De início, importante mencionar que a dissolução parcial ocorre por diversos motivos, podendo ser por falecimento de sócio, exclusão de sócio ou a retirada voluntária de um sócio. Nesta seara, a apuração de haveres em uma dissolução parcial tem sido uma matéria bastante discutida na jurisprudência dos tribunais.
O Código Civil, em seu artigo 1.031, dispõe que:
“Art. 1031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.”
Em rápida leitura do dispositivo, há o entendimento que a apuração de haveres, por meio de balanço especial, só possui aplicação em uma possível omissão do contrato social da Empresa.
Para tanto, visando sanar a lacuna deixada pelo artigo supracitado, a lei 13.105/15 (Código de Processo Civil), em seu artigo 606, estabeleceu certos critérios para avaliação do patrimônio da sociedade em caso de dissolução. Tal avaliação que será realizada judicialmente, via pericia, difere do critério adotado para elaboração do balanço patrimonial, que utiliza o custo de aquisição para avaliação dos ativos da sociedade:
“Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado no balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma”.
Neste sentido, o STJ voltou a julgar essa questão, agora, à luz do art. 606 do CPC excluindo a possibilidade de aplicação conjunta do critério de fluxo de caixa descontado:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA. DISSOLUÇÃO PARCIAL. SÓCIO RETIRANTE. APURAÇÃO DE HAVERES. CONTRATO SOCIAL. OMISSÃO. CRITÉRIO LEGAL. ART. 1.031 DO CCB/2002. ART. 606 DO CPC/2015. VALOR PATRIMONIAL. BALANÇO ESPECIAL DE DETERMINAÇÃO. FUNDO DE COMÉRCIO. BENS INTANGÍVEIS. METODOLOGIA. FLUXO DE CAIXA DESCONTADO. INADEQUAÇÃO. EXPECTATIVAS FUTURAS. EXCLUSÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se o Tribunal de origem, ao afastar a utilização da metodologia do fluxo de caixa descontado para avaliação dos bens imateriais que integram o fundo de comércio na fixação dos critérios da perícia contábil para fins de apuração de haveres na dissolução parcial de sociedade, violou o disposto nos artigos 1.031, caput, do Código Civil e 606, caput, do Código de Processo Civil de 2015.
3. O artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015 veio reforçar o que já estava previsto no Código Civil de 2002 (artigo 1.031), tornando ainda mais nítida a opção legislativa segundo a qual, na omissão do contrato social quanto ao critério de apuração de haveres no caso de dissolução parcial de sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado pelo critério patrimonial mediante balanço de determinação.
4. O legislador, ao eleger o balanço de determinação como forma adequada para a apuração de haveres, excluiu a possibilidade de aplicação conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado.
5. Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema demonstram a preocupação desta Corte com a efetiva correspondência entre o valor da quota do sócio retirante e o real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu verdadeiro valor patrimonial.
6. A metodologia do fluxo de caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, utilizada comumente como ferramenta de gestão para a tomada de decisões acerca de novos investimentos e negociações, por comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente.
7. A doutrina especializada, produzida já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, entende que o critério legal (patrimonial) é o mais acertado e está mais afinado com o princípio da preservação da empresa, ao passo que o econômico (do qual deflui a metodologia do fluxo de caixa descontado), além de inadequado para o contexto da apuração de haveres, pode ensejar consequências perniciosas, tais como (i) desestímulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade das empresas, e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado em detrimento daqueles que permanecem na sociedade.
8. Recurso especial não provido.” (REsp 1877331/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13-04-2021, DJe14-05-2021)
Portanto, após o a redação do artigo 606, foi consolidado o entendimento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que adotou o critério do patrimônio líquido, a ser apurado em balanço especial para apuração de haveres do sócio retirante/excluído. Ficando afastada a utilização da metodologia do fluxo de caixa descontado, por falta de objetividade, conduzindo a um resultado que não expressa o valor real do ativo da sociedade.