. RIJMENAM, Mark Van. Step into the Metaverse: How the Immersive Internet Will Unlock a Trillion-Dollar Social Economy. 1. ed. New Jersey: Wiley, 2022.

7. O’REILLY, Tim. What Is Web 2.0. 2005. Disponível em: https://bit.ly/3fHOZ6V. Acesso em: 4 de out. de 2022.

8. MUSSOI, Eunice Maria; FLORES, Maria Lucia Pozzati; BEHAR, Patricia Alejandra. Comunidades virtuais: um novo espaço de aprendizagem. Disponível em: https://bit.ly/3MfDxeU. Acesso em: 5 de out. de 2022.

9. RIJMENAM, Mark Van. Step into the Metaverse: How the Immersive Internet Will Unlock a Trillion-Dollar Social Economy. 1. ed. New Jersey: Wiley, 2022.

10. Blockchain se assemelha a um livro-razão compartilhado e imutável que realiza o processo de registros em blocos em cadeia, que podem ser utilizados para transações e rastreamento de ativos. Tal sistema se mantém de forma descentralizada (ou seja, opera de forma independente de terceiros) por meio da rede chamada peer-to-peer (ponto a ponto), portanto, não há um titular ou titulares. Deste modo, quem mantém e se torna possuidor da rede são os pontos descentralizados.

11. RIJMENAM, Mark Van. Step into the Metaverse: How the Immersive Internet Will Unlock a Trillion-Dollar Social Economy. 1. ed. New Jersey: Wiley, 2022.

12. COINMARKETCAP. Decentralized Social Media. Disponível em: https://bit.ly/3CEA5HF.  Acesso em: 5 de out. de 2022.

13. NFT (Non Fungible Token), em tradução literal token não fungível, é um registro em uma blockchain que está associado a um determinado ativo digital ou físico.

14. Uma criptomoeda se assemelha a uma moeda digital tal como o real digital, todavia, ao contrário do real digital não depende de nenhuma autoridade central (como, por exemplo, um banco central), portanto, possui um mecanismo criptográfico conhecido como blockchain, que garante a efetividade das transações.

15. NAFTER. White Paper: Volume 1. Disponível em: https://d1zjvcsgfckfe5.cloudfront.net/Nafter-Litepaper-V.1.pdf. Acesso em: 5 de out. de 2022.

16. FILGUEIRAS, Isabel. Brasileiro investe mais em criptomoeda que em fundo imobiliário, aponta pesquisa. Disponível em: http://glo.bo/3Vksy8q. Acesso em: 5 de out. de 2022.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio