Uma breve análise socioeconômica da bitcoin

Uma breve análise socioeconômica da bitcoin

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O presente artigo foi produzido em parceria com o João Victor Balbino,1 membro do grupo de estudo em criptoativos2 (chamado “Crypto Academy”), que apresentou no dia 15 de setembro de 2021 a pesquisa: “Bitcoin: influência socioeconômica e sociopolítica”.

A respeito do grupo, cabe trazer algumas considerações:

O grupo se trata de um projeto pequeno (porém ambicioso), composto por estudantes de Direito da graduação. Tal projeto vislumbra a criação de um grupo maior (com abrangência em todo o Brasil) em parceria com a AGEJ,3 que está programada para ser idealizada no ano de 2022.

O objetivo principal do grupo é a investigação dos criptoativos. Deste modo, serão realizadas pelos membros seis apresentações, de modo a garantir uma abordagem robusta sobre o tema.

Os objetivos secundários estão relacionados ao desenvolvimento dos membros, oportunizando a realização de apresentações, debates com especialistas (convidados externos), bem como publicação em eventos jurídicos e no Portal Magis.

Cabe ressaltar que o grupo contará com a presença de membros convidados (externos), pessoas com renomado conhecimento jurídico, que irão realizar apresentações no mesmo dia que os membros do grupo. Tal modelo proposto tem o intuito de encorajar os membros a realizarem uma pesquisa robusta, haja vista a participação de pessoas que possuem grande conhecimento sobre o tema, colocando-os no mesmo patamar dos convidados externos e gerando riquíssimos debates.

Por fim, cabe esclarecer que o grupo não possui vínculo com nenhuma instituição, sendo apenas uma iniciativa solidária de minha autoria, com o objetivo de oportunizar aos estudantes de direito a investigação deste tema tão inovador (criptoativos). Ressalto que minha investigação neste tema ocorre desde a minha graduação, se desdobrando em um projeto de pesquisa que apresentei na PUC em Curitiba no ano de 2019, em um trabalho de conclusão de curso de graduação em 2020 (PUC – PR) e pós graduação em 2021 (EBRADI), e atualmente minha dissertação de Mestrado na Universidade Estadual de Londrina (sob o tema smart contracts).4

Superadas as breves considerações sobre o grupo, cabe iniciar a abordagem do tema em questão.

Neste sentido, cabe esclarecer que a criação da Bitcoin5 foi um grande marco tecnológico, haja vista que foi a primeira moeda digital descentralizada já criada.6 Para a compreensão das raízes socioeconômicas da Bitcoin cabe retroceder na história, mais precisamente ao período anterior ao surgimento da moeda, onde ocorriam trocas de produtos excedentes entre a população. Tal troca é nomeada de escambo, sendo um acordo com a dupla coincidência de desejos entre os sujeitos.7

Avançando na história, durante o período Romano era comum que os soldados recebessem como pagamento pelos seus serviços quantidades de sal, pois tal produto era utilizado pela maioria.8 Em razão do uso do sal como forma de pagamento (chamado na época de salriu) surge a palavra “salário”, que é utilizada na contemporaneidade para descrever a remuneração ajustada como pagamento da prestação de serviços estabelecidos em contrato de trabalho.

Não obstante, outros produtos foram utilizados ao longo da história como pagamento, como, por exemplo: pedras, chás, penas, conchas, açúcar, sal, gado etc.  Evidentemente que cada um desses produtos possuía uma dificuldade em seu uso, seja pelo transporte, deterioração, tamanho, entre outros empecilhos.

Ao longo da história, tais produtos foram substituídos por metais preciosos (como o ouro e a prata), no qual o Estado passou a controlar tal atividade por meio da cunhagem, recebendo uma porcentagem de tais valores como taxa pela prestação de seu serviço. Com isso, o Estado adquiriu o monopólio da moeda, tornando-se uma instituição de controle, trazendo como reflexo a confiança (fidúcia) para os que utilizam da moeda(portadores).9

Já no Século XIX, os Estados Unidos da América (EUA) iniciaram a emissão do papel-moeda, que no início teve ausência de credibilidade pela população, em resposta, o governo atribuiu a possibilidade de trocar o papel-moeda em ouro, lastreando-o, como se fosse um título de crédito. Notoriamente o ouro lastreado era limitado, por outro lado, o gasto da moeda pelos EUA (devido ao conflito com a União Soviética) superou a reserva em ouro, culminando em uma crise econômica.10

Na visão de Fernando Ulrich,11 a economia global encontrou-se em colapso diversas vezes ao longo da história, afetando todos os portadores da moeda emitida pelos Estados, que por diversas vezes foi inflacionada propositalmente com o objetivo de quitar dívidas públicas, derivadas de guerras e de um Estado perdulário incapaz de sobreviver apenas com impostos cobrados da sociedade.

