Sobre o que é natural ao ser humano existem inúmeras teorias. O consenso quanto a uma teoria derradeira é um fracasso. No entanto, há um preceito legalmente adotado de que existe um mínimo existencial que dá forma à humanidade e não pode ser violado, vide princípio da dignidade da pessoa humana. A partir dessa premissa, um questionamento se forma: “Qual seria a extensão desse mínimo e como exprimi-lo simultaneamente sem que esses desejos de autogoverno se choquem?”
A ideia de viver em comunidade só atinge a margem do possível na medida em que há um estereótipo subjetivo e um sistema conformador do comportamento pautado em conjunto de regras e princípios que limitem a autonomia individual. Nessa emenda, o caminho que marca construção do Direito positivo é o do principado da racionalidade, no qual a estrutura que permeia a noção do sujeito de direito flui a partir de uma ideia de consciência racional, o homem médio, livre, racional e igual.
As pessoas frequentemente pensam sobre si e sobre o Outro como uma entidade racional, dotada de capacidade de fazer escolhas conscientes. Ainda que o paradigma não seja completamente verdadeiro, ele é aplicado como regra erga omnes, de modo que até suas exceções, como os estados de imputabilidade ou ausência de capacidade civil, são legalmente delimitados.
Ainda que atualmente se façam diversas críticas a esse paradigma, talvez não seria possível a formatação da sociedade sem ele. A ponderação e os questionamentos são necessários e auxiliam na formatação de quadro mais factível. No entanto, no ponto em que a sociedade se encontra, o “homem médio” ainda é essencial, principalmente porque habita o imaginário social.
Mas, entre o ideal e o real existe um abismo que se apresenta cotidianamente aos operadores do direito. Raramente uma sentença coloca fim a uma controvérsia e gera um resultado satisfatório, isso quando há uma sentença. O lugar em que o direito se origina, o dever ser, se contrapõe frequentemente ao que é. Em comento, destaco as palavras de Gomes e Aguiar (2018)
É somente como racionalidade que o sujeito pode adentrar no jogo jurídico. Contudo, uma vez dentro, parece também que o sujeito não consegue sair, pois sua subjetividade é reduzida às previsões inerentes às tipificações legais e correlatas possibilidades de interpretação das ações humanas. E, ainda mais: reduzida àquilo que pode ser visto (o comportamento, a imagem), a subjetividade é enclausurada em sua dimensão fenomenológica, bem como em certa apropriação normativa dessa dimensão. (GOMES e AGUIAR, 2018, p.193)
Nesse sentido, também segundo as autoras, colocar em diálogo o conceito de “sujeito” pode ser uma via para aproximar a roteiro jurídico do real. Atualmente os novos métodos de resolução de conflitos abrigam uma proposta que caminha nessa direção. O uso da conciliação, mediação e justiça restaurativa visam a escuta do sujeito a fim de oportunizar uma solução que se adeque melhor à realidade das partes.
Uma melhor oportunidade de diálogo e maior abertura do campo jurídico para as demais ciências humanas e sociais, sem uma imposição das demais áreas ao fenômeno jurídico, como usualmente acontece, pode favorecer esse cenário. O direito, por diversas vezes, acaba incorporando o modos operandi impositivo ao qual está acostumado, inclusive ao relacionar-se com às demais áreas do conhecimento quando simplesmente absorve as suas técnicas sem se atentar aos seus preceitos fundamentais e diferenças epistemológicas.
Diante do exposto, é possível pensar em uma interdisciplinaridade entre psicologia, sociologia, filosofia e direito, a fim de adequar o fenômeno jurídico à realidade prática, com a inclusão de métodos alternativos, escuta das partes e estudo. Se é muito pretencioso solicitar essa maturidade intelectual da norma e dos legisladores, talvez seja possível requere-la de quem a aplica.
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Referências
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GOMES, Maíra Marchi; AGUIAR, Fernando. Sobre sujeito do direito e sujeito da psicanálise. Cad. Psicanal., Rio de Jeneiro , v. 40, n. 39, p. 191-212, dez. 2018 . Disponível em: https://bit.ly/3S2hWJo. Acessos em 24 jul. 2022.