Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o seu Tema 1.070, abrindo uma possibilidade para a revisão de aposentadorias de segurados que trabalharam em dois lugares ao mesmo tempo.
Neste artigo, vou abordar esta possibilidade e explicar mais sobre a nova Revisão das Atividades Concomitantes.
1. O que é uma atividade concomitante?
Em linhas gerais, a atividade concomitante existe quando o segurado exerce mais de uma atividade econômica de forma simultânea.
Imagina que Fernando trabalha como auxiliar administrativo em uma empresa, na modalidade de empregado com registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
Simultaneamente à atividade de auxiliar administrativo, ele também vende materiais de informática na Internet, para conseguir uma renda extra, na condição de contribuinte individual (autônomo).
Portanto, veja que Pedro exerce duas atividades econômicas:
- auxiliar administrativo, com vínculo empregatício;
- vendedor de materiais de informática, como contribuinte individual.
Toda vez que ele recolher para o INSS com as atividades citadas, Pedro possuirá dois salários de contribuição no mesmo mês.
Isso é classificado como atividade concomitante.
Entenda: essa concomitância também poderá ocorrer se o trabalhador exercer mais de duas atividades econômicas ao mesmo tempo.
No dia a dia, é bastante comum a atividade concomitante nas seguintes profissões:
- médicos;
- dentistas;
- professores;
- pessoas com anotação na carteira de trabalho que querem uma renda extra.
Principalmente, quanto aos três primeiros (médicos, dentistas e professores). Pois é extremamente comum que esses profissionais trabalhem em mais de um lugar.
Um médico, por exemplo, poderá trabalhar em um hospital privado pela manhã, mas atender outros pacientes, em seu consultório particular, na parte da tarde.
Ou, até mesmo professores, que trabalham em mais de uma escola particular durante o dia (com aulas pela manhã e depois à tarde).
Ultimamente, existem muitas pessoas com vínculo CLT, mas que precisam complementar suas rendas como motoristas de aplicativos, por exemplo.
Portanto, você deve ter percebido que as atividades concomitantes estão bastante presentes na nossa realidade.
Agora, você vai ver como a legislação previdenciária trata esse tipo de atividade.
2. Como calcular a aposentadoria com atividades concomitantes?
Quando acontece uma simultaneidade de atividades, existirão dois ou mais salários de contribuição para uma mesma competência (mês).
Atualmente, para o cálculo da aposentadoria de atividades concomitantes, serão somados os valores dos salários de contribuição de todas essas atividades, limitados ao Teto do INSS que é de R$ 7.087,22.
Isso, inclusive, está disposto no artigo 225 da nova Instrução Normativa 128/2022 do INSS:
O salário de benefício do segurado que contribui em razão de atividades concomitantes será calculado com base na soma dos salários de contribuição das atividades exercidas no período básico de cálculo.1
Então, vamos utilizar o exemplo da Fernanda, médica que trabalha em um hospital privado e recebe R$ 4.500,00 por mês.
Além desta atividade, ela possui uma clínica particular, onde recebe, em média, R$ 2.500,00 por mês.
Cada atividade de Fernanda é considerada um salário de contribuição.
Para chegar no valor total do salário de contribuição do mês da segurada, você deverá somar os rendimentos de Fernanda.
- R$ 4.500,00 + R$ 2.500,00 = R$ 7.000,00.
Isto é, ela terá um salário de contribuição total de R$ 7.000,00.
Agora, lembra quando falei que os valores são limitados ao Teto do INSS?
Então, esse Teto nada mais é do que o limite máximo que os segurados poderão receber de benefício do Instituto.
Em raríssimos casos um benefício ultrapassará o Teto.
Isso significa que, caso você tenha atividades concomitantes em que a soma de seus valores supere o Teto, o seu salário de contribuição será limitado a R$ 7.087,22 em 2022.
3. Como funciona a revisão de atividades concomitantes?
Antes da vigência da Lei 13.846/2019, o cálculo do salário de contribuição das atividades concomitantes do segurado era feito de uma forma bem diferente (e mais prejudicial ao trabalho, diga-se de passagem).
Era assim: suas duas (ou mais atividades) eram divididas em categorias.
Existia a atividade primária, que era aquela que você tinha maior tempo de contribuição. Neste caso, seus rendimentos eram integrais para o cálculo do salário de contribuição.
Enquanto isso, a atividade concomitante restante era considerada como secundária.
Nesta atividade secundária, era considerado um percentual da média de seus salários de contribuição, com proporção aos anos trabalhados e o tempo de contribuição necessário para a sua aposentadoria.
Enfim, era uma dor de cabeça e fazia com que o seu salário de contribuição total reduzisse.
Isto é, os rendimentos de suas atividades concomitantes não eram somados.
Foi somente a partir do dia 18/06/2019, data da vigência da Lei 13.846/2019, que os rendimentos de atividades concomitantes começaram a ser somados integralmente, como expliquei antes.
