Apesar de todo preconceito, por parte da sociedade, estigmas, desinformação e polêmica, o “Auxílio-reclusão” é mais um benefício previdenciário importante para as famílias de baixa renda que dependem economicamente de segurados, ou seja, aqueles que contribuem para o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, recolhido à prisão em regime fechado. Nesse sentido, com objetivo de descomplicar o Direito Previdenciário, vamos abordar esse tema de forma simples, trazer relevantes reflexões acerca desse benefício e assim alcançar os leitores que querem saber mais sobre o auxílio-reclusão.
Infelizmente os beneficiários do auxílio-reclusão ainda são alvos de grandes preconceitos e estigmas. Tendo em vista ser um benefício que desperta grande polêmica, existe o debate para extinguir e permanecer com o referido auxílio.
Em relação ao auxílio-reclusão Sérgio Pinto Martins afirma:
“Eis um benefício que deveria ser extinto, pois não é possível que a pessoa fique presa e ainda a sociedade como um todo tenha de pagar um benefício à família do preso, como se este tivesse falecido. De certa forma, o preso é que deveria pagar por se encontrar nesta condição, principalmente por roubo, furto, tráfico, homicídio, etc.”1
No mesmo sentido, a então deputada federal Antônia Lúcia (PSC/AC) criou projeto (PEC nº 304), admitido pelo relator do Projeto a Emenda Constitucional, endossado por diversos parlamentares e em tramitação no Congresso Nacional, para extinguir esse auxílio previdenciário e conceder um benefício para a vítima do crime.2
Por outro lado, doutrinadores como Mozart Victor Russomano esboça com clareza as causas da criação do instituto em nosso ordenamento jurídico:
O criminoso, recolhido à prisão, por mais deprimente e dolorosa que seja sua posição, fica sob a responsabilidade do Estado. Mas, seus familiares perdem o apoio econômico que o segurado lhes dava e, muitas vezes, como se fossem os verdadeiros culpados, sofrem a condenação injusta de gravíssimas dificuldades. Inspirado por essas ideias, desde o início da década de 1930, isto é, no dealbar da fase de criação, no Brasil, dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, nosso legislador teve o cuidado de enfrentar o problema e atribuir ao sistema de Previdência Social o ônus de amparar naquela contingência, os dependentes do segurado detento ou recluso.3
Neste mesmo sentido, Horvath, enfatiza que:
A sociedade deve garantir a proteção à família não permitindo que esta venha a passar por maiores privações e sofrimentos dos que já tem em decorrência da privação do convívio com o ente familiar que está preso.4
Assim a Constituição Federal de 1988, bem como a lei nº 8.213 de 19915 e o Decreto nº 3.048 de 19996 prevê o benefício previdenciário de um salário-mínimo destinado aos dependentes economicamente do(a) segurado(a) do INSS, ou seja, este necessariamente contribui ao INSS, com um mínimo de contribuições estabelecido em lei, desde que tenha baixa renda e que não receba remuneração da empresa e nem esteja em gozo de auxílio por incapacidade temporária, de pensão por morte, de salário-maternidade e aposentadoria. Este é o denominado Auxílio-reclusão.
Importante sublinhar que a nomenclatura escolhida pelo legislador pode levar a erro o entendimento de que o auxílio é destinado ao preso, o que não é o correto. O benefício tem como objetivo amparar a família que depende, economicamente, daquela pessoa presa em regime fechada e que faz as contribuições para o INSS.
Nesse sentido, com metodologia semelhante adotada em outras colunas e para melhor compreensão do referido benefício, podemos enfatizar alguns pontos do conceito exposto acima, a saber:
- Carência (número mínimo de contribuições para ter direito ao benefício);
- Dependentes economicamente do segurado – baixa renda;
- Tempo de recebimento do benefício e
- Valor do benefício.
De acordo com o art. 25, IV, da lei nº 8.213/91, o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que os beneficiários façam jus ao benefício é de 24 (vinte e quatro) contribuições. Tal exigência passou a prevalecer desde 2019, o que, de certa forma, restringiu a concessão do benefício.
Quando se fala em baixa renda, trata-se da renda do segurado e não da dependentes, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF.7 O limite previsto em lei, no ano de 2021, é de R$ 1.503,25 (um mil quinhentos e três reais e vinte e cinco centavos), valor verificado com a média dos salários apurados nos últimos 12 (doze) meses, com base no mês do recolhimento da prisão. Ou seja, o cálculo será feito da seguinte forma: Após verificar quais foram os 12 (doze) últimos salários do segurado, irá somar esse valores e depois dividirá por 12. O valor encontrado “precisa”8 ser igual ou inferior à R$ 1.503,25.
O valor considerado “baixa renda” para esse benefício é definido por portaria expedida anualmente pelo INSS e importante frisar que esse valor pode ser flexibilizado, precisa ser verificado caso a caso.
Nesse momento pode surgir a dúvida: mas quem pode receber esse benefício?
