Breves lições sobre bem jurídico

Breves lições sobre bem jurídico

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Em um Estado Democrático de Direito, cuja função última é efetivar e tutelar os direitos fundamentais, o direito penal só goza de legitimidade material se, de forma subsidiaria, proteger bens jurídicos. Nesse sentido, destaque o axioma do garantismo penal nulla necessitas sine injuria.

O bem jurídico, portanto, é o ponto de partida de um direito penal garantista. Basta ver que o terrorismo penal, representado pelo direito penal nazista e/ou socialista, afasta ou distorce a ideia de bem jurídico, alinhando-a conforme os seus fins ideológicos.

Conforme assinala Luiz Regis Prado, o conceito de bem jurídico não é unânime entre os diversos penalistas nacionais e estrangeiros. De qualquer forma, gira em torno da ideia de que se trata dos bens indispensáveis ao homem em suas relações sociais.

Vale destacar, entretanto, a firme posição Tavares de que bem jurídico é um elemento da própria condição do sujeito e de sua proteção social. Assim, pode ser entendido como um valor que se incorpora à norma como seu objeto de preferência real.

Lado outro, vale ressaltar que a ideia de bem jurídico foi desenvolvida por Birnbaum em oposição à tese iluminista de que o delito constituiria uma lesão de direito subjetivo. Embora Tavares e Nilo Batista reconheçam o valor material na concepção inicial de bem jurídico, seu autor sequer cogitou preencher o conceito com elementos materiais. Muito pelo contrário, seu propósito era de adequar a teoria jurídica do delito às normas do direito penal vigente. Afinal, contrastava com a ideia de violação ao direito subjetivo, sobretudo os delitos contra a religião, Estado ou comunidade.

Na sequência, Tavares apresenta uma divisão histórica e sistemática do conceito de bem jurídico, dividindo em quatro, a saber, uma positivista, neokantista, ontológica e funcionalista.

Em apertada síntese, no positivismo jurídico o conceito de bem jurídico se relacionava estritamente ao conteúdo estabelecido pela lei, que era a vontade do Estado. Assim, um interesse se tornava bem jurídico quando a lei determinasse.

Já no positivismo sociológico, Von Liszt defendia que o bem jurídico não é bem do direito ou ordem jurídica, mas um bem do homem que o direito o reconhece e protege.

Na sequência, o conceito de bem jurídico neokantista é alinhado a sua metodologia científica. Assim, é relacionado a valores culturais hipotéticos, os quais nascem e vivem nos imperativos e proibições da norma.

A concepção ontológica de Welzel é que o bem jurídico conserva seu sentido de objeto de proteção da norma, tal como no neokantismo, mas o substitui pelos chamados valores ético-sociais.

Segundo Tavares, Cirino dos Santos e Nilo Batista os valores ético-sociais mascaram o fato de que o direito penal está protegendo relações sociais, interesses e valores escolhidos pelas classes dominantes, de forma a se tratar de forma repressiva de manter o status quo.

No funcionalismo teleológico de Roxin, o conceito de bem jurídico se alinha com os valores político criminais ancorados nos preceitos constitucionais, como restrição ao poder punitivo estatal. O conceito de Roxin é elogiado por estabelecer um sistema de garantias e criticado por se estabelecer em bases normativas.

Já no funcionalismo sistêmico de Jakobs, o conceito de bem jurídico é substituído pela necessidade de reafirmação das expectativas sistêmicas, pela imposição de uma pena.

Atualmente, são duas as orientações mais atuais que procuram recuperar a função de garantia do bem jurídico, como conceito que precede a atividade legislativa. Isto é, o bem jurídico emana de fontes metajurídicas, antecedentes ao ordenamento jurídico e o bem jurídico emerge da fonte jurídica superior, ou seja, a Constituição.

Os adeptos da primeira concepção, como Hassemer e Jescheck, sustentam que a concepção de bem jurídico transformou-se na teoria da danosidade social, o que está a demonstrar que o direito penal deve voltar-se para as necessidades e interesses da realidade social.

Entretanto, objeta-se que esta acepção não é apta a indicar critérios diretivos para a individualização dos bens tuteláveis em matéria criminal, razão pela qual não impõe limites a atividade legislativa. Muito pelo contrário, se considerar a necessidade e os interesses da realidade social a par de uma sociedade globalmente capitalista, será legitimada a natural expansão do direito penal a relações de consumo, a exploração da matéria-prima no meio ambiente, a criminalidade de pessoas jurídicas, o que é uma administrativização do Direito Penal, conforme as lições de Silva Sanchez.

Ocorre que, por outro lado, a concepção de que os bens jurídicos penais devem ser orientados por valores constitucionais, vinculando o legislador ordinário ao texto constitucional, também não está imune a críticas. Afinal, se levada ao extremo tal concepção, o direito penal teria papel meramente sancionatório dos bens constitucionalmente selecionados. Além disso, a função crítica e de garantia do bem jurídico restaria engessada e alienada da realidade, sobretudo considerando os avanços tecnológicos e as novas formas em que o crime pode aparecer.

Em razão de tais críticas, a concepção foi alargada para abranger também os bens jurídicos de implícita relevância constitucional e aqueles que não são com ela incompatíveis.

Roxin, um dos adeptos dessa concepção, argumenta que ela delimita o âmbito de incidência da lei penal, dela excluindo as imoralidades, as cominações penais arbitrárias, as finalidades ideológicas e outras que ofendem direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a isonomia.

Por fim, o bem jurídico no direito penal cumpre as funções político-criminal e crítica, apresentando o norte de criminalização e descriminalização de condutas; função dogmática, na interpretação dos tipos penais, relevância do bem jurídico tutelado, sistemática na disposição dos tipos na parte especial do Código Penal e função individualizadora, vez que o artigo 59 do Código Penal determina que o juiz, no momento em que estabelece a dosimetria da pena, leve em consideração a gravidade da lesão ao bem jurídico.

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Mathias Oliveira Campos Santos

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