Em razão deste cenário, surge o pensamento de Friedrich Hayek de desvincular a moeda do Estado. Tal pensamento foi proposto em 1978 pelo autor no livro “A desestatização do dinheiro”, que afirmava que o direito de emitir dinheiro deveria ser estendido as empresas, gerando uma concorrência que permitiria que as pessoas escolhessem em quais moedas confiariam.12

O marco final da abordagem do presente artigo ocorreu em 2008, quando o pseudônimo Satoshi Nakamoto criou a Bitcoin por meio de seu trabalho intitulado “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”.13 Tal criptoativo tem como principal característica a descentralização gerada pela blockchain,14 onde o portador da moeda atua como seu próprio banco, em razão da confiança (fidúcia) ser garantida pela criptografia da rede peer-to-peer.15 

Por fim, a presente pesquisa obteve como resultado que o Estado não se apoderou do monopólio monetário com intuitos nobres, haja vista que tal apoderamento ocorreu em razão da alta lucratividade ao cobrar taxas pelo controle (cunhagem).  Desta forma, com o surgimento da criptomoeda, há uma grande chance de proibição por parte dos governos, haja vista o risco da perda de soberania pela desestatização do dinheiro. A China, por exemplo, proibiu recentemente os bancos e Alipay16 de usarem Bitcoin.17

Portanto, é esperado que outros países ao longo do tempo sigam o mesmo caminho de adesão de políticas proibitivas a utilização da Bitcoin. No entanto, a grande questão é como garantir a efetividade de tal proibição, haja vista que mesmo sem a internet é possível transacionar com bitcoin.18

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Pedro Alberto Alves Maciel Filho

João Victor Balbino

 

Referências

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1.  Estudante do terceiro ano de Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL). joaovicttorbalbino@hotmail.com

2. Criptoativos são dados binários projetados para funcionar como um meio de troca em que os registros de propriedade de moedas individuais são armazenados em um livro razão existente na forma de um banco de dados computadorizado usando criptografia para proteger a transação de registros, para controlar a criação de moedas adicionais e para verificar a transferência da propriedade das moedas.

3. Associação Guimarães De Estudos Jurídicos

4. É um programa de computador ou um protocolo de transação que se destina a executar e controlar eventos e ações consoante aos termos anteriormente firmados. Ou seja, em suma tratam-se de contratos digitais autoexecutáveis.

5. Bitcoin é um ativo digital descentralizado; isto é, ausente de controle de intermediários.

6. HAAR, Ryan. What is Bitcoin. Disponível em: https://bit.ly/3ztXzdG. Acesso em: 18 de set. de 2021.

7. FAZZOLO, Bruno Silva. A tributação das criptomoedas no Brasil: uma análise à luz da regra-matriz de incidência. 2019. 76 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2019. Pág. 13

8. FAZZOLO, Bruno Silva. A tributação das criptomoedas no Brasil: uma análise à luz da regra-matriz de incidência. 2019. 76 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2019. Pág. 13

9. Revista Científica Disruptiva, O papel das criptomoedas na garantia da liberdade, Maria Amalia Arruda Camara e Lucas Luiz Bezerra da Cruz. volume 1. 2019. Pág 98

10. FAZZOLO, Bruno Silva. A tributação das criptomoedas no Brasil: uma análise à luz da regra-matriz de incidência. 2019. 76 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2019. Pág. 25

11. ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. 1ª Edição. São Paulo: Editora Instituto Ludwing von Mises, 2014. Posição. 36

12. HAYEK, Friedrich August Von. Denationalization of Money: The argument Refined. 3ª Edição. West Sussex: Institute of Economics Affairs, 1990.

13. Em tradução livre, Bitcoin: Um sistema eletrônico de pagamento ponto a ponto.

14. Trata-se de um livro-razão compartilhado e imutável que registra transações e rastreia ativos em uma rede.

15. A computação ponto a ponto é uma arquitetura de aplicativo distribuída que particiona tarefas ou cargas de trabalho entre os pares (pontos).

16. Alipay é uma plataforma de pagamento móvel e online de terceiros.

17. O GLOBO. China proíbe bancos e Alipay de usarem bitcoin, e valor da moeda despenca mais de 10%. Disponível em: https://glo.bo/3zrhvOj Acesso em 18 de set. de 2021.

18. MOORE, Lukas. Bitcoin without Internet? How Possible? Disponível em: https://bit.ly/3koGTA5. Acesso em: 20 de set. de 2021.

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