Antes da resposta, cabe apontar o entendimento sobre o princípio da individualização da pena comentado por Fabiana Duarte P. de Souza, quando analisa sobre a constitucionalidade do benefício previdenciário do auxílio-reclusão:
Pelo princípio da individualização da pena previsto no art. 5º, inciso XLV da Constituição Federal de 1998, assegura que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, logo, o condenado deverá arcar com as consequências do seu delito, mas essas consequências não se estendem aos seus familiares. […] Portanto, por este princípio entende-se que a família do condenado preso e que deste dependia para manter-se, não poderá ser penalizada e vir a sofrer privações para suprir suas necessidades básicas, uma vez que se encontra impossibilitado de prover a subsistência de seus familiares e dependentes, devendo o Estado, por meio que a lei lhe possibilita fazer, suprir essa necessidade, o que atualmente ocorre por meio da concessão do benefício do auxílio-reclusão.9
Passemos assim à resposta de fato. Os dependentes do segurado são divididos em três classes, a saber, (primeira classe): o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (segunda classe): os pais e (terceira classe): o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave. Ocorre que a existência de uma classe exclui as outras e o valor do benefício será dividido igualmente para as pessoas da mesma classe, sendo o caso.
Além disso, os beneficiários da primeira classe tem constatada a dependência econômica de forma presumida, já os dependentes das demais classes devem comprovar essa situação.10
O auxílio-reclusão será suspenso em caso de fuga, recebimento de auxílio por incapacidade temporária, não comprovar sua situação de preso em regime fechado no tempo exigido (trimestralmente) à autoridade competente e em situação de livramento condicional e saída do regime fechado.
Como curiosidade, o professor Hélio Gustavo Alves em seu livro Auxílio-reclusão: Direitos dos presos e de seus familiares – com análise das inconstitucionalidades da baixa renda, da Editora Ltr, sustenta que em caso de fuga que seja concedida o benefício da pensão por morte aos dependentes, justificando que o Estado não tem a prova de vida do segurado.
Por outro lado, o auxílio-reclusão será cessado em razão da perda da qualidade de dependente, caso o segurado passar a receber aposentadoria, pelo óbito do segurado (preso), passando, automaticamente, a receber pensão por morte, e em razão da soltura do segurado.
Por fim, para finalizar as questões levantadas, o valor do benefício do auxílio-reclusão, que é destinados aos dependentes do segurado preso em regime fechado, equivale a um salário mínimo vigente, conforme art. 117, do Decreto nº 3.048/99.
Como segunda curiosidade, nos termos do art. 116, §6º, do Decreto nº 3.048/99, o exercício de atividade remunerada iniciado após a prisão do segurado recluso em cumprimento de pena em regime fechado não acarreta a perda do direito ao recebimento do auxílio-reclusão para os seus dependentes.
Assim, observando o princípio da Dignidade da pessoa humana é garantido aos familiares a possibilidade da sobrevivência e prover o próprio sustento e necessidades básicas com a concessão do benefício previdenciário em questão.
No mais quero colocar ainda os últimos dois postos. O primeiro é solicitar ao nobre leitores, após ter verificado estas colocações e algumas reflexões, que encaminhassem, por e-mail, a sua opinião ou experiência em relação ao auxílio-reclusão. Posso contar com você?
O outro ponto, é que quero convidar a interagir comigo através de sugestões de temas para as próximas colunas no ramo do Direito Previdenciário.
Agradeço você por ter chagado até aqui e espero nos encontrarmos na próxima coluna com mais um tema relevante. Até lá!
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Sérgio Augusto Pires dos Reis Madeira
adv.sergiopires@gmail.com
Referências
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1. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Editora Atlas. 22ª Edição. São Paulo. 2005, página 414.
2 Veja mais: BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 304, de 29 de agosto de 2013. Altera o inciso IV do art. 201 e acrescenta o inciso VI ao art. 203 da Constituição Federal, para extinguir o auxílio-reclusão e criar benefício para a vítima de crime. Disponível em: https://bityli.com/SLb6Wj. Acesso em 8 set. 2021;
3. RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social, 2. Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 214.
4. HORVATH, Miriam Vasconcelos Fiaux. Auxílio-reclusão. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 109 p.
5. BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: https://bityli.com/6upoI. Acesso em 8 de set. 2021.
6. BRASIL. Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providên-cias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 7 mai. 1999, p. 50. Disponível em https://bityli.com/M7NoE. Acesso em 8 set. 2021.
7. Recurso Extraordinário nº 486.413 e 587.365
8. Recurso Especial nº 1.112.557
9. SOUZA, F. D. P. de. A Constitucionalidade do Benefício Previdenciário do Auxílio Reclusão. Fortaleza, 2014. Disponível em: https://bityli.com/qWefu. Acesso em 08 de Setembro de 2021.
10. VON MÜHLEN, Angela. O benefício de auxílio-reclusão garantido pela Previdência Social e a inconstitucionalidade na restrição de dependentes. Porto Alegre, 2014. Disponível em: https://bityli.com/Qklls. Acesso em 08 de Setembro de 2021.