Até antes da vigência da nova lei, vários segurados entravam na Justiça com um pedido de revisão do benefício.
Isso porque, não somar os salários de contribuição das atividades concomitantes em sua integralidade fere o Princípio da Isonomia, uma vez que a lei não trata o segurado como único contribuinte.
De qualquer maneira, havia o desconto mensal previdenciário, do rendimento total do segurado.
Ou seja, o desconto de recolhimento previdenciário, das atividades primárias e secundárias, era realizado.
Porém, na hora da concessão de benefícios, uma das atividades não era totalmente integrada ao cálculo.
Parece injusto! E era mesmo.
Exatamente pelo fato de haver desconto previdenciário integral da atividade secundária.
A partir disso, se originou a tese da revisão de atividades concomitantes.
4. Tema 1.070 do STJ
A questão da revisão de atividades concomitantes deu o que falar, até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolveu dar um basta no assunto através do Tema Repetitivo 1.070.
Em resumo, o STJ questionava:
Possibilidade, ou não, de sempre se somar as contribuições previdenciárias para integrar o salário-de-contribuição, nos casos de atividades concomitantes (artigo 32 da Lei n. 8.213/91), após o advento da Lei 9.876/99, que extinguiu as escalas de salário-base.2
Neste caso, os Ministros queriam discutir se a soma das contribuições de atividades concomitantes poderia ser para todo o período a partir da Lei 9.876/1999.
O resultado foi o melhor possível. Foi decidido que:
Após o advento da Lei 9.876/99, e para fins de cálculo do benefício de aposentadoria, no caso do exercício de atividades concomitantes pelo segurado, o salário-de-contribuição deverá ser composto da soma de todas as contribuições previdenciárias por ele vertidas ao sistema, respeitado o teto previdenciário.3
Nesse rumo, a partir da vigência da Lei 9.876/1999, foi definido que as atividades concomitantes deverão ser somadas para chegar ao salário de contribuição total da competência (mês), assim como é feito hoje.
5. Quem tem direito à revisão de atividades concomitantes?
Em regra, você tem direito à revisão de atividades concomitantes se:
- se aposentou entre 29/11/1999 e 17/06/2019;
- tem atividades concomitantes entre 29/11/1999 e 17/06/2019;
- recebeu a primeira parcela da aposentadoria há menos de 10 anos (prazo decadencial).
Você precisará ter se aposentado entre 29/11/1999 e 17/06/2019, pois foi este o período em que esteve em vigor a norma previdenciária (Lei 9.876/1999) que garantia o cálculo prejudicial para as atividades concomitantes.
Como disse anteriormente, a Lei 13.846/2019, em vigor desde o dia 18/06/2019, modificou o cálculo das aposentadorias com atividades concomitantes.
Portanto, entre a vigência dessas duas leis, ficou uma lacuna em que o salário de contribuição de atividades simultâneas não foi calculado de maneira justa.
Também, será importante que você tenha atividades concomitantes entre 29/11/1999 e 17/06/2019.
De nada adiantará o segurado querer fazer a Revisão e verificar que não trabalhou em dois ou mais lugares por vários meses.
Lembrando que a soma dos salários de contribuição das atividades é limitada ao Teto do INSS.
Por fim, o último requisito se refere ao prazo decadencial.
No Direito Previdenciário, este prazo é de 10 anos.
Isto é, se você não fizer uma revisão no prazo de 10 anos, você não poderá mais discutir o seu benefício previdenciário.
A contagem desses 10 anos se inicia no primeiro dia do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação do seu benefício.
Veja bem que é da data do recebimento da prestação de seu benefício, e não da data que a sua aposentadoria foi concedida.
Imagine que Alexandre teve a aposentadoria concedida em fevereiro de 2016.
Porém, a primeira parcela só foi paga no dia 05/03/2016.
Neste caso, o primeiro dia do mês seguinte ao recebimento da primeira parcela será no dia 01/04/2016.
Isso significa que Alexandre terá 10 anos, a partir desta data, para entrar com o pedido da revisão de atividades concomitantes (e a maioria das revisões do INSS).
Ou seja, o segurado terá até o dia 31/03/2026 para entrar com o pedido.
6. Conclusão
O STJ abriu a possibilidade para que os segurados façam a revisão para quem trabalhou em atividades concomitantes e teve um cálculo prejudicial em sua aposentadoria.
A decisão do tribunal foi a mais correta possível, a meu ver, principalmente para que o Princípio da Isonomia seja respeitado para os segurados.
Também existem dias de glória no Direito Previdenciário!
____________________
Referências
________________________________________
1. BRASIL. Instrução Normativa 128/2022 do INSS. Disponível em: https://bit.ly/3aXbwKT. Acesso em 10 jun. 2022.
2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema 1.070. Disponível em: https://bit.ly/39lxxm5. Acesso em 11 jun. 2022.
3. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema 1.070. Disponível em: https://bit.ly/39lxxm5. Acesso em 11 jun. 2022.