O smart contract, muito além de simples modalidade contratual, representa o produto de uma nova revolução dentro da própria revolução tecnológica. Atualmente, associa-se a tecnologia à blockchain, contudo o termo, smart contract, fora cunhado por Nick Szabo, ainda em 1994, para definir a escrituração de obrigações e seus reflexos, como cláusulas penais e bonificações, em um código de programação em que o próprio sistema (computador) executa as avenças contratuais sem haver a interferência de agentes físicos (humanos).[1]
O objetivo fundamental do smart contract é fazer com que a obrigação pactuada entre as partes, seja dar, fazer ou não fazer, transporte-se para algoritmos, no intuito de facilitar e tornar mais célere a parte registral, de monitoramento e a própria execução das disposições pactuadas, além de dificultar, ou então, impossibilitar, o descumprimento de alguma condição, sendo predominantemente utilizado em operações financeiras através de criptoativos.
No entanto, o descumprimento contratual de obrigações implementadas em meio físico constitui uma dinâmica diferente aos smart contracts, à medida que necessitam ser apresentados ao Poder Judiciário como fundamento para execução civil estatal, assumindo, deste modo, os caracteres de título executivo. Frente a isso, o questionamento central da discussão estabelece-se na possibilidade dos smart contracts fundamentarem procedimento de execução de título extrajudicial.
Nessa análise, deve-se levar em consideração, primeiramente, as duas clássicas teorias doutrinárias sobre a natureza do título executivo. A documental, defendida por Francesco Carnelutti, sustenta que o título é documento a ser apresentado pelo credor, a fim de obter a tutela executiva, atuando como prova provida da eficácia particular do título legal. Já a teoria do ato, alicerçada nos ensinamentos de Enrico Tullio Liebman, defende que a execução, por representar a atuação prática da lei, coloca o título executivo como expressão da vontade legal, face ao inadimplemento do devedor.
A convergência e complementação de ambas as posições permite a edificação do título executivo sobre um suporte digital, como já defendido e delineado por Araken de Assis,[2] em que os elementos formais do título são observados pela via eletrônica, como a sua exteriorização pela forma escrita. Além disso, a tipicidade do documento executivo é fundamental à manutenção de sua eficácia, tendo em vista a taxatividade presente na dinâmica processualista brasileira.
Observa-se, portanto, que o smart contract, apesar de seus caracteres inovadores e disruptivos, requer a obediência dos clássicos requisitos do título executivo, sejam formais ou substanciais (certeza, liquidez e exigibilidade), tendo em vista o seu comportamento como documento particular, previsto no artigo 784, III do CPC. Mesmo assim, face à natureza do documento, as exigências legais podem ser satisfatoriamente cumpridas, haja vista os novos recursos tecnológicos disponíveis, como a assinatura digital e os sistemas de criptografia, que garantem a executividade civil desse moderno modelo contratual.
Referências
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1. STOKES, Miguel; RAMOS, Gabriel Freire. Smart contracts. Actualidad Juridica, Lisboa, v. 46, p. 124, maio 2017. Disponível em: https://bit.ly/3E1a5Xp. Acesso em: 29 jan. 2023.
2. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. P.189.